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No capítulo anterior referimo-nos às relações entre valores das taxas de imposto, base tributária e correspondentes canais de transmissão, entre os quais a fraude e a evasão fiscal, e quais os efeitos esperados sobre a receita fiscal.

Apesar de as consequências qualitativas, que não quantitativas, sobre as receitas fiscais serem semelhantes, importa distinguir entre “evasão” e “fraude” fiscal por serem comportamentos com naturezas distintas e daí com impactos quantitativos distintos sobre as receitas fiscais, mas também sobre o tecido económico e social. Efetivamente, como iremos ver em seguida, a evasão compreende um mero aproveitamento de faculdades permitidas por lei sendo que até a opção racional de um consumidor por lazer, em detrimento do trabalho, como resposta a um agravamento da carga fiscal, pode ser encarado como uma forma de evasão. Já a fraude releva um comportamento ético e social reprovável, juridicamente sancionável, onde de forma consciente, o indivíduo oculta rendimentos tributáveis ou reduz esses mesmos rendimentos através da inclusão de despesas indevidas, ou inexistentes, na declaração de rendimentos.

A terminologia anglo-saxónica “Tax avoidance” e “Tax evasion” parece-nos mais expressiva na medida em que a tradução à letra tende a associar a “evasão” a práticas ilícitas.

Por “Tax avoidance”, correspondente à expressão portuguesa de “evasão fiscal” entendem-se as formas de planeamento fiscal, mais ou menos agressivas, que resultam do aproveitamento das possibilidades que, por várias formas, a legislação tributária parece permitir aos contribuintes de modo a estes minimizarem a respetiva carga fiscal.

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A “evasão” explora ambiguidades e “zonas cinzentas” da lei que surgem fruto de discrepâncias entre o espírito e a letra da lei ou, simplesmente, da impossibilidade de prever todas as situações, algo que se torna cada vez mais difícil fruto do desenvolvimento das sociedades e de novas formas de relacionamento entre os agentes económicos (por exemplo, o e-commerce, ou as alterações ao nível dos mercados de trabalho, com maior mobilidade e precariedade).

Em princípio, trata-se de processos legítimos que decorrem das deduções, isenções e outros benefícios fiscais que a lei concede. Inevitavelmente podem surgir situações dúbias resultantes quer das referidas lacunas da lei, quer de redações equívocas da mesma que potenciam diferentes interpretações pelos contribuintes e pela administração fiscal, e que aqueles desejam aproveitar em seu favor. Naturalmente, daqui surgem disputas resolvidas em sede judicial, com significativos atrasos na cobrança das receitas fiscais, isto na eventualidade de os tribunais acolherem a posição da administração fiscal.

Como exemplo de evasão, recordamos uma prática recorrente até meados da década passada e que consistia na compra, por parte de empresas lucrativas, de empresas com significativos prejuízos fiscais reportáveis, sendo estes depois utilizados para abater aos lucros tributáveis da entidade adquirente. Atualmente, esta prática está significativamente restringida, nomeadamente, e apenas no caso de uma cisão-fusão, pela necessidade de solicitar autorização ao Ministério das Finanças nos termos do artigo 75.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Constitui todavia, um claro exemplo de uma situação não prevista, resultante da crescente complexidade das relações comerciais, “aproveitada”, com benefício, pelos agentes económicos.

“Tax evasion”, corresponde, por sua vez, à terminologia portuguesa de “Fraude fiscal” e subentende uma ação ou omissão intencional, com dolo para a Administração Fiscal. Ao invés da evasão, onde o indivíduo não receia ser detetado ou fiscalizado, e, até certa medida, se preocupa em documentar detalhadamente despesas, receitas e práticas que poderão ser alvo de contestação por parte das autoridades, na fraude o indivíduo receia ser detetado e correspondentemente penalizado.

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Como um exemplo de fraude podermos apontar o registo de faturas falsas, com o intuito de conseguir um reembolso de IVA e custos fiscais para efeitos de IRC, relativas a despesas nunca realizadas. Há, todavia, situações bem mais simples de fraude e para as quais o cidadão comum contribui sem se aperceber. A venda “sem fatura”, prática recorrente até Janeiro de 2013 em pequenos restaurantes e no comércio tradicional, constitui também uma forma de fraude caso o comerciante “opte” por não declarar essas vendas.

Distinga-se ainda a “Elisão Fiscal” ou o “Abuso Fiscal”, termo utilizado para definir a prática de um ato (ou conjunto de atos), que apesar de estar dentro dos princípios da legalidade ou tipicidade da tributação, abusa da forma. Na prática, tal significa que o resultado produzido não é bem aceite pelo sistema fiscal pois contraria princípios fundamentais, resultando na aplicação de um regime tributário menos oneroso. Como veremos no capítulo seguinte, o abuso não configura qualquer ilícito criminal ou contraordenacional resultando numa correção à matéria coletável, com o natural agravamento do imposto a pagar e, como tal, encontra-se abrangido pela definição de evasão que apresentámos acima.

Allingham et al. (1972) procuraram determinar um nível ótimo dos rendimentos a ocultar da administração fiscal, ou o nível ótimo de fraude fiscal. É todavia Arrow (1974) que demonstra que a fraude fiscal é crescente com o rendimento porque a aversão ao risco varia inversamente com o nível de rendimento uma vez que a utilidade marginal do rendimento é decrescente. Esta conclusão parece plausível, principalmente se atendermos a que os rendimentos dos escalões mais baixos provêm geralmente de fontes detetáveis, relativamente às quais é simples fazer o respetivo tracing. Efetivamente, é ao nível dos rendimentos mais elevados que se torna mais fácil ocultar rendimentos, não só pelo facto de provirem de diversas fontes e até de entidades jurídicas distintas, mas também pelo facto de se poderem “encapotar” sob a forma de custos incorridos. Naturalmente, é também nos escalões mais altos de rendimento, tributados a taxas marginais de imposto mais elevadas, que a fraude mais compensa e onde a utilidade marginal do rendimento é menor.

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Note-se ainda que o nível da fraude é potenciado por uma multiplicidade de outros fatores como, por exemplo: a) baixa probabilidade de deteção, por parte da administração fiscal; b) coimas e outras penalidades não suficientemente desincentivadoras; c) elevado nível de tributação; d) complexidade e pouca clareza da legislação fiscal; e) funcionamento lento da justiça tributária; e f) ausência de princípios éticos e de desaprovação social.

Existe evidência empírica que demonstra que o aumento na probabilidade de deteção leva os indivíduos, avessos ao risco, a reduzirem os níveis de fuga tributária, tal como o acréscimo relativo das remunerações pagas na economia formal. Pelo contrário, o aumento da carga fiscal incentiva, tudo o resto constante, essa mesma fuga (Isachsen, A e Steinar Strom, 1980).

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