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Conforme referido no segundo capítulo, o ordenamento jurídico português é bastante complexo e burocrático. No caso particular do Código do IRC, essa burocratização é agravada pelas majorações previstas no próprio código, nomeadamente nos artigos 43.º “Realizações de Utilidade Social” e 44.º “Quotizações a favor de associações empresariais”, e no Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF).

Pela sua análise, verificamos que se centram sobretudo em situações de mecenato científico, cultural e social, longe de constituírem, na grande maioria dos casos, o objeto social das empresas. Apesar dos objetivos que prosseguem, a sua aplicação está atualmente tão condicionada, fruto de utilização abusiva no passado, que é difícil não incorrer em algum tipo de risco de incumprimento. Tal situação faz com que o tempo dispendido na sua análise e posterior justificação de enquadramento, em caso de fiscalização, não justifique, em muitas situações, o recurso ao benefício.

Do mesmo modo, também os artigos relacionados com a determinação da matéria coletável tendem a ser excessivos. Veja-se, por exemplo, o caso do art.º 23 “Gastos”. Neste artigo faz-se com algum detalhe a discriminação dos gastos (anteriormente custos ou perdas) aceites para efeitos fiscais. Sendo o IRC um imposto aplicado às empresas, a maioria das quais obrigadas a ter contabilidade organizada e a seguir políticas contabilísticas que definem, de forma detalhada, a natureza dos gastos a serem incluídos na esfera da empresa, parece-nos claramente uma discrição redundante.

Efetivamente, apenas deveria ser feita menção às despesas não aceites para efeitos fiscais e não todo um detalhe de “gastos que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização de rendimentos”.

Uma medida de simplificação do IRC relativamente fácil de implementar seria a uniformização do referencial contabilístico e fiscal, através da definição de uma base comum. Consequentemente, a obrigatoriedade de contabilidade organizada imposta às empresas pelo próprio código seria estendida às autoridades fiscais que ficariam também obrigadas a seguirem esse mesmo referencial.

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Após a implementação do Sistema de Normalização Contabilística verificou-se um agravamento do desfasamento entre o normativo contabilístico em vigor e os elementos considerados para apuramento do resultado fiscal. Um claro exemplo é a discrepância entre o tratamento contabilístico e fiscal do “Goodwill/Badwill”.28

O Goodwill para efeitos contabilísticos não é amortizado, sendo objeto de revisões anuais de imparidade.29 Ao invés, o Badwill é imediatamente reconhecido na sua totalidade como um proveito. Naturalmente, não sendo o Goodwill amortizável, não existem custos e, como tal, não é considerado para efeitos fiscais. Porém, mesmo quando em presença de uma eventual imparidade, o custo continua a não ser considerado para efeitos fiscais. Esta situação gera uma incompreensível discrepância entre o custo e o proveito considerado para efeitos fiscais, já que no caso do reconhecimento de um Badwill, este é considerado na sua totalidade como um proveito e alvo de tributação.

Não dispondo as autoridades fiscais de um sistema “contabilístico” completo que abranja todas as situações operacionais30 que se colocam às empresas, a aceitação pela Autoridade Tributária do referencial contabilístico em vigor permitiria enumerar apenas as exceções não aceites para efeitos fiscais.

Sendo o IRC um imposto de autoliquidação em que o ónus de preparação da informação tributária é dos agentes económicos, parece-nos natural que as autoridades tributárias confiem nesses mesmos agentes, simplificando o processo de preparação da informação fiscal (não deixando contudo de os controlar e responsabilizar à posteriori), nomeadamente através da utilização de uma base ou indicador comum.

28 Quando uma empresa adquire outra, dependendo do valor pago e do seu valor contabilístico, é apurada

uma “diferença” que em essência corresponde ao acerto do seu valor intangível. Deste modo, quando este excedente é positivo, o adquirente entende que conseguirá aumentar o valor teórico da empresa e como tal o seu valor futuro supera o seu valor real atual, gerando por isso um Goodwill. Quando o excedente é negativo, embora adquirida com desconto, considera-se que existe um Badwill pois naquele momento a empresa perdeu valor.

29 Processo destinado à verificação da manutenção do valor de um activo. De acordo com o anterior

normativo, o Goodwill, depois de reconhecido, era amortizado geralmente em 5 anos, enquanto o Badwill era registado como um proveito diferido e reconhecido também ao longo de 5 anos. Com a entrada em vigor do SNC, e decorrente da transposição das normas internacionais de contabilidade, o Goodwill não é amortizado considerando-se que é uma parte indissociável do valor global do investimento e apenas perde valor se esse investimento efetivamente desvalorizar. Já o Badwill é imediatamente reconhecido, na sua totalidade, como um proveito pois considera-se que o ganho ocorre imediatamente no momento em que se materializa a aquisição e, consequentemente, há uma perda de valor da participação adquirida.

30 Embora seja impossível prever todas as situações, o atual normativo contabilístico em vigor,

principalmente devido à sua aproximação às Normas Internacionais de Contabilidade, é bastante mais abrangente que as leis fiscais no que toca às situações quotidianas que surgem às empresas.

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Ao fazer-se, estar-se-ia a simplificar a tarefa de quem faz, de quem revê, de quem recebe e, sobretudo, de quem fiscaliza.

Conclui-se portanto, que um procedimento significativo para a desburocratização do imposto seria a aceitação das contas das empresas elaboradas segundo as normas contabilísticas vigentes, tais como elas se apresentam à data de fecho. Outros seriam a eliminação das majorações e a eliminação dos mecanismos excecionais de dedução, compilando-se apenas os elementos que não são aceites como despesas fiscais (como exemplo, as despesas de deslocação, evitando-se a sua utilização abusiva), precavendo- se a questão da dupla tributação de lucros, nomeadamente no caso de grupos de sociedades.

Como já foi mencionado anteriormente, não é a existência de leis e normas fiscais complexas que evitam a fraude e a evasão fiscal, nem diminuem o ónus dos fiscais quando vão às empresas, obrigando-os a verificar toda a contabilidade nos termos do normativo contabilístico em vigor e depois a seguir o processo de ajustamento ao respetivo normativo fiscal.

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