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2.2 JULHO-AGOSTO DE 2015 INSTIGAÇÕES: “ERA ONDE AS PESSOAS FICAVAM E ERAM ESSAS PESSOAS QUE A GENTE

QUERIA ATINGIR”

Ao longo do primeiro semestre do ano de 2015, a imprensa belo-horizontina publicou, com alguma regularidade, notícias concernentes a diversos aspectos do sistema local de transportes públicos. Numa dessas notícias, lia-se acerca de questionamentos envolvendo o valor das passagens de ônibus na cidade:

Passagem de ônibus em BH deveria custar R$ 2,90, diz Ministério Público

O Ministério Público de Minas Gerais pediu novamente na Justiça a suspensão de aumento das tarifas de ônibus em Belo Horizonte. Desta vez, a promotoria além de alegar o erro nos cálculos feitos pela BHTrans para definir o reajuste, apontou o valor correto para a cobrança. Conforme os cálculos dos promotores, a passagem de R$ 3,10 deveria custar 2,90.

154 Em janeiro o promotor Eduardo Nepomuceno, da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público, já havia impetrado Ação Civil Pública apontando irregularidades nos cálculos da empresa de trânsito, mas não foram apresentados números detalhados na argumentação e o pedido de suspensão do aumento foi negado pela 4ª Vara Municipal da Fazenda. [...] O MPMG também aponta que o contrato já havia sofrido reajuste em 2014, em razão de revisão quadrienal expressamente prevista, o que preservou a relação de equilíbrio econômico-financeiro entre Poder Público e empresas concessionárias. Entretanto, a alteração promovida pela cláusula terceira do quinto Termo Aditivo retroagiu a contagem da variação até 2012, incidindo duplamente no cálculo final.

[...] Nesta nova ação, foi apresentado novo cálculo das variações dos preços das despesas, de acordo com a fórmula paramétrica prevista no contrato, mas considerando o período de novembro de 2013 a novembro de 2014. ―O fator encontrado foi de 1,0650‖, afirma o promotor de Justiça (CRUZ, 2015).

A reportagem acima tinha por objeto a iniciativa tomada pelo Ministério Público de Minas Gerais de solicitar a suspensão de um reajuste de tarifas de ônibus, ocorrido em Belo Horizonte em dezembro de 2014. De acordo com o órgão, a Prefeitura teria concedido tal reajuste por meio de cálculos questionáveis, o que resultou em um valor de tarifa praticado significativamente maior do que o devido: sua iniciativa era indicativa de que persistia uma total falta de transparência acerca dos reais custos de um serviço de grande importância para o acesso à cidade por seus habitantes. A própria existência de uma disputa jurídica em torno das tarifas era também indício das dimensões nebulosas presentes na estruturação desse serviço: demonstrava o grau de permanência das inclinações da institucionalidade local em privilegiar a interlocução, e os interesses, da iniciativa privada nele envolvida, no cenário posterior a junho de 2013, num dos temas aonde mais se fez presente a intensificação de paradigmas neoliberais de gestão existentes na cidade desde os anos 2000, em virtude da centralidade das obras planejadas em mobilidade para a recepção de megaeventos. A presença eventual desse tipo de reportagem também atestava uma relativa reverberação pública local de debates concernentes ao tema, naquele contexto: muito desse enfoque midiático se deveu à continuidade de uma militância na cidade atuante na questão, mesmo durante uma conjuntura de profundas adversidades, como a instaurada a partir de 2014.

Foi da pressão exercida por essa militância que esse serviço foi objeto de uma auditoria contratada pela Prefeitura, divulgada no primeiro semestre de 2014 (TRAJANO; FREITAS, 2014). Seus resultados foram, no mínimo, ambíguos: atestava, ao mesmo tempo, tanto a necessidade de redução de tarifas, em virtude de cálculos equivocados em reajustes anteriores, quanto o aumento de seus valores, por conta dos custos alegados pelas empresas para a implantação do sistema BRT-MOVE na capital

155 mineira. À época, o relatório apresentado foi questionado quanto à sua própria dimensão de auditoria: conforme laudo divulgado pela Auditoria Cidadã da Dívida69, os consultores encarregados simplesmente não analisaram qualquer documentação concernente aos fluxos bancários e financeiros das empresas. Na prática, era o mesmo que dizer que o relatório foi escrito sem nenhuma fundamentação acerca dos reais custos envolvidos na operação do sistema de ônibus de Belo Horizonte.

No noticiário local ao longo primeiro semestre de 2015, outros temas, concernentes a esse serviço, também foram abordados. Conforme se vê na reportagem abaixo, um dos tópicos de discussão era precisamente o sistema BRT-MOVE:

Processo de obras da implantação do Move pode ter irregularidades A Polícia Federal em Minas Gerais informou que instaurou um inquérito para apurar as irregularidades na utilização de recursos para as obras do Move nas avenidas Antônio Carlos e Pedro I, assim como a construção do viaduto Batalha dos Guararapes. No entanto, o órgão informou que não pode dar mais detalhes sobre as investigações.

A prefeitura de Belo Horizonte, por meio de nota, informou que a iniciativa da apuração do caso partiu da própria prefeitura e que a Secretaria Municipal de Obras, a partir de junho de 2012, solicitou a interrupção do contrato com a PR Construções e Consultoria, que também tem seu nome citado nas investigações. O contrato, no entanto, só foi suspenso em novembro do mesmo ano.

Além disso, a prefeitura também informou que o Move foi implementado em etapas na capital, o que demandou diversas intervenções, assinaturas de contratos e licitações, e que todas as etapas têm que passar por fiscalização por parte do Tribunal de Contas da União, Tribunal de Contas do Estado, Caixa Econômica Federal - instituição financiadora da obras - e por auditoria da própria prefeitura (BAETA, 2015).

A notícia acima fazia menção à investigação de possíveis irregularidades na execução dos contratos para as obras viárias de implantação desse sistema, principalmente em suspeitas então levantadas de superfaturamento, e de deficiências na fiscalização de seu andamento. Tratava-se de um tema particularmente pertinente, à época: menos de um ano antes, o Viaduto Batalha dos Guararapes, que integrava esse conjunto de obras, desabou antes mesmo de sua inauguração, durante a Copa do Mundo de 2014 (BRAGON, 2014). A investigação nas obras de implantação desse sistema, vendido à cidade como um dos principais legados desses megaeventos, era um emblema da nebulosidade que o envolvia: a notícia acima se somava a todo um conjunto de

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A Auditoria Cidadã da Dívida é uma associação sem fins lucrativos, atuante na fiscalização dos montantes despendidos no pagamento da dívida pública do país. O relatório publicado por essa associação se encontra disponível no seguinte link: https://www.auditoriacidada.org.br/wp- content/uploads/2014/03/Relatorio-Especifico-ACD-sobre-o-Transporte-Publico-em-BH-16-3-2014- REVISAO-FINAL.pdf. Acesso em: 25 de jan. 2019.

156 informações disseminadas à época, que iam dos questionamentos aos valores dos ônibus comprados às frequentes reclamações de seus usuários (VALE, 2015; VALE II, 2015), o que punha diretamente em questão seus reais benefícios e beneficiários. De certo modo, pode-se dizer que tais notícias referentes ao BRT-MOVE formavam um panorama profundo da inserção do prisma mercantil como aspecto predominante da forma com a qual a cidade lidava com seu sistema de transportes públicos, a partir dos anos 2000: situava suas diversas ramificações de abrangência da interferência da iniciativa privada atuante na capital mineira, e de que maneiras, possivelmente fraudulentas, a Prefeitura parecia atuar em sentido do atendimento de seus interesses.

Numa perspectiva histórica, pode-se dizer que tanto o predomínio deste prisma no funcionamento desse serviço na cidade no início da década de 2010, quanto o tipo obscuro de relação traçado entre a institucionalidade local e a iniciativa privada atuante no setor, se interligam diretamente às próprias contradições imersas na história da expansão territorial de Belo Horizonte. No caso, se relacionam especificamente com a incapacidade histórica do poder estatal local de intervir nesta expansão de modo a, ao menos, mitigar os impactos nesse processo das interferências de interesses de mercado como um de seus agentes preponderantes. Nesse ângulo, conforme demonstra André Veloso (VELOSO, 2015), o desenvolvimento histórico do sistema local de transportes públicos não só dialogou, como se beneficiou diretamente dos aspectos mais profundos de segregação territorial oriundos da contradição interposta pelo predomínio da especulação imobiliária neste processo, fazendo com que a capital mineira tenha

como marca de seu nascimento a segregação de classe em seu espaço urbano, que se repetirá e se aprofundará espacialmente no lugar de moradia de suas classes ao longo de toda a sua trajetória. A conformação do sistema de transporte público dialogará sempre com essa contradição primeira. Como parte dessa vocação para uma modernidade incompleta, que tenta – canhestramente – esconder suas contradições de classe a partir da criação do novo, sucessivos governantes inovadores em seu ―rodoviarismo‖, como Juscelino Kubistchek (prefeito nos anos 1940), passarão por seu comando e farão da cidade e do estado de Minas Gerais a antessala de experiências que se repetirão em escala nacional A exemplo da influência mineira nos rumos da política nacional, a trajetória específica dos empresários de transporte do município se apresenta de maneira, ao mínimo, curiosa. Eles surgem na atividade econômica com pioneirismo para a sua época, mas, ao contrário das outras metrópoles nacionais, sua trajetória apresenta permanência de uma estrutura de empresas, mas não de propriedade, relativamente desconcentrada. Ao se entenderem regionalmente, os empresários mantiveram o seu mercado fechado à concorrência externa e expandiram sua atuação para todo o território nacional. (VELOSO, 2015, p.11).

157 Do panorama elaborado por Veloso, cumpre ressaltar as dimensões abrangentes em que tal congruência entre a estruturação desse serviço e a expansão da cidade se deu: influenciou não somente na concretização de diversas empresas atuantes nesse sistema localmente e dos tipos de relação que teceram com os poderes estatais desde então, como igualmente na expansão desse modelo de estruturação mercantil pelo país, ao longo da segunda metade do século XX. Nesse aspecto, um dos principais impactos históricos para a estruturação desse serviço para a cidade se deu tanto a partir de uma profunda concentração de sua oferta por processos de formação de oligopólios privados, quanto pela expansão de suas influências sobre a regulação estatal do mesmo em Belo Horizonte, do qual a execução de projetos como o do BRT-MOVE eram manifestações contemporâneas da intensidade do predomínio de sua perspectiva mercantil em detrimento de outras estruturações possíveis.

O amálgama entre esse histórico particular, critérios nebulosos de dimensionar valores de tarifas e custos reais desse serviço, a implantação de um sistema de utilidade questionável, e uma relação perpassada por algo situado entre a omissão e a promiscuidade entre interesses públicos e privados na capital mineira, surtiu efeitos diretos para a formação do contexto em que se circunscreve a problemática deste capítulo. No dia 19 de junho de 2015, o jornal Estado de Minas publicava a seguinte notícia, atinente a um dos resultados da conjunção desses fatores:

Empresas de ônibus amargam prejuízo que pode resultar em aumento de passagens em BH

―A BHTrans ainda não se pronunciou sobre o pedido de revisão de contratos feitos pelo Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Belo Horizonte (SetraBH). No documento, as empresas responsáveis pelos ônibus da capital mostram o quadro de prejuízo de R$ 80,4 milhões no último ano, segundo o levantamento feito por uma consultoria contratada. A solicitação foi encaminhada no início do mês de junho, dias antes de motoristas e cobradores fazerem greve pelo não pagamento de participação de lucros (PPL).

Segundo o Setra-BH, as empresas não repassaram a PPL aos funcionários porque fecharam no vermelho. Para que a paralisação terminasse, o sindicato patronal pediu prazo de 45 dias aos trabalhadores para conversar com a BHTrans sobre a situação financeira. Conforme o Setra-BH, o relatório encaminhado ao órgão púbico não apresenta soluções, mas o sindicato sinaliza ações possíveis para minimizar prejuízos: aumento de passagens de ônibus, subsídio da prefeitura ao transporte ou isenção de impostos, como o ICMS de 15% por parte do governo estadual. Uma quarta alternativa, conforme o sindicato seria a combinação de algumas dessas ações.

A BHTrans informou que ainda analisa o relatório técnico enviado pelo sindicato, considerado um estudo complexo e que exige avaliação aprofundada.

158 [...] MOVE As argumentações do Setra-BH vão além dos aumentos. De acordo com o sindicato, os empresários investiram na implantação do sistema Move e não tiveram o retorno de receita esperado. Foram gastos recursos com compra de ônibus e equipamentos, além de treinamentos de motoristas. A previsão inicial passada ao sindicato era de que 400 ônibus seriam retirados de circulação para operação do Move, no entanto o Setra-BH informa que apenas 80 foram retirados. Dessa foram, há 320 coletivos a mais rodando na capital e que não foram considerados no cálculo da tarifa reajustada em janeiro de 2015 para R$ 3,10 (CRUZ II, 2015).

A reportagem acima tinha por foco a apresentação dos resultados de um estudo, patrocinado pelas empresas concessionárias do serviço de ônibus de Belo, que foi encaminhado à Prefeitura Municipal. De acordo com o estudo, esse serviço estava sendo prestado à população da capital mineira de maneira profundamente deficitária para as empresas dele encarregadas. Para remediar essa pretensa situação de prejuízos, as empresas solicitavam ou uma redução tributária, ou um reajuste do valor das tarifas, ou alguma combinação entre as duas medidas.

Mesmo diante de todos os questionamentos surgidos na imprensa local à época sobre alguns dos pontos levantados em sua argumentação, a conjugação de fatores alegados para a existência do que pleiteavam traçava um panorama do próprio impacto causado pelo tipo de inter-relação que travavam com a Prefeitura: na prática, num cenário em que sua argumentação fosse válida, sua solicitação, na melhor das hipóteses, representava a socialização direta de seus prejuízos, atingindo diretamente os usuários cotidianos do serviço. À altura da publicação desta notícia, os órgãos responsáveis pelo sistema de transportes da cidade ainda não haviam se pronunciado quanto à solicitação das empresas, ainda que o próprio histórico nebuloso de suas relações pudesse indicar que seria atendida: corroborava tal perspectiva o fato de que as discussões concernentes a esse tema se passavam em instâncias burocráticas, profundamente refratárias à consulta e acolhimento de perspectivas outras que não as das empresas envolvidas no tema.

Foi por meio de tais notícias, veiculadas a partir de junho de 2015, que a população de Belo Horizonte tomou conhecimento da existência de uma possibilidade real de que os valores das tarifas de ônibus pudessem ser reajustados fora de época. Dentre os que receberam a notícia, encontravam-se os militantes das coletividades atuantes na pauta dos transportes e mobilidade, desde 2013, na capital mineira. De

159 modo a dimensionar seus impactos, o relato sucinto do estudante Igor Mática70, acerca da recepção da notícia nesta cena do ativismo local, é particularmente pertinente:

O coletivo ficou em polvorosa com a notícia que podia aumentar a passagem: a gente começou a fazer ato, a organizar ações midiáticas pra combater o aumento mesmo, basicamente isso.

Eu me lembro das reuniões no Estrela71, da Subindo a Bahia, Descendo a Floresta. Teve outras também. Acho que tinha certa disputa de agendas entre movimentos diferentes, tentativa de instrumentalizar as reuniões de diversos grupos: essa do Estrela foi uma reunião mais prática, mais questão de planejar atos, umas coisas assim. Parecia ser uma reunião dos anos 70 - tinha uma companheira que estava até vestida a caráter. Foi interessante, era um lugar fechado, quase um porão, uma sala dentro do Estrela que dava um ar de conspiração e tudo.

Havia certo grau de cooperação: inclusive o MPL e o Tarifa Zero fizeram atos juntos – eu lembro mais ou menos isso.

Integrante do Movimento Passe Livre – Belo Horizonte (MPL-BH), Mática centra seu relato na confecção de uma série de atividades por participantes desta cena. Nessas atividades, seu relato destaca a elaboração de reuniões públicas, inteiramente voltadas para lidar com a situação instaurada, de possibilidade real de imposição de um aumento de tarifas fora de época sobre a cidade. Dessas reuniões, surgiu, em julho de 2015, a Frente Única Contra o Aumento: confluência de diversas coletividades atuantes na cena ativista de Belo Horizonte, que se engajaram diretamente na contestação ao reajuste de tarifas de ônibus imposto pela Prefeitura Municipal. As reuniões da Frente dimensionavam não só a disposição mesma de setores da cena ativista local de atuarem em sentido de contestar esta medida. Pela forma com a qual se deram, pareciam igualmente recuperar diretamente aspectos oriundos dos legados da Assembleia Popular Horizontal enquanto acontecimento constituinte para a cidade, particularmente no que tange a propiciar confluências e deliberações conjuntas de intervenção contestatória.

70 Por pedido do entrevistado, será usado um pseudônimo no lugar do seu nome nesse trabalho.

71 Trata-se do Espaço Comum Luiz Estrela: ocupação situada na Rua Manaus, no bairro de Santa

Efigênia, região Centro-Sul de Belo Horizonte. Em dezembro de 2013, militantes de organizações atuantes na luta por moradia, e ativistas do setor cultural independente de Belo Horizonte fizeram uma intervenção conjunta em que foi ocupado um casarão abandonado, que deu origem ao Espaço. Além de buscar reformar as instalações do casarão por meio de recursos obtidos por crowdfunding, os ocupantes utilizam o espaço como sede de apresentações culturais e festas diversas. O nome dado à ocupação homenageia o morador de rua Luiz Estrela: homossexual, foi assassinado em circunstâncias até hoje não esclarecidas durante as Jornadas de Junho de 2013 em Belo Horizonte.

160 IMAGEM 15: Panfleto da Frente Única Contra o Aumento durante a campanha de 2015. Fonte: Movimento Passe Livre – Belo Horizonte.

Quanto a essa atitude, cumpre notar dois aspectos que permitem inferir uma reelaboração dessa experiência de 2013, diante do cenário com o qual lidavam. Primeiramente, em sua abrangência: inteiramente delimitada no fomentar formas de atuação conjunta setorizada, por sua atinência às questões envolvendo o sistema de transportes da cidade, naquelas circunstâncias. Num segundo plano, pela relação temporal do que intentavam, para com ações contestatórias que tinham por eixo a ocupação de espaços públicos na cidade: diferentemente de 2013, em que as Assembleias se tornaram instância de direcionamento do que já se encontrava em andamento nas ruas, aquela confluência visava precisamente fomentar uma campanha aonde tais formas de ocupação ainda se encontravam por se definir. Este último aspecto

161 detém particular importância para a narrativa aqui tecida: delimita a ênfase maior, neste capítulo, na recuperação e interpretação das intervenções deliberadas pela Frente, em detrimento da compreensão de sua estruturação deliberativa, dado que a última deteve, em larga medida, princípios similares aos da Assembleia Popular Horizontal quanto ao seu funcionamento. Em todos os casos, a conjunção dos fatores acima descritos terminou por incidir na materialização de formas inteiramente singulares de

insurgências do uso, que permitem enquadrá-las como desvios insurgentes.

É importante mencionar que, à época dos eventos que relatou, Mática também era integrante de uma coletividade com papel importante nas atividades conduzidas pela Frente: a seção de Belo Horizonte do Partido Piratas, movimento que foca sua atuação em questões concernentes à defesa do acesso e uso da Internet como direito público. De acordo com sua narrativa, o interesse dessa organização pela questão do aumento se justificava tanto a partir de contribuições que pudessem ofertar, quanto da própria visão progressista de sociedade compartilhada em seu estatuto:

Eu sempre gostei muito de política, é uma coisa que queria mexer desde sempre: me senti bem o suficiente, comecei a mexer. Eu considerava o transporte uma questão importante: de cidadania, da cidade mesmo, de qualidade de vida das pessoas, e sempre achei uma vergonha Belo Horizonte ser uma cidade de cinco milhões de habitantes e não ter um metrô. Eu achava que transporte e computação podiam ser complementados - o Partido Pirata tinha em geral um conhecimento de computação, informática e segurança muito bom. Achava que poderíamos ter alguma coisa a oferecer pros movimentos sociais em geral: questão de segurança na computação,