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DESCREVENDO A TRAJETÓRIA DO PESQUISADOR NO CAMPO: a

Uma das preocupações iniciais ao realizar esta investigação foi a de evitar o olhar “ofuscado” (Cf. Dauster, 1989), procurando descentrar a nossa perspectiva, colocando o eixo no universo pesquisado. Assim, procuramos buscar as significações do outro, e admitir lógicas diferentes das nossas, apesar de termos tido dificuldades em concretizar tal princípio.

Desde a definição do tema a ser investigado - que nos levou a um estudo acurado da literatura concernente com o intuito de levantar aspectos a ele relacionados e a outros ainda por explorar-, até à formulação do problema, à estruturação das questões orientadoras da coleta de dados e à determinação de categorias iniciais de análise, tentamos nos esforçar para manter a atenção sempre aguçada quanto ao atendimento ao princípio da relativização, quanto a uma descrição densa, quanto à clareza sobre o papel da teoria na pesquisa e quanto à necessidade do distanciamento por meio do movimento de estranhamento para garantir a objetividade da pesquisa.

Nesse sentido, tomamos cuidado com a questão da relativização, lançando-nos num esforço sistemático, num movimento de estranhamento, para analisar uma situação familiar como se ela fosse estranha, “estranhar o familiar”, confrontando variadas versões e interpretações de fatos e situações por nós observados.

No momento seguinte, na fase do trabalho de campo, apesar de termos partido de alguns pressupostos teóricos, tentamos não ficar presos a hipóteses rígidas, na tentativa de estarmos sempre abertos, flexíveis e atentos ao aparecimento de sinais que nos levassem a novas formulações, novas perspectivas de análise e mesmo a novas hipóteses. Este foi o momento da observação, cuja tarefa não foi “ver” a totalidade do outro e nem definir as “coisas” específicas a serem observadas, mas sem dúvida, foi o momento de “fazer a mediação entre a teoria e a experiência vivida em campo, de dialogar com os referenciais de apoio, e então, rever princípios e procedimentos e fazer os ajustes necessários” (André, 1995, p. 47). Tínhamos necessidade de “treinar” para “enxergar mais”, de nos abrir para os detalhes que ainda não se encaixavam em nenhum esquema e atentar para os indícios dados pelos atores que pudessem indicar novas relações significativas.

No processo de análise, o papel da teoria foi decisivo por nos “fornecer suporte às interpretações e às abstrações que vão sendo construídas com base nos dados obtidos e em virtude deles” (André, 1995, p. 47). Nessa fase, tentamos relacionar os conceitos teóricos com os fenômenos observados. Vale ressaltar que em todas as fases da pesquisa a teoria esteve presente e as categorias teóricas não foram definidas de antemão em termos de condutas ou efeitos observáveis.

Para garantir a objetividade de nosso trabalho, tentamos resgatar uma das premissas mais tradicionais das ciências sociais: a necessidade de um distanciamento tanto social quanto psicológico do objeto. Para que se garanta esse distanciamento, André (1995) propõe a triangulação dos procedimentos metodológicos sendo filtrada pelo referencial teórico. Neste sentido, nossa “triangulação dos procedimentos metodológicos” (Cf, André, 1995) se traduziu na busca de uma diversidade de alunos, professores, técnicos e outros; de uma variedade de fontes de informações, como entrevistas, observações, consulta a documentos; e de diferentes perspectivas de interpretação dos dados – pedagogia, antropologia, sociologia, psicologia, política, filosofia, história, lingüística.

Mesmo tendo ciência de que o fenômeno da violência se manifesta no cotidiano escolar, familiar e nos grupos de sociabilidade, a pesquisa privilegiou a escola. O papel dos novos modelos de família no processo de socialização primária e a influência dos grupos de sociabilidade sobre os jovens foram considerados, sim, mas numa abordagem indireta. Dessa forma, o espaço social privilegiado neste trabalho foi a escola.

Tendo em vista os objetivos da investigação, de analisar as representações que os alunos de classe média e classe média alta fazem da violência entre pares, a coleta de dados foi feita em duas escolas, sendo uma da Rede Pública Municipal de Ensino e outra da Rede Particular de Ensino, ambas na cidade de São Paulo. Ambas escolas situam-se em regiões privilegiadas e atendem a uma clientela considerada de classe média e/ ou da elite.

A seleção e escolha das escolas foram realizadas com base nos seguintes critérios: atendimento a alunos de classes médias e segmentos da elite; de uma pertencer à rede pública e outra à rede privada e de situar-se na cidade de São Paulo, Estado de São Paulo. A escola pública municipal se situa em região/ bairro da zona norte de São Paulo, de boa qualidade de vida a qual denominaremos inicialmente de escola “Wenceslau”. Além disso, tanto a escola da rede particular de ensino – a qual denominamos de escola “Menotti” como a da rede pública municipal de ensino, são consideradas como referências de boas escolas, dentro das suas categorias de escola privada ou de escola pública.

Em contato inicial com as escolas, definiu-se pelos alunos de oitavas séries porque, segundo os professores e coordenadores consultados, é nessas séries que incidem os casos de violência entre os grupos de pares. Segundo esses profissionais da educação, os alunos do Ensino Fundamental das séries iniciais ainda são crianças, mais maleáveis e sensíveis ao controle da escola e os de Ensino Médio estão mais voltados para o vestibular, mais interessados nos conteúdos e menos atraídos pelas brincadeiras no interior da escola. Por isso, foram entrevistados os alunos de oitavas séries do Ensino Fundamental e seus respectivos professores, equipe técnico-administrativa e inspetores de alunos.

A coleta dos dados de campo foi feita basicamente por meio das técnicas de pesquisa: observação, entrevistas e consulta à documentação.

Houve opção de entrevistas mais abertas, nas quais os atores pudessem dialogar. Assim sendo, as entrevistas foram individuais, com base em roteiros previamente definidos, respondendo aos objetivos do estudo, mas respeitando-se a sua flexibilidade. Dessa maneira, em alguns momentos houve desvios de direção do roteiro, seguindo os movimentos dos discursos dos indivíduos. Os respectivos alunos entrevistados puderam se manifestar de maneira espontânea, aberta, franca, sem constrangimento algum, dando

Os alunos foram observados em situações diversas: em salas de aulas, corredores, pátio - recreios, quadras, área do portão da entrada e quarteirão em torno da escola. A observação buscou o acesso às situações habituais e voltou-se para a captação das relações entre os membros da escola.

Nas instituições selecionadas para o desenvolvimento das entrevistas, solicitamos aos coordenadores a seleção de alguns adolescentes de oitavas séries para comporem o cenário da pesquisa. Alguns critérios foram levantados na elegibilidade dos adolescentes: adolescentes entre catorze e quinze anos, por se acreditar que nessa faixa etária eles apresentem certo grau de maturidade para a reflexão sobre o tema; adolescentes de ambos os sexos; disponibilidade para participar da pesquisa e certa facilidade com a linguagem, pois este seria o instrumento de trabalho utilizado e que fosse dois de cada gênero, para não haver interferência neste sentido.

Para a realização desse estudo utilizamos a entrevista semi-estruturada. Seguimos um roteiro como uma possibilidade de maior vinculação e interação investigador-investigado, por considerar, tal como indica Minayo (1999, p.110), que “a fala é reveladora de condições estruturais, de sistemas de valores, normas e símbolos”.

Os tópicos do roteiro foram os seguintes:

- qualidades e problemas com a escola; - relações com a família e amizades;

- a imagem: como eu vejo os outros e como os outros me vêem – inclusive sobre apelidos nas escolas;

- relações com os jovens do bairro – gangues, comandos, drogas, grupos de esporte lazer;

- o envolvimento com o fenômeno da violência: já humilhou ou foi humilhado por alguém - já foi ameaçado e ameaçou – agrediu física e verbalmente alguém e foi agredido - apanhou e bateu em alguém;

- o cenário – como palco de violência e - perspectivas de futuro.

A criação desse roteiro teve como objetivo servir como um eixo norteador para o desenvolvimento da pesquisa. Cabe salientar que utilizamos o gravador como instrumento necessário à captação e conservação de todo o conteúdo das falas. As entrevistas foram gravadas e transcritas posteriormente pelo próprio pesquisador.

Para a realização desta pesquisa, optamos por entrevistar quatro adolescentes de cada unidade escolar, sendo dois meninos e duas meninas, respectivamente, na medida em que, tal como indica Minayo (1999), na pesquisa qualitativa não é a quantidade de sujeitos que garante a qualidade do estudo, mas o processo de construção do conhecimento, que ocorre a cada momento, a cada novo encontro e se dá através da interação entre pesquisador e pesquisado.

Não houve um número de encontros previamente determinado, apenas determinamos inicialmente que as entrevistas não passariam de uma hora, para que os alunos não se cansassem. Optamos por esgotar o assunto com o adolescente sempre de acordo com o objetivo da pesquisa, respeitando também o interesse deste, na medida em que se percebeu a necessidade de continuar ou não a conversa. Salientamos também que a partir de um roteiro previamente estabelecido, as demais questões para as entrevistas feitas foram surgindo a partir da primeira, isto é, a partir do contexto em que as mesmas iam ocorrendo.

O contato com os adolescentes foi bem cauteloso. Na escola pública as entrevistas ocorreram na sala da coordenação pedagógica enquanto que na escola privada, na sala da orientação pedagógica. A pesquisadora apresentou-se como pesquisadora da PUC-SP, dizendo estar realizando uma pesquisa sobre os jovens e a questão das manifestações de violências nas escolas, mais especificamente sobre o bullying escolar. Asseguramos ao adolescente em cada entrevista que as informações fornecidas não seriam utilizadas de forma alguma para prejudicá-lo, pedindo sempre, antecipadamente, que os responsáveis assinassem uma autorização para que o adolescente fosse entrevistado. Optamos por utilizar nomes fictícios, escolhidos previamente pelos entrevistados, a fim de preservar sua identidade. Ressaltamos ainda que tanto numa escola quanto em outra a primeira entrevista foi menos descontraída do que as demais em que o clima de confiança e descontração imperou.

Por entender que as escolas, por suas próprias formas de organização e de funcionamento, são produtos de sua própria história e dos sujeitos que ali convivem,

profissionais como inspetores, orientadores, coordenadores pedagógicos, assistentes de direção e diretores) seja extremamente relevante, uma vez que são co-partícipes das manifestações de violência na escola. Portanto, foram realizadas entrevistas com esses profissionais também, as quais duraram em média uma hora.

Salientamos que, com o objetivo de refazermos as trajetórias das escolas, tivemos total acesso por parte de ambas as escolas à documentação necessária ao trabalho, sem qualquer tipo de problema. Na escola privada somente a partir da autorização da Direção Pedagógica da escola foi que tivemos acesso direto aos documentos referentes aos alunos – AO (Avisos de ocorrências), Projeto Pedagógico da escola e Regimento Escolar -, os quais encontravam-se na secretaria da escola, enquanto que os dados sobre os alunos entrevistados foram fornecidos tanto pela orientadora pedagógica quanto pelos próprios alunos nas entrevistas. Da mesma maneira ocorreu na escola pública, tivemos acesso direto aos históricos escolares dos alunos entrevistados, às fichas de ocorrências com notificação de indisciplina e/ ou violência somente com autorização da Direção e/ ou da assistente de direção e os documentos foram consultados na própria secretaria da escola. O Projeto Político Pedagógico da escola nos foi fornecido pela coordenadora pedagógica bem como o Regimento Escolar. As demais informações foram obtidas por meio das entrevistas. Ressaltamos ainda que um dos elementos facilitadores de total acesso às unidades escolares se deve ao fato da pesquisadora ter filhos na unidade escolar da rede privada e já ter trabalhado na unidade escolar da rede pública de ensino respectivamente34.

34 Ressaltamos ainda que ao consultarmos a Coordenadoria de Ensino da escola Municipal pesquisada, não

encontramos um documento específico à sua fundação. Consta na unidade escolar apenas um documento, que foi elaborado pela atual direção da escola, o qual contém algumas informações sobre a sua fundação. Portanto, todas as datas fornecidas no que se refere à escola Wenceslau, são aproximadas e pouca história temos da sua fundação. Diferentemente da escola da rede privada de ensino, que além de nos fornecer toda documentação, possibilitou nossa consulta a uma documentação antiga desde a época da sua fundação, no início do séc. XX, no próprio museu da escola.

CAPÍTULO 5

ESPAÇOS ESCOLARES

5.1. CARACTERIZAÇÃO/ APRESENTAÇÃO DOS ESPAÇOS ESCOLARES: