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Descrição dos dados de acordo com a abordagem da Fonologia Entoacional Autossegmental-métrica

5 DESCRIÇÃO DOS DADOS

5.2 Descrição dos dados de acordo com a abordagem da Fonologia Entoacional Autossegmental-métrica

Com o objetivo de se conhecer mais sobre a entoação nas duas línguas analisadas, nesta subseção são apresentados os dados do corpus sob a perspectiva da Fonologia Entoacional Autossegmental-métrica. Estudos recentes em ambas as línguas analisadas nesta pesquisa vêm sendo realizados de acordo com os pressupostos dessa teoria, tornando-se, assim, interessante considerar suas contribuições para as considerações desta pesquisa.

É importante salientar, em primeiro lugar, que o pressuposto teórico dessa perspectiva de análise advém de uma concepção gerativa de língua. Pierrehumbert (1980), em sua proposta original, procura estabelecer as características de uma gramática da entoação. Nessa gramática, a autora propõe que a entoação possa ser descrita considerando regras de boa formação para o contorno melódico que incluem a presença de três tipos de unidade: acento tonal, acento frasal e tom de fronteira. Esses três eventos tonais são marcados pela oposição H (high) e L (low) somente.

Um dos fatores mais importantes da proposta de interpretação fonológica do contorno entoacional de Pierrehumbert (1980) é possibilitar uma sistematização da massa fonética produzida. Para tanto, há o alinhamento dos tons (H e L) ao nível segmental da fala, por meio da hierarquia dos constituintes prosódicos, ou seja, os tons só podem ser alinhados a elementos que são cabeça dos constituintes prosódicos relevantes para o processo em análise; no caso da entoação, destacam-se a palavra fonológica, frase fonológica e a frase entoacional

(cf. seção 4.4). Vale notar que o elemento cabeça é o elemento forte na relação forte/fraco de cada nível fonológico (strong/weak) e que podem ser observados por meio da grade métrica (cf. proposta de LIBERMAN, 1975, para a descrição da entoação, seção 2.2.1 desta tese).

Enfim, é possível resumir que a descrição da entoação, nessa perspectiva, assinala eventos tonais ao material físico produzido oralmente levando-se em conta as regras de boa formação e as fronteiras dos domínios prosódicos.

Uma oposição essencial entre a descrição da entoação por meio da abordagem sistêmico-funcional e a que segue os princípios da Fonologia Entoacional AM é que a primeira descreve a configuração geral dos contornos melódicos por meio dos tons, suas unidades distintivas, já a segunda atribui valores fonológicos H e L a pontos específicos da massa fônica.

A relação entre os padrões entoacionais e os aspectos semânticos, sintáticos e pragmáticos por eles carreados não é estabelecida, na perspectiva da Fonologia Entoacional AM, por uma correspondência entre as unidades do nível fonológico e as unidades do nível léxico-gramatical de forma direta. Porém, essas relações podem ser compreendidas por meio de algumas generalizações, considerando as sequências de eventos tonais em final do constituinte prosódico da frase entoacional (tons nucleares) ou pela consideração de algumas características semânticas atribuídas aos eventos tonais de forma isolada (cf. subseção 4.4 desta tese).

Assim, algumas configurações para o PB já discutidas em Tenani (2002), Fernandes (2007), Moraes (2008) e Truckendrodt, Sândalo e Abaurre (2009) foram elencadas no Quadro 20.

Quadro 20 – Generalizações sobre os eventos tonais em PB

Categoria Configuração entoacional174

Declarativas neutras H+L* L%

Interrogativas de resposta sim ou não L+H* L% Interrogativas com pronome interrogativo H+ L* L%

Ordem H+L* L%

Tom continuativo L*+H L%

Oração com elemento focalizado L*+H L L%

Em primeiro lugar, pode-se notar uma característica específica do português brasileiro com relação às regras de boa formação dos contornos melódicos. Nota-se que, em enunciados

174

Os símbolos para a designação de acento tonal e tom de fronteira foram padronizados de acordo com o estabelecido na subseção 4.4.

neutros, o acento frasal não é atribuído; porém, ele pode aparecer em orações com elemento focalizado (cf. TENANI; FERNANDES-SVARTMAN, 2008), como pode ser observado nas sequências de tons referentes à primeira e à última categoria especificadas no Quadro 20.

Outro aspecto interessante a ser notado é que uma mesma configuração entoacional refere-se a três diferentes categorias no Quadro 20. A sequência H+L* L% pode ser encontrada em declarativas neutras, em interrogativas iniciadas por pronome interrogativo e em sentenças com função semântica de ordem.

Para notar as contribuições dessa notação de entoação para a análise dos padrões entoacionais do PB e do IA realizada nesta tese, um exercício metodológico de comparação entre os dois tipos de descrições propostas pode ser mais produtivo se considerar, então, as sequências de tons da descrição da Fonologia Entoacional AM e o sistema de tons da abordagem sistêmico-funcional.

Com relação ao grau de detalhamento da descrição realizada, vale notar que não serão consideradas algumas especificações na descrição da Fonologia Entoacional AM, como os tons em upstep ou downstep ou o alinhamento atrasado ou adiantado dos tons. Justifica-se essa escolha também pela não presença da descrição dessa tipologia de tom (upstep/downstep) na proposta precursora de Pierrehumbert (1980) e pela não função distintiva fonológica do alinhamento atrasado ou adiantado dos tons.

Em primeiro lugar, foram listadas as sequências de eventos tonais em posição nuclear (acento tonal e tom de fronteira) presentes no corpus em PB. Depois, procurou-se associar as sequências de eventos tonais aos tons descritos na subseção anterior, como pode ser constatado no Quadro 21, adiante.

No corpus, há mais de uma sequência de eventos tonais associada a um tom do sistema de Halliday (2005, p. 245-246). Uma observação importante nesse caso é a de que a divisão entre unidades distintivas é diferente em cada metodologia de análise, portanto, não é possível uma relação um a um. Por exemplo, na descrição de elementos focalizados prosodicamente há a presença de um tom frasal, não presente em declarativas neutras. Assim, no tom 1 figuram tanto a sequência de eventos tonais de uma declarativa neutra como de uma declarativa com foco marcado prosodicamente, assim, há mais de uma configuração para um mesmo tom distintivo da proposta de abordagem sistêmico-funcional.

Quadro 21 – Relação entre tom e sequências de eventos tonais em PB

Tom Sequências de eventos

tonais 1 H+L* L% L+H* L L% L+H H L% 2 L+H* L% L+H* H% 3 L+H* H% H+L* L% L*+H L% H +L* L L% L+H* L H% 4 L+H* L L% 5 H*+L L% 13 H+L* L% L+H* L%

Com relação às sequências de eventos tonais para o inglês, são elencadas, no Quadro 22, as configurações tonais relacionadas a algumas generalizações, sobre os aspectos sintáticos e semânticos, propostas por Pierrehumbert (1980).

Quadro 22 - Generalizações sobre os eventos tonais em IA

Categoria Configuração entoacional175, 176

Declarativas H* L L%

L*+H L H% Interrogativas de resposta sim ou não L* H H%

H* H H% H* H L% Interrogativas com pronome interrogativo H* L L%

Ordem H* L L%

Tom continuativo H* L H%

Oração com elemento focalizado H* L L%

Nota-se a presença de mais de uma configuração entoacional para algumas categorias elencadas no Quadro 22. Uma provável razão para isso é que, mesmo com o objetivo de buscar os elementos de uma gramática da entoação, ao propor a nova notação, Pierrehumbert (1980) faz algumas relações com descrições anteriores da entoação. Algumas das descrições

175 Os símbolos para a designação de acento tonal e tom de fronteira foram padronizados de acordo com o estabelecido na seção 4.4.

176

Na proposta inicial de Pierrehumbert (1980), a preocupação era com a sistematização de uma gramática da entoação; portanto era necessário definir quais as unidades de análise, quais tons poderiam estar em quais lugares dentro da unidade da frase entoacional. Ladd (2008), ao revisar o trabalho de Pierrehumbert (1980), destaca a importância das sequências dos eventos tonais, que havia sido mencionada pela autora em seus anexos (cf. LADD, 2008, p. 90).

mencionadas lidam com a observação dos contornos melódicos, relacionando-os a aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos. Por exemplo, a autora lista, para a classe das declarativas, duas sequências, uma neutra, H* L L%, e uma versão com o acréscimo de nuance de sentido de incredulidade, L*+H L H%. Assim, nos Quadros 21 e 23, a explicação para o uso de mais de uma configuração tonal por tom pode estar relacionada ou à amplitude de coberturas dos tons ou a características da notação que são significativas para uma proposta de notação e não para a outra.

Quadro 23 - Relação entre tom e sequências de eventos tonais em IA

Tom Sequências de eventos

tonais 1 H* L L% 2 H* H H% L* H H% H* H L% H+L* H H% L+H* L H% H* L H% 3 L* H H% H* L L% 4 H* L H% L+H* L H% 5 H*+L L L% 13 L+H* H H%

Um aspecto que chama a atenção no levantamento dos tons nucleares em IA em sua correspondência com o sistema de tons da descrição por uma abordagem sistêmico-funcional é a grande variedade de sequências para o tom 2.

Vale lembrar que, em IA, diferentemente do PB, há uma oposição entre interrogativas polares (com a inversão do sujeito para após o verbo auxiliar) e declarativas-interrogativas em que não há marcação gramatical de outra natureza do que a entoação para indicar o modo interrogativo. Além disso, em IA, as interrogativas podem ser caracterizadas por um tom só ascendente ou por um tom ascendente com uma leve descendência, como é o caso das interrogativas em PB, isso já permite configurações com tons de fronteira H% ou L%. Essas são algumas das razões que contribuem para um número maior de correspondências entre tons e sequências de eventos tonais em inglês para o tom 2.

Com o intuito de procurar estabelecer comparações entre as duas propostas de análise da entoação, as sequências de eventos tonais alinhados aos enunciados do corpus foram selecionados e distribuídos de acordo com a semelhança com os tons distintivos da

abordagem sistêmico-funcional também atribuídos ao mesmo corpus. A partir dos dados levantados, nota-se que é possível aproximar as duas notações. Na próxima seção, uma análise de enunciados especialmente adequados será realizada considerando as contribuições de cada abordagem da entoação para a construção de sentidos nos casos específicos.

5.3 Resumo

Os principais resultados do levantamento de dados apresentado são resumidos e as questões a serem consideradas e analisadas na próxima seção são retomadas nesta subseção.

Em resumo, os dados do PB e do IA apresentam preferência por uma tonalidade neutra, ou seja, grande parte dos GTs corresponde a uma unidade sintática de oração. Além disso, os GTs são, em sua maioria, duplamente marcados: com o término do contorno entoacional e com a presença de pausa final. Ainda há um número significativo de GTs constituído de apenas uma palavra ou de uma expressão fixa. Essas características do corpus indicam um texto falado produzido com cuidado, como é o caso dos filmes animados, que possuem falas gravadas a partir de um roteiro e também restritas a seu contexto de produção: os enunciados são gravados isoladamente, o que adiciona pausas, para serem posteriormente postos em sequência no momento da sincronização entre som e imagem.

Pode-se destacar ainda uma distinção nas escolhas das versões em PB e em IA com relação aos tipos de tonalidade marcada. Em PB, há mais GTs marcados por inserirem mais de uma unidade sintática em seu limite; o contrário ocorre em IA, há mais GTs marcados por apresentarem GTs nos quais são inclusas partes menores do que uma oração. Portanto, é preciso observar quais são as motivações para o aparecimento da tonalidade marcada no corpus. Já que observar a tonalidade permite verificar as unidades de informação do texto, analisar a ocorrência das tonalidades marcadas traz mais indicações sobre a produção de sentido por meio da entoação nas duas línguas analisadas. Na próxima seção, os GTs com tonalidade marcada serão estudados, considerando o contexto linguístico em que ocorrem e os personagens que o produzem.

Outro sistema de análise de GTs é o de tonicidade. Apenas 13% do total de GTs apresentou tonicidade marcada, tanto em PB quanto em IA, o que indica uma produtividade baixa desse tipo de organização do material fônico no corpus. Mesmo assim, foi possível detectar características bem diferentes entre os casos de tonicidade marcada em PB e em IA. Em PB, a escolha foi por ter tônicas recaindo sobre sílabas acentuadas de elementos que possuem a função sintática de núcleo de sintagmas no enunciado, sejam eles verbais ou

nominais. Já em IA, houve um equilíbrio quantitativo entre saliência tônica em elementos de função sintática de núcleo ou de modificador de sintagmas. Além disso, a ocorrência de tonicidade marcada foi mais restrita em PB a algumas classes de palavras, com especial destaque para os verbos; enquanto que em IA, 6 classes gramaticais foram contempladas com proeminência tônica, das quais as mais produtivas foram os substantivos e os pronomes.

O sistema de tonicidade e o sistema de tonalidade estão intimamente ligados, pois cada unidade da tonalidade, o GT, compreende uma única unidade da tonicidade, a sílaba tônica saliente, com a exceção do caso dos tons compostos. Além disso, o GT indica uma unidade de informação na qual o foco é realizado pela tônica. Já foram consideradas as preferências nas escolhas de tonalidade e tonicidade tanto em PB quanto em IA; porém, ainda faz-se necessário traçar considerações sobre como esses sistemas se relacionam na construção de sentidos. Na próxima seção, serão discutidos, com relação aos aspectos semânticos e pragmáticos, alguns casos de semelhança e contraste no uso de recursos da tonicidade nas duas línguas analisadas. Além disso, também será discutida a importância do sistema de tonicidade na produção de sentidos de um enunciado específico.

O terceiro item de uma análise da entoação por uma abordagem sistêmico-funcional é o tom. Cada língua entoacional possui um conjunto de tons distintivos que contribuem para a produção de sentidos ao prover informações sobre as funções sintáticas exercidas pelos enunciados. Às funções sintáticas geralmente se unem aspectos semânticos e pragmáticos. Nesta seção, foi levantada a frequência de atribuição de tons aos GTs do corpus; porém, no estudo da relação entre a entoação e as funções gramaticais por ela exercida, é preciso buscar compreender quais são as motivações para as escolhas entre os diferentes tons. As generalizações para a escolha dos tons já foi feita em sua descrição com a constatação da predominância dos tons 1 e 3 e a ausência inesperada do tom 4 no corpus, resta ainda examinar como essas escolhas por tons se refletem na produção de sentidos nas línguas analisadas. Dessa forma, na próxima seção, as escolhas pelos tons serão analisadas de acordo com a oposição tom 1 e tom 3, tom1 e tom 2, e tom 1 e tom 4.

Finalmente, a partir dos pressupostos da Fonologia Entoacional AM, os acentos nucleares dos enunciados que compõem o corpus foram descritos, com o intuito de procurar notar relações entre as descrições dos eventos tonais e sentidos que podem ser carreados pelo elemento prosódico da entoação. Depois as configurações de eventos tonais encontradas no corpus foram comparadas com a descrição por tons já realizada por meio da abordagem sistêmica-funcional e foram elencadas as semelhanças. A partir disso, nota-se ser possível relacionar os tons (da abordagem sistêmico-funcional) aos eventos tonais (da abordagem da

Fonologia Entoacional AM); assim, na próxima seção, será realizada uma análise para que o grau de proximidade desses elementos possa ser observado e, assim, tornar possíveis algumas inferências sobre as contribuições dessa proposta de análise da entoação para o estudo da relação entre a variação melódica e os sentidos por ela carreados.