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OS ALUNOS ADOLESCENTES DA ESCOLA MENOTTI: a violência

Observamos no discurso dos alunos entrevistados na escola Menotti um elemento central de significação: a violência vista da redoma de vidro, de fora, como se eles a observassem por uma janela, sem sofrerem quaisquer conseqüências. Falar de violência sem vivenciá-la mais concretamente parece, num primeiro momento, algo que causa certo estranhamento e os fazem distanciar-se do problema. Para isso os alunos buscam sentidos próprios de violência a partir de um imaginário coletivo e de significados sociais adquiridos através das violências vivenciadas. Recorrem a poucas situações para marcar o entendimento do fenômeno:

Ah, bater na pessoa, agressão física... a violência verbal também, se é uma brincadeira entre amigos, não é violência, não tem que ser suspenso... eu concordo com meu amigo... mas pode ser o começo, geralmente de uma agressão verbal, logo vem a física, que é outra violência, você começa xingando, vai piorando, a agressão física já é o começo, já agressão verbal vai crescendo, crescendo, e a acaba se tornando, levando pra agressão física forte, um vai xingando o outro e eles acabam se batendo, isso pra mim é violência mesmo. (sic) (Guilherme, oitava série)

Já presenciei violência sim... eu tenho um amigo que disse se ele ver um EMO na rua ele mata... isso é violência sabe... um emo é tipo um apelido que um grupo tem e a maioria dos meninos são gays e... e meu amigo disse que mataria esses casos... sabe, as meninas também são bissexuais, sabia? Eles usam cabelo de lado, roupa xadrez, coisas assim... umas pulseiras assim, tudo preto mesmo... na época depois do pedala Robinho, veio o chora EMO... porque os emos são muitos chorões... ficam chorando a vida deles... eles são nojentos! (sic) (Fernanda, oitava série)

O sentido que o adolescente atribui ao fenômeno da violência está muito mais vinculado ao olhar do outro, ou seja, à mídia, aos colegas que se envolvem, ao grupo de amigos, do que propriamente com suas vivências. Por isto, quando se depara com manifestações de violência, sente-se inseguro na eminência do risco e do perigo. Tenta sempre justificar a violência do outro na desestruturação familiar, na falta de projeto de vida e mesmo na carência econômica:

Tem um grupo no bairro que eu moro que é conhecido como grupo de briga... eles são chamados de Família Moema... eu moro em Moema, eles são chamados de família Moema... eu não faço parte desse grupo, mas sou amigo deles, muitos deles são gente fina mesmo... nenhum deles estuda aqui na escola, eles estudam em escolas particulares, mas não aqui da escola... todos são da família... é um grupo que sai na rua, sai pra beber... se alguém briga com alguém do bairro ou com algum deles, eles batem mesmo, eles protegem o bairro... mas não precisa pagar nada, é só não mexer com eles, mas têm os AE, a família do Brooklin, também faz esse tipo de coisa, eu soube que esses grupos já brigaram entre si, mas não foi nada sério, não... sabe, eu só conheço gente da Família Moema, eu tenho um amigo que faz parte desse grupo, dessa turma... não conheço ninguém da família do Brooklin... eles são da periferia, coisa pesada... falta de grana, lá é só violência... aqui não... só o que a gente vê na TV, né?

(sic) (Guilherme, oitava série).

A centralidade dos discursos está na busca de encontrar uma justificativa para a ocorrência de situações violentas – são a família, as companhias e o uso de drogas os responsáveis pela violência juvenil. Atribuem à pobreza o desencadeamento do fenômeno, afirmando que “nas favelas ocorrem a maior parte dos casos de violência” (Carolina, oitava série).

Para esses alunos, a violência vista da janela, como no poema de Alberto Caeiro – heterônimo de Fernando Pessoa -, do outro lado o faz imaginar formas práticas de vida cotidianas violentas. Todo o seu significado de violência vem na interlocução com outros meios (particularmente a televisão) que acaba por converter-se em sentidos próprios para eles. Pesquisa realizada com adolescentes de classe média de Brasília revela que esses adolescentes tendem a ter experiências apenas em um círculo restrito, da família e dos amigos. A própria organização espacial da cidade auxilia a ausência de contatos com segmentos mais pobres da população e “quando a redoma se rompe, essa relação passa para o campo do inusitado, para uma realidade quase que virtual” (Waiselfisz, 1998).

A violência, particularmente a urbana, tem desencadeado sentimentos generalizados de medo e insegurança em todas as parcelas da população, quando esta atinge diretamente a vida das pessoas. Esses episódios violentos atingem uma dimensão ainda maior quando não fazem parte do cotidiano daqueles que estão acostumados apenas a presenciá-la da “redoma”:

Olha... violência a gente vê todo dia na televisão... favelas, policiais morrendo... mas não é só aqui no Brasil, não... Ontem eu vi no jornal nacional uma mulher e o marido foram assassinados na própria casa deles pelo sobrinho. Pode uma coisa dessa? Que... que horror, né? Que mundo estamos... (sic) (Fernanda, oitava série)

Percebemos que a violência que envolve esses adolescentes parece estar distante deles, como se não fizessem parte dela. A todo momento imputam à questão sócio- econômica a grande desencadeadora de processos violentos dentro e fora da escola. O desejo de alguém querer possuir algo material pode levar qualquer jovem, independentemente da sua classe social, a cometer delitos, e, segundo observamos na fala desses alunos, uma culpabilização das diversas manifestações de violência ao envolvimento dos jovens com as drogas:

Ah... , tem sim... os mais ricos com os mais pobres aqui disputam espaços... são todos filhinhos de papai, não passam fome... drogados mesmo... na periferia eles usam a droga pra ter dinheiro, pra roubar, matar, porque são pobres... aqui na escola eles (colegas) compram mesmo... não aqui dentro da escola, mas lá fora... tudo bem feito... escondido mesmo... nem os vigias sabem quem é... eu acho que é um caminho muito errado... acho um caminho... eu já vi gente fumando lá fora, mas não aqui dentro da escola... tem gente que estudou na escola que vende maconha, não é ninguém da periferia que vem vender, é o amigo de um amigão meu mesmo que vende, acho que o Estafe... Estafe, acho que é esse o nome dele... ele vende para os alunos, mas os alunos não se drogam aqui na escola, mas fora... eles não podem entrar na escola por serem ex-alunos, por isso é tudo lá fora, não aqui dentro do colégio... eu acho isso super errado, tanto quem vende quanto usa a droga... mas vender é melhor do que usar, porque usar é pior... (sic) (Lucas, oitava série)

Segundo os alunos, a mídia também tem contribuído com o agravamento do problema, na medida em que veicula notícias que dão ênfase a determinados episódios violentos, e isso tem feito com que as pessoas só pensem em violência. O adolescente diz que gosta de ver televisão, programas juvenis, mas diz também que na hora em que

liga a televisão somente observa casos de violência e que não gosta da “violência pela televisão e em lugar algum” (Guilherme, oitava série).

Quando questionados sobre suas perspectivas de futuro e sobre a solução para a violência, encontram na educação, na escola e na família o instrumento de mudança para esse cenário violento. Dizem que somente através da educação familiar e escolar seria possível alterar a situação, pois os jovens passariam mais tempo na escola, sem permanecerem na rua:

Não... acho que solução é educação... educar desde pequeno... se o pai é analfabeto fica difícil... por isso tem que educar desde pequeno mesmo... eu acho que educação é tudo... bandido pra mim tinha que ser morto, não ir pra cadeia, não deveria sobrar nenhum vivo... a solução pra violência é a escola, a gente tem que ficar mais tempo nela (sic) (Fernanda, oitava série)

Olha, eu acho que hoje o maior problema da violência é a família... muitos pais trabalham fora, trabalham muitos, e as crianças ficam sozinhas... sabe, este tipo de coisa assim... eles também não dão muito limites pros filhos... os filhos do rico ficam com empregadas, e o filhos dos pobres ficam na rua, marginalizando mesmo... isso ta errado... acho que os dois sofrem, estão desamparados... eu acho que a família teria que ajudar... é importante a escola também continuar, dar formação, mas antes a família tem que ajudar... dar educação... dar limites. (sic) (Gabriela, oitava série)

Também em vários momentos mencionam que desarmariam a sociedade, recolhendo todas as armas, criticando com veemência a aprovação da venda legal de armas após o referendo favorável:

Eu... eu falei pro meu pai... não gosto de arma... não deveria poder vender arma em lugar nenhum... se não tem, não mata, não brinca... a gente vive vendo pela televisão esses casos... gente se mata, criança pega arma do pai e mata o irmão... ninguém faz nada... ainda bem que na minha casa não tem. (sic) (Lucas, oitava série)

7.2. OS ALUNOS ADOLESCENTES DA ESCOLA WENCESLAU: a violência