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4 O PAÍS DA DIFERENÇA

4.3 No país da diferença, somos todos loucos

A obra de Michel Foucault, intitulada de História da loucura na idade clássica define que por meados do século XVIII com fortalecimento do positivismo, a loucura ganha representações negativa na sociedade, pois na época a estruturação do sistema possibilitava a dicotomia entre loucura e razão, entre sanidade e insanidade. Dessa forma

quando um sujeito não correspondesse à homogeneidade do grupo, e as regras sociais ou biológicas estabelecidas como normalidade, será excluído do meio social para um tratamento adequado que lhe possibilite a ―cura de sua transgressão‖. Quando o caso não apresentava perspectivas de cura, como no caso da lepra a morte era tida como a solução. Assim, se instaurava naquele momento um espaço de exclusão, a louca é vista como trágica e perversa. Neste sentido, ―Chamamos de loucura essa doença dos órgãos do cérebro que impede necessariamente um homem de pensar e agir como os outros" (FOUCAULT, 1978, p. 202-203).

Para Foucault é nessa época que se instaura a sociedade disciplinar na intenção de produzir corpos dóceis24. De um modo amplo podemos considerar que as disciplinas apresentada pelo autor são técnicas para assegurar, imbolizar, ordenar e controlar as multiplicidades humanas (FOUCAULT, 1989). Surge assim o Panóptico de Bentham, instituição que funcionava como um tipo de prisão baseada na reeducação a partir do ato de vigiar, punir e ―adestrar‖ os indivíduos.

Esse espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos são registrados, onde um trabalho ininterrupto de escrita liga o centro e a periferia, onde o poder é exercido sem divisão, segundo uma figura hierárquica contínua, onde cada indivíduo é constantemente localizado, examinado e distribuído entre os vivos, os doentes e os mortos (FOUCAULT, 1987, p. 221).

Figura 6- Panóptico de bentham

FONTE: Sabedoria política. Disponível em: http://m.sabedoriapolitica.com.br/products/o-panoptico/.

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Na perspectiva foucaultiana corpos dóceis são aqueles que possibilitam ser moldados, controlados e transformados visando um aperfeiçoamento que expressa rígida disciplina às regras criadas pela sociedade.

Assim, podemos perceber a preocupação que existia em um determinado momento histórico em classificar os sujeitos que ―fugiam‖ do considerado padrão/normal, suscitava uma ação punitiva e controladora, para que estes sujeitos recuperasse sua normalidade, voltassem a encaixar-se no padrão socialmente aceito. Ao reprimir as multiplicidades os sujeitos começam agir de forma limitada, em consonância com os padrões estabelecidos.

Os loucos não são mais aqueles cuja diferença em relação aos outros é percebida de imediato; são diferentes de um para outro, escondendo mal, sob o manto de desatino que os envolve, o segredo de paradoxais espécies. Em todo caso, a intrusão da diferença na igualdade da loucura é significativa; a razão deixa assim de situar-se em relação ao desatino numa exterioridade que permite apenas denunciá-lo; ela começa a introduzir-se neste sob esta forma reduzida ao extremo, e no entanto decisiva, que é a não-- semelhança, espécie de separação inicial em relação à identidade. Apreendido numa percepção imediata, o desatino constituía, para a razão, uma diferença absoluta, mas diferença nivelada em si mesma por uma identidade indefinidamente recomeçada. Mas eis que agora os múltiplos rostos da diferença começam a aparecer, formando um domínio onde a razão pode encontrar-se, já quase reconhecer-se. Dia virá em que, nessas diferenças classificadas e objetivamente (FOUCAULT, 1978, p. 425).

Para Foucault a compreensão sobre loucura é algo histórico, determinado pelos preceitos que agem na sociedade, é posta pelos valores de uma determinada época. Por meados do final do século XVIII e início do século XIV, a visão de loucura como algo perverso, que necessita correção desacelera.

A noção de loucura, tal como existe no século XIX, formou-se no interior de uma consciência histórica, e isto de dois modos: primeiro, porque a loucura em sua aceleração constante forma como que uma derivada da história; e, a seguir, porque suas formas são determinadas pelas próprias figuras do devir. Relativa ao tempo e essencial à temporalidade do homem: é assim que nos aparece a loucura tal como ela é então reconhecida ou pelo menos sentida, bem mais profundamente histórica, no fundo, do que ainda o é por nós (FOUCAULT, 1978, p. 413)

Podemos considerar que ao abrir espaço para as multiplicidades, considerando a heterogeneidade presente nas relações sociais, a negação de um homem racional e a afirmação de um homem em devir, a loucura se torna algo permissível e presente. Podemos assim afirmar que de acordo com a filosofia da Diferença não existe um padrão para ditar o modo correto de ser, agir e se comportar, muito menos um engessamento do modo de agir, o que torna um ―plano de imanência dos loucos‖. ―O homem só se torna natureza para si mesmo na medida em que é capaz de loucura.‖ (FOUCAULT, 1978, p. 570).

Nessa loucura, o homem não é mais considerado numa espécie de recuo absoluto em relação à verdade; ele é, aí, sua verdade e o contrário de sua verdade; é ele mesmo e outra coisa que não ele mesmo; é considerado na objetividade do verdadeiro, mas é verdadeira subjetividade; está mergulhado naquilo que é sua perdição, mas só entrega aquilo que quiser entregar; é inocente porque não é aquilo que é, e culpado por ser aquilo que não é. (FOUCAULT, 1978, p. 608).

O sujeito professor, ao se movimentar no espaço escolar ou ainda quando se envolve na educação não formal, expressa e recebe influencias das pessoas com que lida, o que o caracteriza em processo de devir, sempre aprendendo com o outro e com o que faz. A filosofia da diferença apresenta tal experiência partilhada por muitos professores e muitas professoras como parte de uma cultura que não se apega a uma verdade, mas que não considera aquele que se faz fora do que é tido como verdade como um louco em sentido perjorativo.

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