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4 O PAÍS DA DIFERENÇA

4.4 Sujeitos, subjetividade e Devir

Ao se movimentar no pensamento Deleuziano, percebe-se um distanciamento entre a ideia de Sujeito e a de Homem, em favor do que seria um ―Ser-devir‖, um princípio que parte da concepção de Subjetividade, que se resume a partir das forças constituídas nas diferentes formas de comunicações com o meio o qual habita. Logo, consideramos que o ―Ser‖ sujeito se encontra em permanentes transformações, que surgem a partir da relação com o outro, portanto se faz necessário discutir os conceitos transversais às multiplicidades do ―Ser‖ e a forma que se constitui.

Os acontecimentos descritos anteriormente, predominante no final do século XIX e no início do século XX despertaram um olhar desinibido para a diferença, o que fez surgir a oposição a concepção tida pela filosofia antiga sobre identidade, estabilidade e conservação dos atributos, o prezo pela ―essência‖. Eles passam a colocar o ―Ser/Homem‖ em um estado inacabável, aberto às diversas possibilidades que o perpassa. Somos desafiados a pensá-lo como fruto dos processos de subjetivação que adentram, resultando nas subjetividades que lhe compõe. Podemos então pensar um ser submetido à ideia das constantes produções de subjetividades.

Porém, nos cabe aqui inferir que a interpretação deleuziana preconiza um afastamento da idéia de sujeito ou de Homem em prol de uma idéia de subjetividade que se condensa em um campo de forças que se instaura através de seus devires caóticos e intensos. É na idéia de um animal-devir que se desterritorializa que Deleuze focaliza a sua interpretação. (MIRANDA, 2010, p.15)

Observa-se que Deleuze rompe a categoria sujeito e homem por acreditar e valorizar a ideia de subjetividade e assim também de multiplicidade. Para Lemos (2006), o sujeito é definido por sua multiplicidade, um arranjo das diferenças que livremente ligam e se religam continuamente, impossibilitando determinar as possibilidades do vir a ser. É a partir do múltiplo e da diferença que imprevisíveis movimentos podem acontecer.

A força da multiplicidade e das intensidades com que se traçam mapas e linhas de fuga o constituem como nômade e, por isso mesmo, como aquele que não é apreendido. Deleuze põe em jogo a representação do sujeito e submete este aos devires, às intensidades e às forças que criam e permitem novas experiências do pensamento, o procedimento da desterritorialização como procedimento experimentativo de re-criações da ―subjetividade‖. (MIRANDA, 2010, p. 268) .

O sujeito na perspectiva foucaultiana é fruto de vários saberes – linguagem, biologia, economia – que afirmam a homogeneidade entre sujeito e discurso (VEIGA- NETO, 2007). Estes contribuem com a prática do professor, que se forma a partir de um emaranhado de linhas que perpassam os sujeitos. O autor ainda aponta que o sujeito não produz o conhecimento, mas, é produto dele, temos então que o meio vai interferir no modo como o sujeito se constitui, tem-se o que se pode chamar de asujeitamento. O saber é considerado histórico e mantém relação com o período que o sujeito vive. Logo, o ser não é isolado e sim um conjunto de composições complexas, como Maffesoli (1996) destaca ―Em compensação, o que merece ser notado é que o sujeito é um ―efeito de composição‖, daí seu aspecto compósito e complexo‖ (p.305, grifo do autor).

Mas, qual seria o conceito de sujeito na filosofia da Diferença? No que se refere às ideias trazidas por Deleuze, Foucault e Guattari o sujeito seria um todo composto de partes. E estas partes são constituídas e desconstituídas pelos sentidos atribuídos na interação com a sociedade, envolto aos processos históricos os quais foram submetidos. ―[...] é ele a realidade glacial sobre o qual vão se formar estes aluviões, sedimentações, coagulação, dobramentos e assentamentos que compõem um organismo — e uma significação e um sujeito‖ (DELEUZE; GUATARRI, 2006, p. 20).

Na percepção foucaultiana o sujeito é tido como possível de mudanças. Resultado da relação de poder que estabelece, os saberes que adquire, e as subjetivações que o compõe. É o processo de subjetivação que permite o sujeito realizar o ―cuidado de si‖, o que lhe possibilita maior facilidade para resistir aos modos de subjetivação que está envolvido. É, nesse sentido, que Queiroz (2015) traz a ideia de que o sujeito é um ser inacabado em um eterno vir a ser, suas experiências com o meio e a forma que se posiciona

perante as linhas de forças que o perpassam e o constituem, acreditando ser o sujeito composto pela ―tríade poder/saber/subjetivação‖ (QUEIROZ, 2015, p.32).

De outra maneira, podemos dizer ser o saber um conjunto de proposições que regulamenta as práticas discursivas.

Um Saber é aquilo de que podemos falar em uma prática discursiva que se encontra assim especificada: o domínio constituído pelos diferentes objetos que irão adquirir ou não um status científico (o saber da psiquiatria, no século XIX, não é a soma do que se acreditava fosse verdadeiro; é o conjunto das condutas, das singularidades, dos desvios de que se pode falar no discurso psiquiátrico); um saber é, também, o espaço em que o sujeito pode tomar posição para falar dos objetos de que se ocupa em seu discurso [...] (FOUCAULT, 2008, p. 204). Pensar o saber através da perspectiva foucaultiana, nos permite pensar o saber como algo em constante constituição, presentes nos discursos estabelecidos nas relações de poder que os sujeitos constituem nas diversas relações sociais. Ou seja, o saber alimenta o poder, que por sua vez o poder produz novos saberes, se materializando através do discurso. Nessa perspectiva, as relações de poder amarram os discursos, de forma a estabelecer ligações que permitem atrelar a concepção do saber as práticas discursivas.― Assim, para Foucault, o sujeito moderno não está na origem dos saberes; ele não é o produtor de saberes, mas ao contrário, ele é um produto dos saberes. Ou, talvez melhor, o sujeito não é um produtor, mas é produzido no interior de saberes.‖ (VEIGA-NETO, 2004, p. 53).

Em Foucault (1969), encontramos a substituição da concepção de sujeito individual pelo sujeito transindividual, situando o sujeito em uma dimensão histórica e cultural, a qual torna suas atividades psíquicas e comportamentos repletos de significados. Mas, o que isso diz a respeito da educação matemática? Em sua tarefa de educar, o professor ao situar-se na sala de aula faz uso de diversos instrumentos, saberes e discursos em uma busca incessante de ensino. Durante os processos de subjetivações que perpassam os sujeitos da educação, temos que o docente não apenas exterioriza seus conhecimentos como também se transmite, dando um sentindo singular ao processo.

Para Guattari e Rolnik (1997), o sujeito é visto como uma máquina produtora de subjetividade, produto das relações humanas em sociedade, portanto enquanto sujeitos, integramos imensuráveis conexões e adentramos múltiplos dispositivos. Neste sentido, os processos de subjetivação e as relações de poder que estabelecemos pontencializa nosso estado inconcluso, resultando em comportamentos repletos de significados. ―A subjetividade não é uma posse, não é estática, mas sim algo que está em constante movimento e vai se construindo aos poucos de acordo com os encontros e desencontros

vividos, que produzirão efeitos (reações) na pessoa que de alguma forma irá moldar sua maneira de viver‖ (QUEIROZ, 2015, p.64).

Nessas condições, o sujeito é o resultado das relações continuas do que lhe é subjetivo e singular e dos modos de subjetivações que o atravessa. Logo, ―[...] os sujeitos poderiam ser compreendidos como limites de um movimento contínuo entre um dentro e um fora.‖ (PEIXOTO JUNIOR, 1962, p. 52). Portanto não existe o ―eu sou‖, pois estamos suscetíveis a transformações que podem ocorrer em qualquer instante, estando o sujeito em um estado inconcluso. Neste estado temos que o sujeito é composto de subjetividades, as quais surgem dos encontros com outros sujeitos, de acordo com o meio o qual está inserido.

A figura a seguir ajuda a materializar de simbolicamente a abstração dos processos de subjetivação, pois representa a constante troca que os sujeitos realizam ao lidar com outros.

Figura 7- subjetividades

FONTE: Acaocomunicativa.pro.br.

Na perspectiva rizomática a comunicação é essencial, sendo também por ela que deixamos fluir nossas singularidades, as quais podem ser captadas por outros sujeitos através dos processos de subjetivação. Estamos falando de um processo onde existe ―[...] variáveis de um meio para outro ou num mesmo meio; o movimento não se faz mais apenas, ou sobretudo por produções filiativas, mas por comunicações transversais entre populações heterogêneas.‖ (DELEUZE; GUATARRI, 1997, p.19).

É diante dessas relações estabelecidas com o meio, que os processos de subjetivação são estabelecidos, e é nestes processos que o sujeito professor também está envolvido. Infinitas linhas de força atravessam o sujeito no lado de fora, e por isso é

importante a prática do cuidado consigo mesmo, para poder lhe dar com elas da melhor maneira possível. Para Queiroz (2015, p.137), os processos de subjetivação podem ser encarados da seguinte maneira: ―Não perceber que está sendo subjetivado. Perceber, querer lutar contra as forças, mas não conseguir. Perceber e aceitar. Perceber, lutar contra as forças que o subjetivam e conseguir rejeitá-la.‖.

Para Rolnik (1997, p. 02), diante da composição das linhas de forças que operam no fora o sujeito é atraído para operar no fora de si mesmo, surge a possibilidade de formar uma nova figura. Para a autora, seria uma oportunidade de pensar em uma subjetividade que opera no dentro e no fora, o movimento de uma força que permite a saída de si mesmo criando um novo sujeito. ―O fora é um ―sempre outro do dentro‖, seu devir‖.

Deste modo, entendemos que a partir do momento que o sujeito entra em contato e deixa-se subjetivar pelas linhas de força que o perpassam surgem novas concepções de ver o mundo, logo estamos em um constante devir. Para Deleuze e Guattari ―Os devires não são fenômenos de imitação, nem de assimilação, mas de dupla captura, de evolução não paralela, núpcias entre dois reinos.‖ (DELEUZE; PARNET, 1998, p.3). O que permite que as transformações originadas dos processos de subjetivações presentes nos infindos contatos entre os sujeitos, não podendo ser considerado como uma repetição, trazendo uma sensação de um eterno ―sendo‖.

Os devires são rizomáticos, não cópias, não repetições, não têm início nem fim, apenas o interminável movimento de estar sendo, não se tornam nem vão se tornando, pois não têm um fim. O tornar-se passa a ideia de que o movimento, em algum momento, para por ter alcançado seu objetivo, que é o de se tornar algo (QUEIROZ, 2015, p. 32).

O devir é algo contínuo, é o gerúndio de um verbo (sendo, fazendo, pensando, supondo...), pois tudo que permeia o universo segue em movimento e ao tentar cessar esses contínuos fluxos deixamos escapar as diferenças. São as linhas de forças que permeiam os processos de subjetivação que conduzem os sujeitos em suas transformações.

Devir não é certamente imitar, nem identificar-se; nem regredir-progredir; nem corresponder, instaurar relações correspondentes; nem produzir, produzir uma filiação, produzir por filiação. Devir é um verbo tendo toda sua consistência; ele não se reduz, ele não nos conduz a "parecer", nem "ser", nem "equivaler", nem "produzir" (DELEUZE; GUATARRI, 1997, p.19).

É através do emaranhado de linhas de forças que se ligam ao devir e orientam as direções a seguir, que nossa subjetividade é traçada continuadamente. Somos constituídos ―[...] de linhas duras, linhas flexíveis, linhas de fuga‖ (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 21).

Indivíduos ou grupos somos atravessados por linhas, meridianos, geodésicas, trópicos, fusos, que não seguem o mesmo ritmo e não tem a mesma natureza. São linhas que nos compõem, diríamos três espécies de linhas. Ou, antes, conjuntos de linhas, pois cada espécie é múltipla. Podemos nos interessar por uma dessas linhas mais do que pelas outras, e talvez, com efeito, haja uma que seja, não determinante, mas que importe mais do que as outras... se estiver presente. Pois todas essas linhas, algumas nos são impostas de fora, pelo menos em parte. Outras nascem um pouco por acaso, de um nada, nunca se saberá por quê. Outras devem ser inventadas, traçadas, sem nenhum modelo nem acaso: devemos inventar nossas linhas de fuga se somos capazes disso, e só podemos inventá-las traçando-as efetivamente, na vida (DELEUZE; GUATTARI, 2004, p.76).

Para Deleuze e Guattari (1995), somos ―[...] multiplicidade, linhas, estratos e segmentaridades, linhas de fuga e intensidades, agenciamentos maquínicos e seus diferentes tipos‖ (p.11), os autores supracitados definem ainda, que as multiplicidades agem no fora, e o exterior que as linhas se conectam e mudam de natureza. As linhas de fuga operam como resistência e desterritorialização, criando novas conexões o que resulta nas manifestações do devir. Na intenção de diminuir o grau de abstração diante o conceito apresentado, Deleuze e Guattari (1995) fazem uma analogia com o mundo animal. Onde trazem a ideia de que ao ser exposto ao perigo ou a um incômodo a linha de fuga permite ao animal retornar ao território escolhido, ―[...] como a linha de fuga do touro na arena, graças à qual ele pode retornar ao território que escolheu para si‖ (p.69). A resistência aos acontecimentos que acontecem no fora, não permite que ele se sinta confortável para permanecer naquele território então ele opera movimentos de desterritorialização e reterritorialização, para os autores na maioria das vezes os animais fogem mais do que atacam.

A fuga surge do desejo de não mais permanecer ao território existencial que se encontra, ocorrendo isto o sujeito é agenciado habitando outro território existencial. Queiroz (2015) menciona que o desejo é responsável por movimentos de territorialização e desterritorialização. O desejo é singular complexo e carregado de significados, age no meio dos processos de subjetivação, ao ser subjetivado a desejar algo é imprevisível o modo de reagir do sujeito e os valores que serão atribuídos.

Apenas os fluxos são a objetividade do próprio desejo. O desejo é o sistema dos signos a-significantes com os quais se produz fluxos de inconsciente em um campo social. Não há eclosão alguma de desejo, em qualquer lugar que seja, pequena família ou escola de bairro, que não questione as estruturas estabelecidas. O desejo é revolucionário porque quer sempre mais conexões e agenciamentos (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 64).

Desejos são despertados a partir de linhas de forças, elas são capazes de nos capturar e produzir subjetividades. O desejo não está ligado à falta, desejar é produzir agenciamentos para trazer sentido, significado e realização do desejo. O desejo não nasce sozinho, ele abraça uma diversidade de sentidos e significações que se deseja produzir. (DELEUZE, 2004)

Diante da discussão apresentada, tomamos como exemplo, uma pessoa deseja possuir um carro, ela foi agenciada por algo que a fez desejar o carro, mas o desejo vai além de ter um carro, o automóvel está associado à produção de bem estar, segurança, conforto, poder e/ou outros significados.

Só há desejo agenciado ou maquinado. Você não pode apreender ou conceber um desejo fora de um agenciamento determinado, sobre um plano que não preexiste, mas que deve, ele próprio, ser construído. Que cada um, grupo ou indivíduo, construa o plano de imanência onde ele leva sua vida e seu empreendimento, é a única coisa importante.(DELEUZE ;PARNET, 1998, p.77)

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