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OS ALUNOS ADOLESCENTES DA ESCOLA WENCESLAU E SUAS

No esforço de responder às mesmas questões feitas à escola Menotti, quanto aos alunos e suas diversas relações, passamos a apresentá-las.

A idade dos alunos desta unidade escolar varia de 11 a 15 anos também. Não há reprovação nesta escola, pois o curso não é seriado. Os alunos ingressam com sete anos na primeira série do Ensino Fundamental e vão até à oitava série. Diferentemente da escola Menotti, esta escola não passou para nove anos o ensino fundamental a partir de 2007, porém reduziu de quatro períodos de aula para três, grande preocupação dos professores, pois acabaram diminuindo suas cargas horárias de trabalho.

Quadro 2 – Características sócio-familiares da escola Wenceslau 41

RESIDÊNCIA PAI MÃE

NOME IDADE NASCIMENTO LOCAL DE NASCIMENTO POSIÇÃO DE

BAIRRO TIPO RES. FORMAÇÃO OCUPAÇÃO FORMAÇÃO OCUPAÇÃO

Fabiana 15 anos São Paulo – SP 1ª filha (irmão de 13 anos) Sta.Ângela – Freguesia do Ó Casa de sete cômodos 04 Administração de empresas Comerciante – autônomo Ensino médio completo Do lar

Jurema 14 anos Feira de Santana- BA 3ª filha de 5 irmãos (irmãs de 33 e 30 anos) irmãos 19 e 5 anos Sta. Ângela – Freguesia do Ó Casa de seis cômodos 05 Ensino Fundamental Incompleto Pintor – falecido Ensino Fundamental Completo Governanta de uma casa

Marcelo 14 anos São Paulo – SP 2º filho (irmão de 16 anos)

Carumbé – V. N. Brasilândia Sobrado de dez cômodos

05 Ensino Médio Completo

Motorista de táxi – autônomo Ens. Méd. Completo – cursa 2º ano de Enfermagem Técnica de Enfermagem

Pedro 14 anos São Paulo – SP

2º filho de 03 irmãos (irmã de 20

anos e meio irmão por parte de mãe de

07 anos) Sta.Ângela – Freguesia do Ó Casa de seis cômodos 04 Ens. Méd. Completo – cursa 3º ano da Faculdade de Administração Gerente das Casas Bahia Ensino médio completo Cabeleireira - autônoma

A maioria dos alunos vive com as famílias. A situação profissional dos pais mostrou uma multiplicidade de ocupações. A maioria mora no próprio bairro, em casas próprias, que se caracteriza como tipicamente de classe média.

Vários destacaram a relação com os pais e mães como sendo boas, com raras exceções, porém também sentem a falta das mães e reconhecem seu esforço em trabalhar. As meninas ajudam na organização geral da casa e nos cuidados com os irmãos mais novos:

Minha mãe? Minha mãe trabalha numa casa como governanta de um político, e só vem pra casa nos finais de semana... eu sei que ela precisa trabalhar... a gente tá com dificuldade pra viver... eu cuido da casa... e, do meu irmãozinho menor, né... ele é fofo, eu adoro ele... mas eu queria mesmo poder ajudar mais minha mãe... ela sente falta da gente e a gente dela... ela ajuda também minha irmã, ela tá desempregada.

(sic) (Jurema, oitava série)

6.2.2. Relação aluno e escola: formação intra e extramuros escolares

A escola não tem ensino médio e, nesse sentido, os alunos são obrigados a se transferirem para outras escolas – normalmente escolas estaduais - para continuar seus estudos. Segundo relato de professores e equipe técnico-administrativa, o fato de não existir retenção na escola - os alunos são automaticamente aprovados, passando independentemente da avaliação-, é um dos grandes motivos pela ocorrência de situações de violência, indisciplina e da falta de compromisso por parte dos alunos:

Acho que toda vez que a gente lida com pessoas, os problemas existem, né, porque... ah, existe toda uma situação de relacionamento, então eu acho que realmente na escola tem pessoas que pensam diferente, são diferentes e com diferenças, os alunos vêm de diferentes famílias e eles têm os valores diferentes, então as diferenças que eles vão conviver nas famílias, às vezes não são tão grandes, mas aqui na escola eles vão aprender a conviver com muitas diferenças, e isso obviamente é uma coisa que a gente trabalha muito com eles, a respeitar essas diferenças.Eles precisavam estudar mais, terem mais compromisso também... mas eles dizem que não estudam porque vão passar... não têm... não são bons, eles não deviam fazer isto. (sic) (Carmem, professora de Ciências)

Bom, quando ele não consegue, a gente procura dar condições pra que ele se adapte e damos suporte, conversando com ele, e... né, fazendo com que ele entenda que por mais que ele tenha dificuldade lá fora, na casa dele, ele tem que pensar que aqui tem regras, a gente trabalha no sentido de fazer com que ele respeite essas regras, todo início do ano ele é lembrado dessas regras, e... nós, quer dizer eu como assistente, ele pode destoar, ele pode me escutar, mas ele tem que respeitar a área disciplinar, estudar, mesmo que não seja reprovado, aí é que eu trabalho muito com a Roseli, a diretora, procurando, procurando sempre falar a mesma linguagem, mediando os auxiliares, mediando o aluno... dizendo que o importante é ele ter compromisso, responsabilidades com os estudos, mesmo que ele não seja reprovado. (sic) (Carmela, assistente de direção)

Ressaltamos ainda que, mediante o insucesso escolar dos filhos, os pais são notificados e chamados à escola e muitas vezes acabam alegando não saberem mais o que fazer para melhorar essa situação. Ameaçam tirar os filhos da escola, colocarem para trabalhar ou mesmo tirarem seus videogames, proibindo-os de assistir televisão e irem às festinhas como forma de punição. Muitos pais atribuem, segundo a coordenadora Conceição, o fato da escola não reprovar os filhos estarem agindo desta à “os pais sempre reclamam dizendo que a culpa também é nossa, que deveríamos reprovar esses alunos”. Um dado interessante de ser mencionado é que essa escola recebe um número considerável de alunos que vieram de escolas privadas e cujos pais não têm mais condições de pagar Outra questão é que essa escola também tem um número de alunos que foi reprovado em escolas privadas – nas quais as retenções em ainda existem - e muitos desses alunos são considerados alunos “problema” e “indisciplinados”, conforme nos relatou uma profissional da equipe técnica:

Bom, é... eu acho uma situação complicada quando você observa, nós já tivemos alguns casos, mas o problema ocorre quando a pessoa não quer que você faça nada, não quer que eu como auxiliar faça alguma coisa, porque isso pra ela só vai piorar as coisas, isso a criança pediu, a mãe diz não e vai fazer, cria-se ali um impasse, a família quer que eu tome uma providência, e o aluno mesmo não quer, muito bem, eu procuro atingir muito mais o aluno bagunceiro, problema, eu procuro ter uma, uma atitude de não ficar passando a mão na cabeça... ele é muito bagunceiro, indisciplinado mesmo... veio de uma escola privada boa, só pra não repetir. (sic) (Janete, auxiliar de direção)

6.2.3. Relação aluno e aluno: formação dos grupos de pares - amizades na e fora da escola

Um dos aspectos que chama a atenção é a importância que os alunos dão ao grupo de amizades da escola, não só como círculo social, mas como um elemento de apoio a possíveis divergências pessoais.

Lógico, a força maior é do grupo, ninguém age sozinho... tem que ter a força do grupo, senão a gente fica sozinho, e daí? Junta assim, duas, três, nunca ninguém vai sozinho... junta um grupão assim... os meninos junto ao redor do Pedro um monte, nunca um só, já as meninas dizem umas pra outras... você fez isto mais aquilo e dedo na cara... sabe, ninguém agüentar, aquele caso, a minha amiga começou a chorar, né... não agüentou tanta menina junto... até hoje ela diz que as meninas odeiam ela... tem gente que me odeia sem motivo, porque eu não fiz nada, disse a minha amiga... essa minha amiga foi perseguida por todas essas meninas... eu adoro o meu grupo ele é bom... a gente só age junto. (sic) (Fabiana, oitava série)

Nosso grupo são pessoas super legais, a gente joga bola, faz brincadeiras no grupo, é falante... no nosso grupo ele (o colega Paulo) é o mais quieto, mas com a gente ele fala... o único problema é que ele se acha muito, sabe? O problema de se achar muito é que sempre você fica por último nas coisas... ele se acha mesmo... é isso, eu acho que por isso que o pessoal da classe fez essa comunidade contra ele... a gente tem um grupinho aqui na escola que mora no mesmo bairro... e ele se acha muito mesmo... mas ele se acha, mesmo que ninguém ache nada, ele acha... ele se o bom, bom mesmo, mas ele não está com essa bola toda não... mas ele acha... mas ele é do nosso grupo... sabe, todo mundo gosta de festinhas dentro e fora da escola a gente é amigo.

(sic) (Marcelo, oitava série)

Nesta escola, diferentemente da escola Menotti, a maioria dos amigos se forma na rua e no bairro e não somente na escola. A maioria reside no próprio bairro da escola, com raras exceções e as ruas parecem cidade do interior, com poucos prédios e muitas casas assobradadas ao redor da escola. Acreditamos que essa disposição física favoreça o contato entre os amigos.

Apesar da maioria dos alunos ser de segmentos de classes médias, há diferenças sociais em evidência e por isso a formação de grupos de iguais torna-se muitas vezes mais difícil. Diversamente do Colégio Menotti, em que a maioria está inserida em grupos sólidos e fechados desde cedo, na escola Wenceslau as amizades são dispersas, temporárias e se constroem entre indivíduos.

Outra declaração dos adolescentes, com tons negativos, a respeito das amizades na escola, se refere à falsidade, à falta de fidelidade, à falta de cumplicidade. Na escola eles têm os verdadeiros amigos, eles se entendem, se solidarizam e a cumplicidade é enorme:

Meu grupo é... não é muito grande... a gente sai todo dia... ou quase todo dia né... pra eles eu sou legal, ela mora perto da minha casa, aqui perto da escola, ela é bacana mesmo... fica pensando se não morasse aqui, se eu seria assim né... tem gente muito falsa nesta escola, as meninas são assim mesmo... sou... então... eu não tenho um único grupo de amigos, entendeu? Eu... eu tenho vários amigos, então, esses grupos... depende, tem uma menina que é muito minha amiga, faz parte das tímidas, né, então eu saio com ela, mas eu saio também com o grupo das populares, das extrovertidas, aí eu sou extrovertida com elas... extrovertidas, mas são mais falsas... tal... daí eu vou com outro grupo e ajo como elas são né... sei lá, sabe... tipo eu tento ser amiga de todo mundo, eu participo de todo grupo. (sic) (Jurema, oitava série)

Os jovens da escola Wenceslau assim como os da escola Menotti preferem “ficar” a namorar, porém os que namoram, como no caso da aluna Fabiana que já está namorando há um e meio com um rapaz do bairro, usa aliança de compromisso. Em todos os espaços da escola é possível “ficar”, diferentemente da escola Menotti. Na escola Wenceslau o namoro é permitido, pode-se beijar, abraçar e trocar carícias, “com respeito e limites”, segundo nos relatou o aluno Marcelo:

A gente aqui fica com as meninas mesmo... elas são boas, amigas mesmo... eu até já fiquei com a Maura outro dia... ninguém diz nada, a gente pode beijar... falar, só não dá pra pegar... (risos)... daí a Janete (auxiliar) fica uma fera... briga mesmo...

(sic) (Marcelo, oitava série)

Os cursos extracurriculares mencionados pelos alunos entrevistados como sendo os mais praticados foram os cursos de inglês e o de informática. Todos reconheceram a importância desses cursos nas suas vidas e do estimulo das famílias para que eles os façam, com exceção da aluna Jurema, que alegou a mãe estar “passando por dificuldades financeiras” e dela ter que ficar tomando conta do irmão mais novo. Ressaltamos que a mãe de Jurema é governanta na casa de um político famoso e ganha, segundo a aluna, um “bom salário”, mas a mãe tem ajudado na manutenção da casa da irmã mais velha que tem duas crianças e está desempregada.

Diferentemente da escola Menotti, em que todos os alunos declaram ter empregada doméstica para ajudarem nos afazeres da casa, na escola Wenceslau nem todos declararam a presença de tais funcionários, a exceção de dois alunos que mencionaram tê-los: Pedro e Fabiana que disseram ter empregada doméstica para ajudar as respectivas mães.42

42 A questão das drogas não fez parte central deste trabalho, mas é importante reconhecer a sua importância na vida

PARTE III

AS MANIFESTAÇÕES DE VIOLÊNCIA NA ESCOLA

Não Basta

Não basta abrir a janela Para ver os campos e o rio. Não é bastante não ser cego Para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma. Com filosofia não há árvores: há idéias apenas. Há só cada um de nós, como uma cave. Há só uma janela fechada, e todo mundo lá fora; E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse, Que nunca é o que se vê quando se abre a janela

Alberto Caeiro 43

CAPÍTULO 7

OS SENTIDOS DE VIOLÊNCIA PARA OS ALUNOS

7.1. OS ALUNOS ADOLESCENTES DA ESCOLA MENOTTI: a violência vista