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No seu relato referente a determinados eventos ocorridos em Belo Horizonte no ano de 2015, a estudante Ana Arco forneceu uma descrição particularmente detalhada de uma atividade na qual tomou parte. Em sua narrativa, lê-se:

Também fizemos uma combinação de catracaço - tínhamos feito panfleto. Marcamos dois catracaços: um foi na Pampulha, o outro na São Gabriel - e eu fui na São Gabriel. Chegamos lá, pagamos passagem da primeira catraca, e ficamos ali pra distribuir panfleto pra galera que estava chegando ou voltando: indo pro trabalho, escola. Começou a panfletar, conversar sobre o aumento, que era absurdo: as pessoas dialogavam bem com aquilo, estavam bem receptivas. Algumas não, porque era de manhã: eram seis horas da manhã, o que era muito ruim. Mas muitas pessoas dialogavam bastante com a gente: a nossa ideia central era então panfletar, sentir a temperatura do lugar, e ver se dava ou não pra fazer um catracaço.

Estávamos muito receosos: nossa movimentação atiçou muito os seguranças da estação. Mas conseguimos fazer o catracaço: pulamos e seguramos a catraca pra que as pessoas passassem - a gente pulou primeiro, pras pessoas pularem. O público adorou: quando a gente pulou, várias pessoas pularam e passaram por debaixo. [...] Deu pra elas passarem tranquilamente, e elas falavam nossa palavra de ordem.

[...] Foram mais de trezentas pessoas no catracaço: pulando, passando por debaixo, do lado. A gente fez uma ação muito rápida: fizemos a galera passar, pegamos as coisas e fomos embora. Acho que a gente teve uma sorte de não ter sofrido nenhuma agressão, porque a Rede Minas61 apareceu lá e

61 A Rede Minas é a concessão pública de televisão de propriedade do Governo do Estado de Minas

138 estava filmando a nossa ação. Não falamos com a Rede Minas: só fez o catracaço e foi embora.

A narrativa de Arco diz respeito a uma iniciativa, conduzida em sentido de possibilitar a usuários do sistema de ônibus de Belo Horizonte que passassem pelas catracas de uma estação terminal sem pagarem tarifas. Popularmente conhecido como catracaço, esse tipo de intervenção contestatória é comumente utilizado por organizações atuantes em pautas atinentes à mobilidade e sistemas públicos de transporte, no país (SARAIVA, 2010; VINÍCIUS, 2014; SOUSA, 2015).

Seu relato sobre essa intervenção ilumina diversos pontos referentes tanto à forma, quanto ao contexto em que ela transcorreu. No primeiro plano, cumpre notar a presença do seguinte conjunto de elementos: a existência de uma combinação prévia quanto à execução da ação; realiza-la da maneira mais segura possível, em virtude da possibilidade de incriminação de quem a ela aderir; conjugar esta forma de intervenção com uma ação de panfletagem, direcionada aos usuários cotidianos deste equipamento público, de modo a instigar sua adesão. Aparentemente, esse tipo de intervenção conjuga, em sua execução, tanto radicalidade de contestação das funções cotidianas daquele espaço, quanto um quadro de efemeridade em sua prática.

Também é de importância destacar o momento em que se deu essa ação na capital mineira: em agosto de 2015, passados dois anos das Jornadas de Junho de 2013. Em si mesma, a existência dessa intervenção indicava a continuidade, naquele contexto, da utilização de táticas de ocupação contestatória de espaços públicos, impulsionadas em Belo Horizonte a partir das Praias da Estação: pela radicalidade da relação de contraposição para com a funcionalidade predominante naquele espaço, a ação que Arco descrevia pode ser delineada como uma forma singular de insurgência do uso. O fato de essa estudante ter sido, à época do evento que narrou, integrante do Movimento Passe Livre – Belo Horizonte, é igualmente significativo: a existência da organização a qual pertencia representava que alguns dos legados da Assembleia Popular Horizontal ainda se faziam presentes na cena ativista da capital mineira.

A permanência desses elementos após o contexto de junho de 2013 é de particular relevância, ainda mais quando se consideram as circunstâncias vivenciadas na cidade – e no país – ao longo dos dois anos que separam esses dois cenários. Nesse sentido, uma primeira aproximação, que permite vislumbrar aspectos do que transcorreu ao longo desses dois anos, é fornecida pelo relato de Antônio Mista:

139 Veio a Copa, foi uma ducha de água fria: não conseguimos nem sair do lugar. Aí já não era o Tarifa Zero - era o COPAC -, mas a gente se sentia parte, chamava os atos juntos, tentou. Nesse momento, o Tarifa Zero era muito mais do que a Assembleia Popular Horizontal, do que o COPAC: era o que tinha sobrado de 2013 que ainda tinha ressonância na sociedade.

[...] Com o final da Copa, a gente começou a apostar mais na comunicação: continuaria fazendo os atos de rua, mas não ia fazer a qualquer momento, achando que ia encher a rua e conseguir recuar cinco centavos na passagem - ficamos basicamente a reboque dos aumentos de tarifa. As Ocupações duraram até 2014 - essa Ocupação Cultural -: achava elas muito legais, conseguiam ir mais longe. Fizemos uma no Barreiro, que me empenhei muito pessoalmente: foi um dos dias de momentos de muita euforia. Lembro de datas específicas de muita euforia: a ocupação da Câmara foi uma, a Ocupação Cultural, que lançou a campanha do Tarifa Zero foi outra, essa A Ocupação do Barreiro também.

[...] Em 2014, depois da Copa, senti um refluxo grande no movimento: o Tarifa Zero teve uma curva descendente de gente que ia na reunião - de junho de 2013 até 2015, foi caindo. Muitas pessoas que eram bem orgânicas já foram saindo. Nunca tinha uma justificativa exata, de discordância teórica - pelo menos não era expressa -: basicamente o pessoal meio que foi cansando de ficar fazendo reunião toda semana e não conseguir ver muito resultado - a gente parou de produzir resultados significativos - e foi abandonando.

A descrição de Mista dizia respeito ao cenário existente em Belo Horizonte, a partir do início do ano de 2014. Em seu relato, sobressaem aspectos que se tornaram comuns no panorama de determinados setores ativistas do país, principalmente entre aqueles diretamente envolvidos ou influenciados pelas Jornadas de Junho de 2013: o esvaziamento acentuado dos protestos de rua, preponderantemente durante a Copa do Mundo de 2014; a tentativa de elaboração de formas alternativas de mobilização, tendo em vista as dimensões do aparato repressivo mobilizado, à época, visando conter a eclosão de manifestações massivas; o desgaste provocado pela conjunção desses fatores com a dilatação das temporalidades de luta, especialmente naquelas concernentes a determinadas reivindicações levantadas na cidade, e no país, em 2013. Em seu ver, a reunião desses fatores delineava uma paisagem contra hegemônica profundamente marcada pelo refluxo não só da participação popular, como também da visibilidade mesma dessas reivindicações nos debates públicos do país.

Na bibliografia consultada que se debruçou sobre o cenário formado no país a partir de 2014 (ARANTES, 2014; JENNINGS, et. al.; 2014; CAVA, 2017), destaca-se um elemento relevante, mencionado por Mista, para a compreensão da dinâmica instaurada desde então: o aperfeiçoamento contínuo dos aparatos repressivos para enfrentar eventuais distúrbios, como os ocorridos durante junho de 2013. Por meio do aprofundamento de legislações regulatórias, da articulação de setores de inteligência e dos investimentos em aparelhamento repressivo, se montou um cenário voltado para

140 conter mobilizações contestatórias, principalmente durante e após a Copa do Mundo de 2014. Na leitura de Bruno Cava (CAVA, 2017), toda essa movimentação da institucionalidade se revestia de um prisma, que denominou como contrainsurgência:

Entre outubro de 2013 e a Copa das Tropas, a ordem foi recomposta. Mal havia dado tempo para uma autocompreensão da enormidade que tinha acontecido durante as jornadas. Mal havíamos esboçado as primícias da discussão, sobre o que se poderiam imaginar os próximos passos do assalto ao céu, quando de repente o céu se abateu de uma só vez sobre as nossas cabeças. Os operadores convencionais do poder punitivo, as autoridades mobilizadas e os políticos, da esfera municipal à federal, do Judiciário ao Executivo, não perderam um só minuto para reunir-se, reagrupar-se, ponderar uma estratégia comum e coordenar a rajada de ações repressivas. Lançaram- se todos à iniciativa. Era imperativo, do ponto de vista da ordem, assegurar a paz total para os megaeventos que apresentariam o Brasil antecipado na publicidade.

[...] Os aparelhos institucionais e partidários em seu conjunto, com escassas exceções junto à oposição de esquerda, formaram o Partido da Ordem, – uma repetição distante, porém pressentível, da união selada entre legitimistas e orleanistas, republicanos e democratas, para reagir à insurreição proletária de 1848. Não que houvesse um Partido do Levante a ser contraposto, dado o nível de desagregação em que se encontrava tudo aquilo que ainda tinha conseguido preservar a fisionomia do levante de 2013. Foi uma contrainsurgência, sobretudo, preventiva: que não se repetisse, que jamais fosse novamente sequer cogitado. Quando da realização da ―Copa das Copas‖, o levante no ano imediatamente anterior já nos parecia uma quimera distante, esmagada pela máquina de moer gente que o governo comandou e ajudou a aperfeiçoar (CAVA, 2017).

Conforme coloca Cava, o aspecto determinante dos arranjos da institucionalidade, nessa seara, se encontrava em seu caráter preventivo: não se mediram esforços visando conter, ou impossibilitar, qualquer perspectiva de massificação contestatória popular proveniente dos setores envolvidos com junho de 2013, nesse novo cenário. Na organização e atuação desse aparato, se destacava não só sua abrangência, envolvendo entes federativos governados pelas mais variadas tendências, dentre as forças políticas institucionais estabelecidas, mas também seus efeitos diretos para a atuação dessas coletividades envolvidas com 2013: tornaram-se comuns o exercício da vigilância e detenção de seus integrantes, em ações que eventualmente resultavam em julgamentos marcados por sua arbitrariedade condenatória. Se não impactava diretamente na pertinência real das demandas nas quais se envolviam, a presença desse fator, a partir de então, adicionava um elemento de risco, que teve por efeito inibir suas atividades, e o endosso popular à sua atuação.

141 IMAGEM 14: Ato de Protesto em Belo Horizonte durante a Copa do Mundo de 2014. Fonte: Priscila Musa.

Tal fator certamente não foi o único a influenciar na dinâmica formada no país, após junho de 2013. Outra forma de compreensão acerca deste esvaziamento decorre do teor das narrativas midiaticamente disseminadas sobre as Jornadas de Junho, e os protestos ocorridos no país até os primeiros meses de 2014. Foi neste período que se consolidou uma narrativa predominante, fundamentada numa dissociação simbólica e discursiva, já existente desde a cobertura das Jornadas de Junho (JUDENSNAIDER, et al., 2013; CAVA, 2013): a separação efetuada entre manifestantes pacíficos, normalmente correlacionada a aqueles que endossavam as diversas pautas consideradas pertinentes por mídias de todas as tendências, e vândalos, categoria que poderia, no limite, enquadrar qualquer manifestante que não as endossasse.

Conjuntamente à violência - um dos elementos eventualmente presentes nos protestos ocorridos em diversas cidades do país, entre 2013 e 2014 -, a consolidação dessa narrativa desencadeou efeitos deletérios, particularmente sobre as mobilizações e coletividades que se relacionavam diretamente com demandas surgidas durante as Jornadas. Nesse aspecto, a associação que comumente se efetuou entre os defensores dessas reivindicações, e o termo negativo dessa imagem simbólica (vandalismo), foi um fator de importância no deslegitimar de suas pautas, e de suas iniciativas, diante da opinião pública.

142 Correlata à disseminação deste imaginário, o período iniciado em 2014 igualmente teve como um de seus aspectos distintivos, do ponto de vista das grandes mídias, o aparecimento de tentativas mais ou menos explícitas destes setores de canalizar a indignação popular surgida em 2013 para temas, não raro de recorte conservador, de seu interesse (JENNINGS, et. al.; 2014). Conforme ressalta João Sette Whitaker Ferreira (JENNINGS, et. al; 2014), tais tentativas detinham por prisma predominante influenciar nos debates concernentes à realização de eleições majoritárias no segundo semestre de 2014:

Mas se as manifestações haviam começado com protestos legítimos por maior moralidade política, foram rapidamente manipuladas pela grande mídia corporativa e transformadas em um movimento oposicionista antidemocrático. Slogans como ―O gigante acordou‖ e ―Vem pra rua você também‖ e a indução às vestes brancas ou verde-amarelas ―contra tudo que está aí‖ tornaram-se as palavras de ordem de uma mobilização vaga em objetivos, claramente insuflada pelo poder econômico e midiático para atingir e desestabilizar a presidenta e o regime democrático (JENNINGS, et. al.; 2014, p.12).

Como ressalta Ferreira, nas circunstâncias delineadas a partir de 2014, tais tentativas de canalização – e seu relativo sucesso – tiveram papel preponderante na formação da instabilidade da conjuntura política existente desde então: no caso, na radicalização da polarização política vivenciada no país, a partir das eleições presidenciais ocorridas naquele ano (CAVA, 2017). Neste cenário, de um lado, a ascensão de mobilizações conservadoras, então organizadas em oposição à administração Dilma Rousseff, implicou numa profunda reorientação de focos entre diversas organizações progressistas, visando fazer frente e resistência a tais forças. Além disso, de outro, a ampla repercussão midiática dada a esta polarização entre as diversas forças presentes no campo político institucional brasileiro desde então teve como um dos efeitos uma progressiva monopolização da atenção da opinião pública do país às questões e eventos que lhe diziam diretamente respeito.

Tais fatores igualmente parecem ter afetado significativamente a visibilidade pública dada a algumas das demandas oriundas das Jornadas de Junho de 2013: conjugada à influência midiática na canalização da indignação popular então estabelecida, a ascensão desta polarização em muito contribuiu para uma progressiva diluição de sua pertinência, que se deu conjuntamente à erosão do endosso dado a tais reivindicações, entrevistas como secundárias em meio aos debates públicas. Outro efeito deletério da ascensão deste debate se encontra quanto às condições de respaldo de

143 diversos movimentos progressistas às lutas desencadeadas em favor de tais reivindicações: as circunstâncias desenhadas a partir de 2014 também tiveram por implicação um reordenamento de prioridades quanto à utilização de não raro escassos recursos e enfoques fundamentais destas organizações, normalmente efetuado em detrimento da atenção dada a tais pautas públicas.

A esse conjunto de fatores, também parece ter se somado uma intensa dilatação das temporalidades de luta por essas demandas, a atuar como elemento interno de desgaste, com a qual estas coletividades tiveram que lidar. Nesse caso, apenas para ficar no exemplo da pauta dos transportes, cumpre notar que, à acelerada conquista da redução de tarifas em centenas de cidades brasileiras durante junho e julho de 2013 (CAVA, 2013; CAVA, COCCO, 2014), se seguiu uma expressiva desaceleração dos tempos de luta imersos nessa seara: não raro, tal se deu em virtude da lentidão, até certo ponto proposital, com a qual a institucionalidade do país lidou com a ascensão desse tema no debate público nacional. Além de favorecer o fortalecimento do prisma repressivo, que caracterizou uma das principais formas nas quais os poderes estatais passaram a se relacionar com tais lutas desde então, essa desaceleração incidiu igualmente numa profunda desmobilização em favor dessas demandas, enfraquecendo diretamente o poder de atuação de suas coletividades, a partir deste contexto.

Mesmo diante da complexidade desse cenário, também é importante destacar que um dos desdobramentos diretos da Assembleia Popular Horizontal sobre Belo Horizonte continuou ativo: o ativismo local na pauta dos transportes, particularmente a partir da atuação do coletivo Tarifa Zero. Nesse aspecto, uma forma de recuperar sua atuação nesse período igualmente advém do relato de Antonio Mista:

Na história do Tarifa Zero, até 2013, até 2014, tivemos muitas vitórias: muito empolgados com as possibilidades de chamar atos de rua a qualquer momento, e assim que chamasse todo mundo ia vir, e o governo ia recuar. Descobrimos muito rápido que não ia ser assim: teve um evento de uma cobrança de uma taxa da BHTrans que as empresas foram isentas - correspondia basicamente a 5%, cinco centavos da tarifa. Chamamos atos de rua pra pressionar o Poder Público a transferir esse desconto pra passagem: já não deu muita gente mais - nem perto do que estava dando em junho de 2013. Começou a cair a real de que não ia ser tão fácil assim: a empolgação estava diminuindo, mas ainda assim o Tarifa Zero, como um todo, tinha um crédito muito grande no ato de rua, na importância disso.

Ainda que diretamente impactado pelas circunstâncias delineadas a partir de 2014, este coletivo conseguiu sustentar em Belo Horizonte a presença de uma militância dedicada à pauta, assim como sua visibilidade, como tema de debates no cotidiano da

144 cidade. Se, de um lado, essa organização teve derrotas em algumas de suas ações travadas nesse período, também importa notar, de outro, que a mudança de cenário foi aproveitada como aprendizado, particularmente no que concernia a como lidar com a dilatação das temporalidades de luta impostas por aquela conjuntura.

Nesse último sentido, cumpre notar que tais circunstâncias foram igualmente relevantes para uma diversificação de suas táticas de luta, e de divulgação de sua demanda (VELOSO, 2015). Foi ao longo desse período de dois anos que, de sua atuação, surgiram iniciativas variadas: o Bloco Antitarifário Pula-Catraca, agremiação carnavalesca que se singulariza por realizar catracaços durante seus cortejos; as Busonas, experiências diretas de transporte público sem tarifa, normalmente materializado através da circulação de veículos financiados pelo coletivo, que percorrem trajetos de linhas regulares de ônibus, propiciando viagens gratuitas a seus passageiros; eventos culturais como a Manifesta Junina, mistura de ato de rua com festejo junino realizada em 2014, durante uma de suas campanhas de protesto. Além dessas iniciativas, cumpre destacar também que o coletivo Tarifa Zero foi atuante na convocação de atos de rua de protesto, ao longo desses dois anos, majoritariamente relacionados aos contextos de reajustes de tarifas de ônibus em Belo Horizonte. Em seu conjunto, tais iniciativas carregavam em comum a permanência da tática de ocupação contestatória de espaços públicos da cidade, como um dos eixos de sua atuação.

De certa maneira, pode-se dizer que tanto sua continuidade, quanto sua inventiva diversificação de táticas, também se deu em virtude da permanência dos problemas estruturais, em Belo Horizonte, no tema que era foco de sua militância. Conforme coloca Mista, não somente persistiam questões atinentes à gestão do serviço, como que o contexto de refluxo iniciado em 2014 deu ensejo para que a Prefeitura endossasse medidas polêmicas, de direto interesse das empresas concessionárias atuantes no sistema. Ou seja, essa seara do cotidiano da capital mineira continuava a ser sintomática de um antagonismo, imerso na relação da institucionalidade local para com a cidade: reiterava-se sua impermeabilidade à participação, e ao atendimento de demandas de seus habitantes, particularmente na forma como esse serviço era gerido e disponibilizado a seus usuários. Conforme relata o publicitário e editor de vídeo Valério Carna62, outro fator inerente a essa pauta dizia respeito aos próprios impactos de

145 algumas das obras de mobilidade, executadas na cidade para recepcionar a Copa do Mundo de 2014:

As obras pra Copa, na implantação do BRT MOVE, foram feitas, na verdade, em locais que já existiam corredores de ônibus. Claramente estava se refazendo: tudo bem que é quase um novo modal - pode-se entender assim -, mas existia um interesse em fazer as obras em prol das empresas de ônibus, e das empresas de obra mesmo, aparentemente. Apesar de que a área central, num segundo momento, veio a ter várias vias isoladas, em geral, eles só deram segmento a aqueles corredores ali. Houve a expulsão também do famoso Vermelhão63, o ônibus intermunicipal: não só proibido de andar nos corredores, - antigamente eles podiam - mas de circular na cidade, o que é um grande absurdo. A mão de obra da cidade toda que vem de mais de longe, a mais pobre da região metropolitana, que essencialmente trabalha em Belo Horizonte: o fluxo desses locais, como Santa Luzia, Ribeirão das Neves, Contagem, Vespasiano, Pedro Leopoldo64 - o espectro norte da cidade –, os ônibus que vinham dessas cidades dormitórios, foram expulsos.

Em sua narrativa, Carna faz menção direta aos impactos da implantação do sistema BRT-MOVE sobre os usuários dos serviços de transporte público da capital mineira, e de sua região metropolitana. Uma das principais obras de mobilidade executadas em Belo Horizonte para sediar aquele megaevento, o modal BRT-MOVE