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1.3 – JUNHO DE 2013: “É COMO SE AQUELE VIADUTO FOSSE UMA ÁGORA, SABE?”

Conforme anteriormente ressaltado, o aparecimento das Praias da Estação, e os aspectos singulares que envolveram aquela mobilização, também tiveram desdobramentos de relevo para a cena ativista de Belo Horizonte no contexto imediatamente posterior a 2010. As confluências e os intercâmbios por elas propiciados se espalharam por diversas searas do cotidiano da cidade, particularmente na maneira

91 com a qual se formaram contraposições diretas à intensificação da contradição historicamente estabelecida na cidade, a partir da gestão de Márcio Lacerda.

IMAGEM 8: Passeata do Movimento Fora Lacerda em Belo Horizonte, 2012. Fonte: Priscila Musa.

Entre os anos de 2010 e 2013, paralela ou independentemente de sua materialização nesse período, os sujeitos que tomaram parte nas mobilizações das Praias teceram toda uma rede contatos para com movimentações atuantes em outras demandas em que a cena ativista belo-horizontina se inseria. Conforme relata Priscila Musa, uma das consequências mais significativas de tais confluências se deu a partir de 2011:

O Fora Lacerda tem esse contexto geracional dos mais fortes: colocou uma série de atores de movimentos sociais diferentes pra dialogar dentro da cidade - não sei se como era antes de mim, mas vi isso acontecendo muito nessa experiência. Desde essa coisa do Bueno, da Guarda Municipal, com a turma da Comunicação da UFMG, a turma da Sociologia, Brigadas Populares, os arquitetos, a turma do Hip Hop – o Duelo34 nunca participou tão ativamente, mas tinha uma turma do Hip Hop.

[...] Conseguiu dar visibilidade pra umas pautas importantes: do transporte, da cultura. [...] Então, querendo ou não, a gente conseguiu dar uma visibilidade pra algumas pautas que ficavam até meio esquecidas: a permanência da Dandara tem uma participação muito forte do Fora Lacerda também, do show do Graveola, tem essas conexões. E o carnaval de rua, né? O carnaval de rua se fortaleceu muito com o movimento também.

34

Musa faz menção ao Duelo de MCs, evento cultural produzido pelo coletivo de Hip Hop Família de Rua, nas noites de sexta-feira, embaixo do Viaduto Santa Tereza.

92 Do que é colocado por Musa, cumpre notar primeiramente que os encontros deflagrados pelas Praias da Estação culminaram com a elaboração e atuação do Movimento Fora Lacerda, entre 2011 e 2012: espécie de fórum de interlocução e intervenção conjunta, formado por todo um arco de coletividades atuantes em diferentes pautas na cidade, congregados por sua oposição direta à administração municipal (ALBUQUERQUE, 2013; MAGALHÃES, 2015; MIGLIANO, 2017). No que tange ao Movimento, a variada gama de coletividades ali reunida atuou, primeiramente, como componente de ampliação dos raios de inserção e atuação conjunta pela cena ativista da cidade: tanto amplificava, quanto diversificava a abrangência temática e de formas de intervenção contestatória perante os ordenamentos neoliberais predominantes estabelecidos como paradigmas de administração na capital mineira (MAGALHÃES, 2015). Sua existência representava precisamente um refinamento das confluências e instâncias de diálogo, entre distintas coletividades atuantes na capital mineira, que as mobilizações das Praias, durante o verão de 2010, influenciaram.

Além de periódicas reuniões públicas de mútua elaboração de atividades e da realização de campanhas de propaganda e passeatas de protesto, o Fora Lacerda teve grande papel na formação e disseminação local da existência do Comitê Popular dos Atingidos Pela Copa (COPAC): aglutinando todo um conjunto de setores da cidade diretamente impactados pelas obras e políticas estatais executadas para a realização dos megaeventos que a cidade sediou em 2013 e 2014, o COPAC se destacou por sua influência fundamental para a compreensão das dinâmicas instauradas em Belo Horizonte durante as Jornadas de Junho de 2013 (MAGALHÃES, 2015; MIGLIANO, 2017). Como se verá, até pelo contexto em que se fez presente, pode-se dizer que de maneira indireta, a existência do Fora Lacerda também incidiu e inspirou aspectos singulares da formação e atuação da própria Assembleia Popular Horizontal, enquanto

acontecimento constituinte, em 2013: serviu como espécie de primeira instância

organizacional refinada e efetiva de aglutinação de demandas variadas, sedimentadas num arcabouço comum em sentido de transformação democrática da cidade, enquanto existiu (MAGALHÃES, 2015).

Através ou paralelamente ao Fora Lacerda e à formação do COPAC, as Praias igualmente deixaram outros desdobramentos indiretos para a cena ativista da cidade nesse período, que também se fizeram presentes num contexto imediatamente anterior à eclosão dos protestos de 2013. Uma primeira forma de aproximação a estes vestígios se

93 deu em um evento ocorrido no início de junho de 2013, durante um pacífico ato de protesto, realizado em solidariedade aos manifestantes turcos reunidos em Istambul contra medidas do governo local, referentes à situação do Parque Gezi35. O jornal belo- horizontino O Tempo noticiou este ato da seguinte forma:

Ocupação da praça de Santa Tereza reúne 500 jovens

A praça Duque de Caxias, em Santa Tereza, na região Leste de Belo Horizonte, foi ocupada, durante a tarde de ontem, por movimentos jovens que discutiram a ocupação dos espaços públicos na capital. De acordo com a Polícia Militar, presente no evento, cerca de 500 pessoas participaram do ato. Pacífico e cultural, o evento foi articulado como uma ação de solidariedade aos manifestantes agredidos pela polícia e o governo no parque Gezi, na Turquia, e envolveu diversos movimentos da capital. Com música, intervenções e arte circense, cada grupo envolvido na iniciativa se manifestou de forma diferente. Artistas independentes, produtores e agitadores culturais participaram do evento.

Segundo o idealizador do protesto, o ator e produtor Francisco Cereno, a agenda política dos coletivos mineiros se aproxima da vontade do povo turco de ocupar espaços públicos. ―Se você analisar de forma objetiva, o motivo do protesto lá na Turquia é semelhante à luta do Fica Fícus aqui, que luta pelo direito de viver em uma cidade arborizada e que respeite a natureza‖.

Para Cereno, artistas e ativistas encontram dificuldade de se manifestar livremente nos espaços públicos da cidade. ―Existe muita burocracia para qualquer artista que queira se apresentar, por exemplo. Por isso, movimentos como a Praia da Estação, que entendem o espaço como um local de livre expressão, fazem tanto sucesso aqui‖, afirmou.

[...] Tendência.

A avaliação do ativista cultural Israel do Vale inclui a revisão do modelo político vigente. ―A politização do jovem da capital é irreversível. São muitos movimentos, com demonstrações incisivas de que é preciso reinventar essa política analógica que vivemos‖, disse. Para ele, não há mais espaço para a política unilateral. ―A sociedade civil quer dialogar com o poder público‖, afirmou.

Participantes - Praia da Estação - Fica Fícus

- Movimento Mineiro de Circo36

- Bloco carnavalesco Pena de Pavão de Krishna - Plante uma Ideia37

35 O Parque Gezi situa-se em Istambul, Turquia. Durante o ano de 2013, uma série de protestos

violentamente reprimidos veio a ocorrer em contestação direta a aprovação de medidas dos poderes estatais locais para demolir o Parque como parte de um plano de reforma urbana da área da cidade em que o mesmo se encontra. A seguinte reportagem do site da agência de notícias Deutsch Welle traz um histórico resumido da polêmica da época, bem como suas reverberações na Turquia contemporânea:

https://www.dw.com/pt-br/protestos-do-parque-gezi-e-o-sonho-de-uma-turquia-diferente/a-43959364. Acesso em: 26 de dez. 2018.

36

O Movimento Mineiro de Circo foi uma organização destinada a representar artistas e amantes das artes circenses em Minas Gerais. Para saber mais: http://circomineiro.blogspot.com/. Acesso em: 26 de dez. 2018.

37

O Coletivo Plante uma Ideia foi uma organização voltada ao plantio de árvores na área urbana de Belo Horizonte.

94 - Ateliê Alcova Libertina38

- Comitê Popular dos Atingidos pela Copa - Fora do Eixo

- Ninja39 (CALIL, 2013)

A notícia acima traz consigo diversos elementos para recuperar a reverberação temporal de algumas das dinâmicas iniciadas pelas Praias enquanto acontecimento

constituinte em Belo Horizonte, no contexto localmente instaurado em junho de 2013.

Nesse ângulo, a presença de integrantes do protesto que se identificaram como pertencentes às Praias e sua menção explícita aparentemente delineava uma dupla ressonância naquele cenário: tanto servia para as situarem como exemplo paradigmático de livre usufruto comum de um território citadino, quanto para um contraste com o que seriam dificuldades e cerceamentos a expressões artísticas e políticas na cidade. Outra forma de mencionar a permanência das questões levantadas pelas Praias parece dar-se pelo próprio local em que o ato transcorreu: na Praça Duque de Caxias, no Bairro Santa Tereza, situado na Regional Leste de Belo Horizonte.

Ainda que essa Praça em si não fosse objeto de qualquer decreto restritivo ou de tentativa de transferência de sua gestão para a iniciativa privada pela Prefeitura no contexto em que esse protesto se deu, é possível inferir, de um lado, que os ordenamentos para o usufruto de praças e parques da cidade pela população da capital mineira ainda fossem alvo de questionamentos públicos. De outro, a escolha dessa Praça também permite a percepção de que uma das formas com a qual as Praias enquanto acontecimento constituinte ecoava na capital mineira se encontrava na própria ampliação e descentralização territorial que sua mobilização suscitara, de modo a abranger outros espaços. Na conjuntura em que se deu esse protesto, portanto, ainda se faziam presente não somente questionamentos concernentes à concepção de cidade que matizava a gestão Lacerda: também floresciam diversificadas formas de resistência, situadas no entorno dos espaços públicos e do cotidiano da capital mineira, intensificadas pela realização de megaeventos em Belo Horizonte naquele período.

38 O Ateliê Alcova Libertina é um coletivo de artistas belo-horizontinos atuantes em diversas searas da

cena cultural da cidade. O coletivo também possui um bloco carnavalesco de nome homônimo que tradicionalmente se apresenta nos domingos de carnaval. Para saber mais:

https://www.facebook.com/AlcovaLibertina/. Acesso em: 26 de dez. 2018.

39 O Mídia Ninja é um coletivo jornalístico cidadão de produção e compartilhamento em rede de notícias

de caráter independente. À época dos acontecimentos narrados, o coletivo se tornou nacionalmente famoso por sua cobertura em tempo real dos diversos protestos ocorridos durante as Jornadas de Junho de 2013 no país. Para saber mais: http://midianinja.org/quem-somos/. Acesso em: 26 de dez. 2018.

95 IMAGEM 9: Ato de protesto na Praça Duque de Caxias em solidariedade aos manifestantes turcos em favor da manutenção do Parque Gezi, em Istambul. Fonte: O Tempo, 10 de jun. 2013/Ângelo Pettinati.

Uma forma distinta de inferir a existência de um processo de relativa descentralização e ampliação de raios de atuação ativista na cidade se fazia manifesta pela própria presença de quatro das coletividades identificadas na reportagem. Além da própria Praia da Estação e do COPAC, ali se encontravam: o Movimento Fica Fícus, que defendia a preservação das árvores da Avenida Bernardo Monteiro, situada no Centro de Belo Horizonte, diante da decisão da Prefeitura de podá-las; o bloco carnavalesco Pena de Pavão de Krishna, fundado durante o carnaval de 2013, e que se caracterizou nos anos seguintes por uma dimensão itinerante de realização de seus cortejos40.

A presença de coletividades culturais dedicadas a outras searas ou atuantes no midiativismo (Movimento Mineiro de Circo, Plante uma Ideia, Ateliê Alcova Libertina, Fora do Eixo e Mídia Ninja) também ajudam a entender esse protesto como um mosaico dos diversos ativismos existentes na capital mineira, à época. De certa maneira, tal confluência não deixava de espelhar outro reflexo das Praias enquanto acontecimento

constituinte: a permanência de instâncias de reunião, interlocução e mútua colaboração

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O bloco Pena de Pavão de Krishna se caracterizou pela variação de seus desfiles que ocorrem tradicionalmente nos domingos de carnaval ao longo dos anos. Em 2013 o bloco desfilou no Bairro da Floresta, próximo ao Centro da Belo Horizonte; em 2014, no Bairro Jardim América, na Zona Oeste; em 2015, no Bairro da Lagoinha, próximo ao Centro; em 2016, no Bairro Jardim Pirineus, na Zona Leste; em 2017 e em 2018 no Bairro do Barreiro, na Zona Oeste.

96 entre uma variedade de coletividades presentes em sua cena ativista ao longo dos anos, indiretamente refinada pelo Movimento Fora Lacerda. Outra dimensão que reforça tal impressão é oriunda da motivação mesma do que ali ocorria: enquanto ato de solidariedade a uma mobilização então em andamento em um país e uma cidade situada a milhares de quilômetros da capital mineira, esse protesto evocava a existência de uma espécie de experiência de aprendizado e ressignificação perante outras lutas em andamento, diretamente atinente a contestações citadinas transcorridas em outros espaços e tempos.

Uma última informação trazida por essa reportagem permite o entrever de aspectos que singularizavam esse contexto na capital mineira: a fala de um participante entrevistado na matéria referindo-se à necessidade de se ―reinventar essa política analógica que vivemos‖. Será precisamente uma tentativa de reinventar a política na cidade de Belo Horizonte, no contexto delineado em 2013, que permite situar em meio a esse cenário o irromper de um acontecimento constituinte, de ordem particularmente diversa daquele ocorrido a partir das mobilizações das Praias da Estação, ainda que com estas relacionadas historicamente enquanto desdobramento indireto.

Poucos dias após essa pacífica manifestação ocorrida na Praça Duque de Caxias se iniciava a onda de protestos de rua na capital mineira naquela conjuntura. De modo a retraçar o que veio a tona em Belo Horizonte durante as Jornadas de Junho de 2013, uma primeira forma de aproximação decorre de algumas das próprias motivações que alguns dos entrevistados por essa pesquisa alegaram para sua participação naqueles protestos. Na narrativa do produtor de alimentos Ommar Motta41, sua participação serviu para um aprofundamento de seus entendimentos acerca do próprio funcionamento da cidade, e dos interesses envolvidos naquele contexto:

Fui mais pra ver as coisas acontecerem, e questionar elas: comecei a questionar a partir dali. Claro que, inicialmente, eu não tinha nenhuma reflexão sobre o que estava acontecendo, mas sabia que era alguma coisa - a FIFA está aqui no Brasil, o Estado de Exceção. Até como estudante de Direito: tudo o que estudei sobre soberania, países, formas de Estado, democracia - estava vendo que era bem falho, inexistente até certo ponto, pra alguns. Essa coisa da FIFA, do Estado de Exceção, da repressão que foi criada no entorno duma empresa pra gerar lucro pra pessoas estrangeiras, tudo isso me deixou, de certa forma, indignado: disposto a tentar lutar contra isso, mas realmente não sabia como. Não até passar essa onda, e começar a ter tempo pra poder entender o que aconteceu.

97 As recordações dos motivos pessoais de Motta em se juntar aos atos de rua desencadeados em junho de 2013 iluminam diversas dimensões da dinâmica específica dos protestos ocorridos na capital mineira. Numa primeira camada, chama atenção a relação que estabelece entre a repressão que ali se deu aos manifestantes e a FIFA, entidade internacional privada responsável pela organização de megaeventos esportivos no país à época: segundo Motta, era em defesa dos interesses dessa instituição, durante o transcorrer da Copa das Confederações de 2013, que se encontram as razões preponderantes do brutal comportamento adotado pelas forças policiais para com os atos de rua na cidade. Para o mesmo, tal repressão era um reflexo de uma espécie de Estado de Exceção imposto em Belo Horizonte durante este megaevento, pautado por todo um arcabouço de relações obscuras entre os poderes estatais e os interesses privados agregados no entorno da FIFA e seus patrocinadores.

Em certo sentido, a centralidade que Motta confere à realização da Copa das Confederações de 2013, e a forma como tal megaevento foi um elemento de especificidade das pautas dos protestos na capital mineira, parece se confirmar de múltiplas maneiras. Primeiramente, conforme se nota na notícia concernente à manifestação realizada na Praça Duque de Caxias, pela presença de uma coletividade com atuação inteiramente dedicada à contestação dos impactos das políticas públicas executadas na cidade para a recepção destes megaeventos: o COPAC. Uma segunda dimensão de atestar tal centralidade se revela pelo fato de que a maioria dos atos de protesto ocorridos em Belo Horizonte em junho de 2013 tiveram como destinação as imediações do Estádio Governador Magalhães Pinto, em dias de realização de partidas da Copa das Confederações.

Por fim, no que tange ao ―Estado de Exceção‖ que menciona em suas recordações, cumpre notar que para a realização destes dois megaeventos – Copa das Confederações de 2013 e Copa do Mundo de 2014 -, o governo federal aprovou em 2012 uma controversa legislação: a Lei nº 12.663, popularizada à época sob o nome de Lei Geral da Copa. Promulgada pela Presidência da República em 5 de junho de 2012, a primeira característica que delineava a excepcionalidade desta legislação se dava em sua abrangência temporal de vigência: se situava em vigor exclusivamente durante os períodos em que transcorreram a Copa das Confederações de 2013 e a Copa do Mundo de 2014. Acerca desta legislação, pode-se dizer que seus efeitos se davam tanto no que tange ao tratamento jurídico excepcional dado à FIFA, quanto em seus impactos diretos sobre as cidades que sediaram os eventos, considerando sua conjugação com os

98 processos de remodelação então executados em seus territórios (JENNINGS, et. al.; 2014).

No primeiro caso, três pontos foram determinantes: a regulação de diversos aspectos visando proteger a exclusividade de comercialização dos patrocinadores destes megaeventos, durante a vigência dessa legislação, em áreas delimitadas no entorno dos estádios, ferindo diretamente pontos do Código do Consumidor brasileiro; as restrições concedidas à comercialização de ingressos de meia-entrada, em completo desacordo com o Estatuto do Torcedor; a concessão de variadas isenções fiscais e imunidades jurídicas para a FIFA, durante o transcorrer das competições.

Já no segundo caso, pode-se dizer que o próprio abrigo dado pelo país aos megaeventos organizados por esta entidade deu ensejo à promoção de legislações municipais e estaduais específicas que, em certo sentido, ampliavam os efeitos práticos locais da Lei Geral da Copa. Conjugando-se com um panorama de execução de grandes obras de intervenção urbana planejadas para esses megaeventos, criou-se um cenário que não raramente serviu para o aprofundamento de relações obscuras entre poderes estatais e interesses privados - particularmente aqueles atuantes nos setores de construção civil, turismo e transportes. Além dos prejuízos causados tanto a circuitos econômicos de pequena monta nos entornos dos estádios, quanto aos erários dessas cidades decorrentes das isenções fiscais concedidas, também é importante mencionar os impactos causados pelas grandes obras viárias então executadas: envolveram a desapropriação e desestruturação de comunidades inteiras, em processos de remoção profundamente marcados por graves violações aos direitos de seus habitantes.

Diante de uma cidade como Belo Horizonte, historicamente marcada por concepções particularmente autoritárias e excludentes com a qual a institucionalidade local se relacionou com seus espaços e seu cotidiano, a condição de ser uma das sedes desses megaeventos servia para aprofundar ainda mais sua contradição estabelecida - e os conflitos dela decorrentes. Nas circunstâncias específicas da capital mineira, também se pode dizer que outros fatores locais se faziam presentes, todos em sentido de agravar o quadro delineado pelo fato de sediar tais megaeventos, conforme atesta a reportagem abaixo do jornal Hoje em Dia:

Transparência é pequena nos gastos das copas em Belo Horizonte e Minas

Minas Gerais e Belo Horizonte possuem nível de transparência apenas mediano quando o assunto são as intervenções e investimentos na Copa das

99 Confederações e no Mundial de 2014. Mesmo assim, ainda estão bem colocadas nacionalmente.

A avaliação é do projeto ―Jogos Limpos Dentro e Fora dos Estádios‖, idealizado pelo Instituto Ethos e que serão apresentados hoje no Seminário Transparência na Copa 2014: Como está esse Jogo?, no auditório da Controladoria Geral da União (CGU) em Belo Horizonte.

O que norteou o estudo foi o acesso da população aos dados de investimentos para as copas, se esses canais funcionam bem e fornecem dados para o