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4 O PAÍS DA DIFERENÇA

4.5 O devir professor de matemática enquanto forma que se transforma

Pensar o professor de matemática como sujeito em devir é uma representação que diverge da concepção que a sociedade estabeleceu para este profissional. Habitualmente, o professor que ministra aula de matemática é visto como alguém que domina os conteúdos, extremamente rígido, autoritário e de identidade conclusa e estática. Um imaginário que pode ter se construído ao longo dos anos à medida que a pessoa do professor era associada às características do objeto de estudo da disciplina.

Segundo Fiorentini e Lorenzato (2012), nas licenciaturas em matemática predominam a assimilação de conteúdos e domínios de técnicas. Essa preocupação por uma formação inicial lógica e conteudista, tem alimentado a imagem de um professor constituído e pronto, o que acaba não levando em consideração os processos históricos que o permeiam e suas subjetividades.

A filosofia da diferença rompe com esse pensamento, não enxergando o professor de matemática como sujeito de identidade associada à racionalização e padronização que opera na disciplina. Trabalhando assim em uma dimensão filosófica que nos oferece ferramentas teóricas capazes de nos revelar que o professor não é uma folha em branco ao entrar na graduação e que sai dela completo e preparado para lecionar. Pois, existe uma multiplicidade de linha de forças que agem em seu devir professor, alterando suas subjetividades, fazendo-o ―fugir‖ do planejado.

Não podemos esquecer-nos da historicidade que compõe nosso devir, não há um estado pronto, não há subjetividades apagadas. Somos um estado inconcluso de existência. Somos resultado de dobras, de redobramentos, de dobras na dobra. Resultamos e expressamos uma forma que se transforma e continua infinitamente a mudar. Nessa busca incessante por compreender a maneira que o sujeito se constitui podemos pensar a partir do princípio do origami, a arte milenar de dar forma a partir das idas e vindas de uma dobra. A partir dessas concepções compreendemos o sujeito enquanto ser flexível, onde na perspectiva Deleuziana a ―[...] sua aparência reflete as dobras e redobras‖ (MIRANDA, 2010, p. 267), que realizam.

Figura 8-Origami

FONTE:Eu amo biscuit. Disponível em:

http://www.euamobiscuit.com.br/artesanato/origami.html

Da mesma forma que o origami é manuseado a fim de ser transformado em algo preestabelecido, assim também acontece com o sujeito, mas em contrapartida, o resultado final será imprevisível. Os processos de subjetivação procuram modelá-lo através das linhas de força que o perpassam, é o momento de permitir ou não que ela o transpasse, uma vez que o devir não participa de um princípio filiativo, como explica Deleuze e Guatarri (1997), que defendem o devir como involutivo.

Nesta perspectiva, o sujeito professor realiza mudanças que compõem sua singularidade, em uma constante produção de subjetividade. Se pensarmos na técnica do Origami, por exemplo, uma única forma inicial – um quadrado –é possível construir uma variedade de figuras, dependendo apenas das dobras. Semelhante acontece com os sujeitos

em seu devir professor, em que se deparam compor diferentes forças que o transpassam ou não, fazendo-o agir de diferentes formas ao longo de sua vida docente.

A cada encontro com o outro e com a própria matemática surgem diferentes eu(s), resultado de transformações involutivas. O que segue a ideia de que ―O devir é involutivo e a involução é criadora. Regredir é ir em direção ao menos diferenciado, mas involuir é formar um bloco que corre seguindo sua própria linha, "entre" os termos postos em jogo, e sob as relações assinaláveis.‖ (DELEUZE;GUATARRI, 1997, p.19, grifo do autor).

Diante desses movimentos de transformações, somos marcados através das forças que nos afetam durante as interações que vamos realizando.

Ora, o que estou chamando de marcas são exatamente estes estados inéditos que se produzem em nosso corpo, a partir das composições que vamos vivendo. Cada um destes estados constitui uma diferença que instaura uma abertura para a criação de um novo corpo, o que significa que as marcas são sempre gênese de um devir (ROLNIK, 1993, p.2).

As marcas são parte de um devir. É através das marcas que se torna possível traçar novos caminhos e novas visões de mudo. De um modo singular diante do que é vivenciado o sujeito vai compondo e (re)significando outras marcas. Percebemos que a marcas sempre gênese de um devir.

E assim vamos nos criando, engendrados por pontos de vista que não são nossos enquanto sujeitos, mas das marcas, daquilo em nós que se produz nas incessantes conexões que vamos fazendo. Em outras palavras, o sujeito engendra- se no devir: não é ele quem conduz, mas sim as marcas. O que o sujeito pode, é deixar- se estranhar pelas marcas que se fazem em seu corpo, é tentar criar sentido que permita sua existencialização - e quanto mais consegue fazê-lo, provavelmente maior é o grau de potência com que a vida se afirma em sua existência (ROLNIK, 1993, p.3).

Partindo da compreensão de devir apresentada, percebemos que somos transformados a partir do momento que nos permitimos experienciar, pois estamos em um processo de continuo de relações com outros sujeitos, porém poucas nos marca, nos afeta e nos transforma. Sendo a experiência ―[...] o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece‖ (LARROSA, 2002, p. 21).

O pensamento de Rolnik (1997) nos ajuda a compreender a experiência como um processo subjetivo, que acontece no interior do sujeito através de determinado acontecimento. A experiência é permitir que eventos que acontecem no fora do sujeito

sejam internalizados, agregando ao que já existe em si, podendo produzir uma nova forma de existir, ver e sentir as coisas.

Não se trata da verdade em si, mas do sentido que damos ao que nos acontece, por isto podemos interpretar a experiência como algo particular e subjetivo. É deixar-se moldar, consentir, experimentar, permitir a construção de um novo sujeito, construído a partir das experiências do antigo sujeito (QUEIROZ, 2015, p.55).

Conforme Larrosa (2002, p.26), a agitação presente no mundo contemporâneo não favorece a experiência, pois o excesso de informações e a velocidades dos acontecimentos não abre espaço para o deixar se afetar. ―Somente o sujeito da experiência está, portanto, aberto à sua própria transformação‖. Logo, para se tornar um sujeito da experiência é preciso estar aberto às oportunidades e captar momentos que nos possibilite novas transformações, o que implica em exercício constante de reflexão sobre si.

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