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2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO PARA A VERTENTE DE INVESTIGAÇÃO/AÇÃO

2.2 Materiais didáticos

3.1.2 Descrição das aulas – Ética

Iniciei as minhas regências, no ponto “3.1.1. Intenção ética e norma moral” (AAVV, 2001) (ver anexo 1), onde foram abordados os conceitos primordiais da ética ou da filosofia moral, nomeadamente, os próprios conceitos de ética e moral, intenção e norma. Foram também explanados os dualismos ação moral e liberdade moral, ação moral e consciência moral, e ação moral e responsabilidade moral. De forma menos aprofunda, trataram-se dos conceitos de egoísmo e conceção mínima de moralidade de James Rachels – não porque considere estes temas menos relevantes, mas porque fui obrigado a fazer escolhas em relação à

disponibilidade de tempo em função dos assuntos que tinham de ser abordados, devido ao tempo disponível para cada unidade, e devido à duração das aulas.

Após esta primeira introdução à ética, passámos ao ponto “3.1.2 A dimensão pessoal e social da ética – o si mesmo, o outro e as instituições” (AAVV, 2001) (ver anexo 2), onde foram abordadas questões de comunidade ética global, dando grande enfâse ao conceito de banalidade do mal de Hannah Arendt. Foi dado especial relevo a este conceito, uma vez que foi preparada, para aula seguinte à lecionação dessa matéria, o visionamento do filme “Hannah Arendt” (ver anexo 7), como forma de integração de uma atividade do Projeto N.O.M.E.S. (Nomes e Olhares sobre a Memória e o Ensino da Shoá)3, em comemoração do septuagésimo

aniversário do fim do Holocausto. A atividade em questão consistiu no visionamento, e exploração do filme supracitado, tendo sidos abordados os aspetos essenciais do filme, nomeadamente os problemas de cariz ético que se levantam ao longo de toda a película. A atividade culminou com a realização de um questionário oral, e com um pequeno debate, que proporcionou aos alunos uma valiosa oportunidade de pôr em prática as suas capacidades argumentativas e de análise crítica. Saliento que este exercício cativou mesmo os alunos menos participativos, uma vez que o assunto era do claro interesse de todos os membros da turma, e tiveram oportunidade de abordar o assunto em questão (banalidade do mal), aplicando conhecimentos adquiridos em aulas anteriores.

Chegamos então a um assunto central na lecionação do programa de filosofia do 10º: a ética utilitarista de John Stuart Mill, e a ética deontológica de Immanuel Kant (ver anexo 3), abordados no ponto “3.1.3. A necessidade de fundamentação da moral – análise comparativa de duas perspetivas filosóficas” (AAVV, 2001).

Para este conjunto de aulas, selecionei um conjunto de diferentes recursos didáticos que me pareceram ser os mais adequados, não só a nível pedagógico, como a nível motivacional, nomeadamente um vídeo (excerto de filme); fichas de trabalho, e claro, utilização do quadro.

Tendo em conta as aulas que assisti, e aulas por mim já lecionadas até este ponto, já tinha uma ideia muito clara da dinâmica da turma, e da forma como lidavam com os vários métodos pedagógicos usados. Também tive oportunidade de refletir, e testar, aquela que considerei ser a melhor forma de usar vários materiais didáticos. Não só no que concerne à seleção dos mesmos, assim como a melhor forma dos aplicar, ou seja, qual a melhor altura

3 Projeto do Agrupamento de Escolas de Vilela (Paredes) sobre o ensino e a memória da Shoá (Holocausto) através de relatos humanos, para que se possa perceber que não é de números que se trata mas de seres humanos,

para recorrer ao manual, usar um vídeo, mostrar imagens, discutir notícias, ou desenhar e aplicar exercícios escritos e/ou orais.

Tendo como documento fundamental e orientador da prática o Programa, definem-se, de seguida os pontos essenciais que deveriam ser abordados. Tendo também em conta o esquema de lecionação proposto pelo manual, os textos nele introduzidos, as explicações oferecidas, e que tipo de questões/exercícios eram propostos, fiz então a seleção de textos e exercícios que considerei mais pertinentes e úteis, e preparei alguns exercícios para realizar durante as aulas, intercalando com as leituras do manual, e as explanações orais. O propósito fundamental desta preparação foi o de criar o trajeto que tornasse a matéria abordada mais clara e fácil de assimilar, ao mesmo tempo criando uma noção de utilidade dos assuntos abordados, tendo sempre em conta o fator motivação – não só de empenho durante a aula em si, mas também como de criação de vontade genuína de aprender.

Apesar de o manual propor começar esta unidade temática abordando Kant, optei por começar a lecionação abordando a ética utilitarista de Mill. Optei por esta abordagem, uma vez que me pareceu que, perante o universo muito específico da turma, que seria mais produtivo abordar a questão do utilitarismo, sendo que este conceito seria mais intuitivo e fácil de ser entendido pelos discentes, devido ao grau de “objetividade” e “praticalidade” desta teoria em particular vito que esta turma dava importância exclusiva ao conhecimento que pudesse ser aplicado no dia-a-dia, ou em hipotéticas situações profissionais nas áreas das ciências, mostrando especial aversão a conceitos mais abstratos.

Recorrendo, numa primeira fase, ao manual, iniciei a abordagem a Mill com uma introdução ao conceito de utilitarismo, frisando a ideia de que “as nossas ações serão morais se, e somente se, previsivelmente maximizarem imparcialmente a felicidade do conjunto dos afetados” (Amorim e Pires, 2013: 131). Explanei os conceitos de felicidade e utilitarismo, ditando essas pequenas definições, de forma a facilitar aos alunos a interiorização desses conceitos, e a ficar com um registo escrito, para recorrer em trabalho autónomo de estudo.

Prossigo com um contexto biográfico do filósofo. Esta contextualização é essencial para uma boa compreensão do assunto, e é essencial para que se perceba melhor o porquê de terem ocorrido determinados acontecimentos, assim como a justificação da proliferação de certas linhas de pensamento.

Após a leitura da pequena biografia apresentada no manual, incentivei os alunos a recorrerem aos seus conhecimentos de história (por diversas vezes fui surpreendido com a

demonstração, por parte de vários elementos da turma, de bons conhecimentos em diversas áreas), para se lembrarem de acontecimentos relevantes que pudessem ter influenciado o vida e pensamento de Mill, durante o seu período de vida (1806-1873). Com um pequeno auxílio, conseguiram indicar a revolução francesa como um evento que poderia ter influenciado o filósofo. Pareceu-lhes, e bem, que os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade se enquadram nos preceitos utilitaristas. Esta contextualização serviu para relembrar os alunos que as teorias filosóficas não nascem por acaso, sendo sempre influenciadas pelos vários contexto históricos, sociais, económicos, geográficos, em que se inserem filósofos em questão.

Após esta contextualização, seguiu-se uma explanação e anotação no quadro dos pressupostos do utilitarismo de consequencialismo, hedonismo, e imparcialidade. Esta anotação foi feita com intuito de deixar sempre disponível esta informação para consulta durante o decorrer do resto da aula, uma vez que os alunos demonstraram alguma dificuldade em distinguir os conceitos.

Foram feitas leituras de textos do manual, seguidas sempre por questões aos alunos, com o intuito de verificar se os conceitos estariam a ser bem assimilados, e de forma a manter os discentes “despertos” e atentos à aula. Para além de usar questões propostas no manual, lançava dilemas éticos hipotéticos, previamente preparados, para que fossem resolvidos de um ponto de vista utilitarista, colocando os alunos numa posição de primeira pessoa, e portanto, no centro da ação. Mais especificamente, uma das questões foi, de forma abrangente, e segundo o ponto de vista utilitarista, se “a vida humana é inviolável”, recordando, de seguida, a uma situação hipotética já abordada previamente na aula em que iniciamos o estudo da Ética: “o aluno é um cirurgião, e precisa de órgãos para salvar quatro pessoas. O novo rececionista é dador compatível com os quatro pacientes. Poderá justificar-se matar o rececionista para salvar os pacientes?”.

Estes exercícios mostraram-se especialmente cativantes, sendo que os alunos participavam de forma ativa, com entusiasmo, e de forma (maioritariamente) muito produtiva, acrescentando variáveis aos dilemas propostos, que poderiam alterar de forma dramática a sua “resolução”, como por exemplo “um dos doentes vai-se tornar um novo Hitler”, ou “o rececionista está a estudar medicina e vai descobrir a cura para o cancro”. Enquanto contemplavam todas estas variáveis, iam usando conceitos já estudados de forma natural como a de consciência moral, ou mesmo o conceito de hierarquização de prazeres, testando, desta forma, os limites dos preceitos do conceito utilitarista.

A abordagem a algumas das objeções ao utilitarismo foi especialmente gratificante e motivador, tanto para mim, enquanto docente, comos para os discentes, uma vez que descobriram “sozinhos”, com as intuições deles, aliados aos conhecimentos adquiridos, conseguiram levantar as mesmas objeções que outros filósofos levantaram a esta teoria filosófica, como a impossibilidade de prever todas as consequências das ações, ou a dificuldade em quantificar a felicidade.

Após o estudo da ética utilitarista, e mais concretamente, a ética de Mill, passamos então para a ética deontológica de Kant.

Prevendo um maior grau de dificuldade sentida pelos alunos, devido ao cariz mais abstrato desta teoria, optei por uma abordagem mais exaustiva da matéria. Usando o mesmo esquema para Mill, introdução do conceito de ética deontológica, biografia do filósofo, textos, e dilemas éticos, a grande alteração na metodologia prendeu-se a um maior número de “ditados” de conceitos, e de realização de exercícios.

Após uma interiorização sólida da distinção de ação por dever (paradigma da moralidade de Kant – ação por puro respeito à lei, independente dos nossos interesses, inclinações ou desejos) e ação conforme ao dever (apesar da ação cumprir a lei, é motivada por interesses, inclinações ou desejos – segundo Kant, desprovida de valor moral, independentemente de ser conforme a lei), abordei os conceitos de imperativo categórico e hipotético. No tratamento destes conceitos, foi essencial o recurso aos dilemas éticos, e às suas hipotéticas resoluções, de forma a clarificar as distinções entre ambos imperativos.

O caráter abstrato, e absoluto do imperativo categórico, e das formulações da lei suprema da moralidade (dando especial relevo à primeira formulação – “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”) provocou grande dificuldade de interiorização por parte dos discentes. Foi necessário, através da criação de cenários hipotéticos, e algumas variáveis do mesmo, mostrar que o resultado seria sempre o mesmo. Revisitando, por exemplo, uma vez mais, o cenário do cirurgião, e de algumas variáveis anteriormente propostas, os discentes finalmente conseguiram perceber, que independentemente de quem fossem os quatro doentes (cientistas quase a descobrir a cura do cancro, por exemplo), e do conhecimento certo de quem viria a tornar-se o rececionista dador compatível de órgãos (o maior tirano e genocida da história de toda a humanidade), segundo o imperativo categórico, não poderíamos sacrificar a vida do futuro tirano, para salvar a vida dos pacientes que iriam descobrir a cura para o cancro.

Tal como em Mill, após estes exercícios, os alunos conseguiram levantar algumas objeções à ética Kantiana, previamente levantadas por outros filósofos.

No final desta unidade, e de forma a consolidar os conhecimentos, conforme mencionado anteriormente, realizei um conjunto de atividades cujo foco foi a contraposição das teorias deontológica e utilitarista.

Os alunos mostravam-se algo apreensivos com a aparente complexidade da tarefa. De forma a facilitar o exercício, optei por aplicar um suporte audiovisual para apresentação do caso hipotético que serviria de base para o conjunto de exercícios que se seguiria, nomeadamente um excerto do filme “Batman O Cavaleiro das Trevas”, apoiado num guião de visionamento (ver anexo 8). Apesar de haver uma aparente aversão a usar filmes blockbuster, e existir uma tendência para, nas aulas, optar por usar filmes de autor, ou clássicos do cinema, parece-me que nem sempre essa será a melhor das opções, pois os alunos tendem a desinteressar-se do filme e, consequentemente, do conteúdo do filme que está a ser projetado, anulando o propósito do uso desse recurso. Parece-me ser mais interessante, no caso do cinema, procurar filmes mais recentes e populares, aumentando a probabilidade do aluno já ter visto o filme, e ter gostado. Para além de motivador, ajuda a mostrar que muitas das ideias usadas nas histórias desses filmes baseiam-se em conceitos filosóficos, ou podem ser abordadas no campo da filosofia, mostrando, uma vez mais, que a filosofia é uma disciplina que influencia o mundo em diversos campos (inclusive no do entretenimento).

Optei por um excerto do filme em questão (1:57:00 - 2:10:16), porque são levantados, de forma explícita e intencional, vários dilemas éticos que têm de ser resolvidos pelas personagens do filme: num caso temos uma situação em que Joker (vilão) faz reféns os passageiros de dois barcos (um com civis, e outro com reclusos), dando a possibilidade a cada um dos grupos, dentro um período de tempo determinado, de fazer explodir o outro barco para salvar as próprias vidas – ou matam centenas de vidas, ou arriscam-se a morrer numa explosão provocada pelas outras pessoas. No outro cenário temos uma situação em Batman (herói) vê-se perante a possibilidade de matar, ou simplesmente prender Joker, sabendo de antemão que o Joker, à primeira oportunidade, iria enveredar, uma vez mais, em situações de violência e destruição desmesuradas.

O facto da maioria dos alunos conhecer e ter visto o filme, motivou-os especialmente, e despertou-lhes a curiosidade para “o que é que o Batman tem a ver com Kant ou Mill”. Aparentemente, mais do que eles julgavam. Após o visionamento do excerto, da exploração do

guião, e resolução da ficha, onde eram confrontados as teorias estudadas, iniciou-se um pequeno debate no qual foi discutido o código de conduta do Batman (que jurou nunca matar ninguém, independentemente de tudo), tendo os alunos chegado à conclusão que a personagem de ficção é, tal como Kant propunha, regido por um imperativo categórico. A descoberta de que a personagem do filme ser Kantiana divertiu imenso os alunos, que admitiram começar a “olhar para as coisas” de forma diferente, desde situações do dia-a-dia, a situações fictícias do cinema, analisando-as de forma mais complexa e crítica.

Apesar do sucesso do exercício em termos motivacionais, detetei que ainda muitos alunos apresentavam algumas dificuldades na assimilação e domínio da terminologia das teorias estudadas, especialmente a ética deontológica de Kant. Para consolidar conhecimentos, preparei a realização em sala de aula, de uma ficha de trabalho escrita (ver anexo 9), onde foram abrangidas as principais questões e conceitos das éticas deontológicas e utilitaristas, ficando os alunos com material adicional para posterior estudo autónomo.

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