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4 O PAÍS DA DIFERENÇA

4.1 Desbravando o País da diferença

Ao adentrar pela filosofia da diferença, nos deparamos com palavras desconhecidas inicialmente ou que recebem outros significados estruturais, ou melhor, possuem conceitos que divergem de suas definições conhecidas, causando certo desconforto e uma sensação de Caos, como se os saberes presentes naquele momento não fossem suficientes para estabelecer conexões lógicas para legitimação do que é apresentado. Para Gallo (2000) fazer filosofia é um trabalho intenso, que não se constitui por repetições de filósofos. Para ele, o papel principal da filosofia é criar conceitos. É necessário produzir o novo a partir de estudos históricos filosóficos já realizados, os quais são pontos de partida para o pensamento crítico reflexivo.

Para os filósofos contemporâneos como Foucault, Deleuze e Guatari, a filosofia é tida como a problematização do presente sem buscar respostas, é a prática e não a contemplação. Um instrumento de reflexão sobre um determinado problema para produção de conceitos, priorizando a pergunta em vez de resposta, o que possibilita um continuo movimento (GALLO, 2000). É através das apropriações feitas pelo filósofo-historiador22, em seus estudos históricos com filósofos de relevância que surge a fabricação ou criação de conceitos, sendo assim, Deleuze e Guattari (1992) definem em seus pensamentos que a busca pela sabedoria torna o filósofo amigo do conceito.

O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência. Quer dizer que a filosofia não é uma simples arte de formar, de inventar ou de fabricar conceitos, pois os conceitos não são necessariamente formas, achados ou produtos. A filosofia, mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar conceitos. O amigo seria o amigo de suas próprias criações? Ou então é o ato do conceito que remete à potência do amigo, na unidade do criador e de seu duplo? Criar conceitos sempre novos é o objeto da filosofia. É porque o conceito deve ser criado que ele remete ao filósofo como àquele que o tem em potência, ou que tem sua potência e sua competência. Não se pode objetar que a criação se diz

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Característica utilizada por Gallo (2000) para representar o trabalho do filósofo como algo histórico que se inicia através de estudos históricos de importantes filósofos da sociedade.

antes da sensível e das artes, já que a arte faz existir entidades espirituais, e já que os conceitos filosóficos são também sensibiliza. Para falar a verdade, as ciências, as artes, as filosofias são igualmente criadoras, mesmo se compete apenas à filosofia criar conceitos no sentido estrito (DELEUZE; GUATARRI, 1992, p.13).

Em sua obra O que é filosofia da educação? Gallo (2000), inspirado em Deleuze, conceitua a filosofia como o ambiente no qual os filósofos dão vida a novos conceitos. O que o autor traz como ―roubo‖, roubar um conceito é dar novo sentindo a algo já existente dentro de um novo plano de imanência23. Ao caminhar pelo campo filosófico em um movimento continuo de idas e vindas, o filósofo diante de um problema, não visa resolver, mas transformar, acrescentar, retirar, reformular e/ou dá um novo sentido, a conceitos já existentes, sendo algo histórico. Dessa forma, os conceitos estão interligados aos seus criadores, pois ao pensar em um determinado conceito buscamos suas definições de acordo com seu criador. Assim ―Numa palavra, dizemos de qualquer conceito que ele sempre tem uma história, embora a história se desdobre em ziguezague, embora cruze talvez outros problemas ou outros planos diferentes. Num conceito, há, no mais das vezes, pedaços ou componentes vindos de outros conceitos [...]‖ (DELEUZE; GUATTARI, 1992, p.29). Deleuze e Guattari (1992) estabelecem uma ideia de que o conceito é acompanhado por eventos históricos que o antecede, representa de modo isolado uma multiplicidade, um devir. Surgem dento de um plano de imanência instaurado para resolver um determinado problema, assim os conceitos estão interligados dentro de um plano de imanência. Apesar dos conceitos estarem interligados com outros conceitos, quando o recriamos ele se torna parte de um plano de imanência, de tal modo que se buscarmos referências para um determinado conceito fora de seu plano de imanência não teremos êxito.

Portanto, só se criam conceitos a partir dos problemas que nos são colocados. Criar conceitos de formação é produzir para si um plano de imanência. Dessa forma, um conceito de formação não se situa em determinado gênero ou espécie, mas sim nas composições de suas práticas (TÁRTARO, 2016, p.59).

O plano de imanência é o solo de produção dos conceitos, crescendo horizontalmente, o qual atribui sentido as multiplicidades e ao devir do conceito, estando diretamente interligados. Porém, diante dessa condição de dependência não podemos pensar no conceito e o plano de imanência com uniformidade.

É um plano de consistência ou, mais exatamente, o plano de imanência dos conceitos, o planômeno. Os conceitos e o plano são estritamente correlativos,

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mas nem por isso devem ser confundidos. O plano de imanência não é um conceito, nem o conceito de todos os conceitos. Se estes fossem confundíveis, nada impediria os conceitos de se unificarem, ou de tornarem-se universais e deperderem sua singularidade, mas também nada impediria o plano de perder sua abertura (DELEUZE; GUATARRI, 1992, p.48).

Ao pensar nos símbolos (letras) X e Y, por exemplo, percebemos que eles habitam em múltiplos territórios e desempenham em cada um deles significados diferentes, de acordo com o plano que se encontram. Tomemos como exemplo o contexto das ciências biológicas o X e Y representam cromossomos sexuais, essenciais no estudo da determinação do sexo biológico dos humanos e em grande parte de mamíferos. Já no contexto da matemática eles assumem múltiplos significados, podendo ser utilizadas no plano cartesiano para representar um eixo de coordenadas, representar elementos de uma equação, uma função ou ainda representar um conjunto. Se pensarmos a partir da dimensão da língua portuguesa eles representam uma letra do sistema alfabético de escrita. Deste modo, observamos o quanto o contexto é relevante. Podemos então associar o plano de imanência como sendo as disciplinas mencionadas (o contexto), e os símbolos X e Y

como conceitos criados diante de alguma problemática, logo cada

plano/disciplina/contexto apresenta um sentido diferente para os mesmos elementos.

A noção de plano de imanência é fundamental para a criação filosófica, pois o plano é o solo e o horizonte da produção conceitual. Não podemos confundir plano de imanência com conceito, embora um dependa do outro (só há conceitos no plano e só há plano povoado por conceitos [...]) (GALLO, 2000, p.57).

Nesse sentido, podemos dizer que o presente trabalho se movimentará dentro do plano de imanência da filosofia da Diferença, traçando conexões com o território educacional, desta forma é imprescindível compreender os conceitos que compõe o plano de imanência desta perspectiva filosófica. Na intenção de deslocá-los para a dimensão da educação. Assim, a filosofia da Diferença, à luz de Gilles Deleuze pode ser entendida como uma ferramenta que nos possibilita entender as singularidades presentes nos processos de constituição dos professores de matemática enquanto sujeitos subjetivos que transitam em um constante devir.

A educação sempre foi vista com relevância nos estudos filosóficos, as primeiras ideias de incorporar filosofia a este campo surgiram a partir do filósofo Jonhn Dewey (1916), que trouxe algumas indagações referentes às transformações das crianças em adultos e o lugar da criança na escola. As diversas questões filosóficas referentes à educação expandiram-se e ganharam novos territórios e contextualizações nos estudos

contemporâneos, em que a filosofia da educação ganha um novo olhar através dos pensamentos de Nietzsche, Deleuze, Foucault e outros. Para Gallo (2003), o encontro de Deleuze e Foucault com Nietzsche acarretou importantes marcas para a história da filosofia, uma vez que a filosofia passa a ser vista como produção de pensamento e não apenas como a reprodução destes.

Ao pensar a filosofia da Educação como uma reflexão sobre os problemas educacionais, desconsidera-se o potencial criador do filósofo, o qual faz nascerem conceitos, que servem de base para sustentar os processos educativos (GALLO, 2000). Pois, mesmo que nas obras de Foucault, Deleuze, Guattari não esteja explícitas as questões educacionais, eles levantaram estudos relevantes sobre o sujeito, o que contribui diretamente com a Educação, que é formada por e para sujeitos, em todas as suas dimensões.

Nessa perspectiva, a filosofia da educação é um plano onde os conceitos são criados com objetivo de discutir sobre os problemas intrínsecos ao território educacional, que por vezes é necessário se movimentar por outros territórios filosóficos, como o da filosofia da diferença e de alguns conceitos pertinentes a ela.

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