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PARTE I: APONTAMENTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

CAPÍTULO 3 METODOLOGIA

2.1. Descrição dos corpora

O estudo sobre os imaginários sociodiscursivos da surdez dados pela esfera de produção e recepção do Jornal Visual foi formado por dois corpora e foi executado em três fases de análise, a saber:

 Etapa 1: seleção de notícias e reportagens do Jornal Visual sobre a surdez no período de seis meses, datadas entre 6 de outubro de 2010 e 6 de abril de 2011. Análise quantitativa e qualitativa da macroestrutura do telejornal, a partir da metodologia desenvolvida por Silva (2005), com base em Soulages (1999), buscando levantamento quantitativo e qualitativo das marcas e formas de

estruturação do programa televisivo para se obter uma percepção da organização discursiva das edições selecionadas. Análise semiolinguística dos elementos verbais e não-verbais das mensagens televisivas das reportagens por meio da grade de análise de imagens móveis proposta por Mendes (2010). Análise das constantes e variantes dos imaginários sociodiscursivos projetados pelo Jornal Visual.

 Etapa 2: aplicação de questionário on-line com colaboradores que integram parte do público-alvo do telejornal. Mapeamento e seleção das respostas para proporção igualitária entre os grupos de receptores (surdos e não-surdos). Análise quantitativa e qualitativa dos imaginários sociodiscursivos que circulam entre os participantes da pesquisa e os sentidos projetados a partir da recepção das matérias sobre a surdez do Jornal Visual.

 Etapa 3: análise dos imaginários sociodiscursivos consoantes e variantes produzidos pelo Jornal Visual e pelos respondentes do questionário.

O primeiro corpus foi composto de uma seleção de notícias e reportagens sobre a temática da surdez veiculadas no Jornal Visual, capturados através dos vídeos disponíveis no site do programa <http://tvbrasil.org.br/jornalvisual>. O período de gravação foi de seis meses, pois mapeamentos prévios indicaram a reduzida incidência de informações sobre a surdez63. Das 114 edições do período, nove64 abordaram a surdez; ao todo, 12 notícias e reportagens foram sobre a temática em questão, as quais versaram sobre esporte, saúde, educação e cultura.

O material selecionado foi investigado em sua macroestrutura, conforme metodologia desenvolvida por Silva (2005), e a fundo, a partir da grade de análise de imagens móveis de Mendes (2010). Das 12 notícias e reportagens, sete foram selecionadas como base do segundo corpus, no qual parte do público-alvo do programa assistiu teve contato com as informações sobre a surdez.

63 O Jornal Visual exibe diariamente uma sessão didática intitulada “Ensinando Libras”, na qual

mostra a correspondência de três palavras em português para a Libras. Esse conteúdo audiovisual não se caracteriza dentro dos conceitos de notícia e reportagem e foi desconsiderado nas análises do presente estudo.

64 As notícias e reportagens sobre a surdez foram transmitidas: em 2010, nos dias 4, 17 e 18 de

novembro, 24 e 31 de dezembro (reprises de matérias do ano); em 2011, nas datas 15, 21 e 24 de fevereiro e 1º. de abril.

A etapa 2 constituiu de coleta de dados por meio de aplicação de questionários individuais on-line65 no endereço eletrônico <http://pesquisasurdez.wordpress.com>. As perguntas estruturadas e semi- estruturadas foram padronizadas, versando sobre os imaginários sociodiscursivos da surdez (vide Anexo 1). O objetivo é perceber os territórios intermediários nos quais transitam as noções da surdez, em quais conhecimentos e crenças se ancoram os participantes, bem como os posicionamentos tomados após assistirem as notícias e reportagens do Jornal Visual.

O questionário e as respostas coletadas para esta pesquisa de Doutorado ocorreram por meio da Língua Portuguesa, tendo em vista que a internet exige66 a competência bilíngue do surdo, que deve ter conhecimentos do português escrito para ser usuário da rede mundial de computadores. O método de coleta de dados “entrevistas estruturadas” foi utilizado, conforme terminologia de Mann e Stewart (2000).

A aplicação de questionários em português escrito na internet tem como ponto de apoio a caracterização das identidades Surdas por Perlin (2005). No modelo proposto pela referida autora, a identidade política surda seria a única em que o surdo seria comunicante somente em Libras; as outras quatro identidades (híbridas, de transição, incompleta e flutuante) apontam uma interface do sujeito com a comunicação em Língua Portuguesa. Nessa perspectiva, ser surdo não está restrito somente à experiência plena da comunicação espaço-visual; existem áreas de passagem, de entremeio, as quais também foram os sensos de identificação dos sujeitos. Com isso, aplicar um questionário somente em Libras seria projetar um Tu- interpretante ideal (surdo sinalizador em Libras), impedindo a emergência da opinião plural decorrente da diversidade comunicacional e identitária que compõe a surdez. Não concebemos a identidade surda como única, hermética e fechada em si, pois essa convicção acarretaria em hierarquizações e relações de poder dentro da

65 O questionário padrão foi desenvolvido com a tecnologia oferecida pela ferramenta on-line Obsurvey.com, permitindo a tabulação das respostas de forma automática, sem a interferência do

pesquisador, gerando uma planilha de dados do programa de computador Microsoft Excel.

66 Ao considerar a hipótese de apresentar as perguntas do questionário em vídeos com Libras e em

português escrito, o convite para a participação de surdos somente seria possível através da Língua Portuguesa dentro das características dos correios eletrônicos.

própria surdez, o que poderia menosprezar as identidades diferentes daquela tida como preferencial.

Em Banca de Qualificação de Doutorado, realizada dia 15 de março de 2013, as professoras avaliadoras questionaram a validade das respostas dos surdos participantes da pesquisa pelo fato do questionário on-line ter sido aplicado em português escrito. Na ocasião, foi sugerida nova coleta de dados com surdos de forma presencial e em grupos focais locais, abandonando o critério de participantes do Sudeste filiados às universidades ou entidades representativas de surdos. Consideramos ser pertinente a sugestão para outro momento de investigação. Avaliamos que o emprego de nova metodologia de captação dos dados compromete o princípio de paralelismo da investigação científica, em que os sujeitos participantes devem ser submetidos aos mesmos métodos de coletas de dados.

A aplicação de entrevistas em grupo focal poderia também levar a problemas de validade dos dados, tendo em vista que o questionário on-line preza, primeiramente, a isenção e a não interferência do pesquisador, bem como a liberdade para o participante de responder as perguntas. A nova coleta de dados em Libras acarretaria ainda a abertura de novo pedido de avaliação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa (COEP) da UFMG, tendo em vista que seriam alteradas as condições anteriormente aprovadas. Ponderamos que subter novo projeto ao COEP poderia comprometer o cumprimento do cronograma da pesquisa.

Ademais, em uma perspectiva bilíngue, consideramos que as respostas em português escrito fazem parte dos preceitos e objetivos de formação educacional dos surdos brasileiros. Nessa corrente teórica, à qual nos filiamos, os surdos devem aprender a Libras como primeira língua e, posteriormente, devem adquirir o português escrito como segunda língua. O questionário formulado em português escrito pode ser considerado, portanto, restritivo no sentido de impedir a participação de mais surdos que sejam somente fluentes em Libras, mas continua pertinente ao capturar a opinião de outros surdos que possuem identidades diversas e de transição. Não podemos conceber uma identidade única e fechada ao surdo como sujeito que se comunica plenamente e somente em Libras. Como lembra Perlin (2005), existem sistemas mistos de comunicação que levam ao desenvolvimento de distintas identidades surdas. Assim, se aplicássemos questionários somente em Libras também restringiríamos a captação da opinião de outros surdos que se comunicam em dialetos em sinais ou outros canais.

Nesta pesquisa, os dados coletados entre os participantes que se intitulam como surdos não devem ser tomados como a representatividade dos surdos brasileiros, mas sim como a opinião pontual e particular de sujeitos bilíngues, oralizados e comunicantes somente em Libras e participantes de uma dada pesquisa. A proposta é investigar como os imaginários da surdez flutuam entre parte dos interpretantes do Jornal Visual participantes de um dado experimento, produzindo uma amostragem pontual e determinada sobre a questão da surdez. Com isso, os resultados não podem ser generalizados. Nesse âmbito, cabe esclarece a composição da amostra: 66% para pessoas que dominam a língua de sinais e o português escrito; 31% de respondentes que declaram somente utilizar o Português Oral e Escrito; e 13% que declaram comunicar somente em Libras. As respostas da pesquisa retratam, assim, parte da pluralidade comunicacional e identitária dentro da surdez.

As perguntas iniciais do item A (dados) tiveram o objetivo de determinar o lugar de fala dos participantes. As questões estruturadas e semi-estruturadas do tópico B (a surdez para você e a sociedade) procuraram qualificar67 a surdez a partir de imaginários sociodiscursivos apresentados em frases e palavras dadas, onde os participantes estabeleceram cinco graus diferenciados de concordância/discordância, representação/não representação, com os conhecimentos e crenças. Por fim, o item C (a surdez no Jornal Visual) apresentou sete68 notícias e reportagens do Jornal Visual para que os participantes do questionário determinassem quais eram os imaginários sociodiscursivos recebidos nas mensagens televisivas, avaliando se tais saberes de conhecimento e de crença faziam parte de seu universo sociocultural.

67 A Escala Likert “é a mensuração mais utilizada nas ciências sociais, especialmente em

levantamento de atitudes, opiniões e avaliações” (GÜNTHER, 2003, p.11). Segundo Fenneteau (2007, p. 73), as questões que se utilizam dessa escala permitem, à pessoa interrogada, exprimir certo grau de acordo e desacordo com a proposição apresentada.

68 Os respondentes do questionário on-line assistiram a sete das 12 notícias e reportagens do Jornal

Visual selecionadas no período de seis meses. Desse modo, optou-se por um recorte das matérias jornalísticas representativas às áreas de educação, saúde, narrativa de vida e notícias factuais, a saber: grupo de judô para surdos na Rocinha/RJ (17/11/2010), música alta é a segunda causa de perda de audição (18/11/2010), implante coclear (31/12/2010), formatura do curso de pedagogia bilíngue (31/12/2010), narrativa de vida da surda Suely (21/02/2011), história de superação do surdo Bruno (24/02/2011), MEC nega fechamento do INES (01/04/2011). As reportagens não exibidas são: nota seca de circuito de surfe para surdos (04/11/2010), Papai Noel visita INES (24/12/2010), reprise da matéria sobre grupo de judô para surdos (31/12/2010), justiça condena faculdade a disponibilizar intérprete em sala de aula (31/12/2010), premiação do documentário Dois Mundos (15/02/2011).

A partir das informações coletadas, foi realizada uma análise sistemática, de cunho quantitativo e qualitativo, em nível vertical (sobre os respondentes) e horizontal (sobre o conjunto de respondentes), com tratamento estatístico (vide Anexo 3). A intenção foi obter, primeiramente, uma visualização gráfica das variáveis fixas (grupos), assim como das outras variáveis de conhecimentos e crenças. Analisou-se a frequência dos imaginários dentro dos grupos formados por surdos e não-surdos, apontando as visões diacrônicas e sincrônicas que circulam nos grupos antes e após a recepção do Jornal Visual, bem como realizando uma análise contrastiva das respostas dadas pelos grupos. O quadro teórico tem por base a Teoria Semiolinguística.

Conforme os preceitos éticos indicados por Mann e Stewart (2000) para pesquisas qualitativas na internet, o primeiro passo foi a criação do blog (http://pesquisasurdez.wordpress.com) que conteve os propósitos da pesquisa, as qualificações do pesquisador, as explicações sobre a importância da participação do público e como os dados serão armazenados digitalmente. A etapa de coleta está em acordo69 com as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos – Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Os participantes da pesquisa são surdos e não-surdos residentes na região Sudeste do Brasil, na faixa etária entre 18 e 35 anos, especificamente: estudantes de quatro universidades públicas70 das capitais dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Espírito Santo; alunos e funcionários do Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES)71; integrantes e afiliados dos escritórios regionais do Sudeste da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS).

A presença de surdos é reduzida nas universidades, com 300 estudantes dessa categoria no país, de acordo com o Censo da Educação Superior do ano 2010, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

69 O projeto de tese foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG em 26 de março de

2012. O número de referência é 0688.0.203.000-11

70 As universidades públicas que fizeram parte da pesquisa são: Universidade de São Paulo;

Universidade Federal de Minas Gerais; Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade Federal do Espírito Santo.

71 O INES é a primeira entidade de educação para surdos do país, sendo considerada referência no

setor. Atualmente, ensina crianças, jovens e adultos. A instituição é sede da graduação em Pedagogia Bilíngue Português/Libras.

Teixeira (INEP) do Ministério da Educação (MEC, 2012). Por isso, procurou-se corrigir essa desigualdade social convidando integrantes da FENEIS e não universitários surdos do INES.

A captação desse público ocorreu por meio de carta-convite (vide Anexo 2) enviada via correio eletrônico para a direção/reitoria de cada entidade referida, a qual foi abordada para repassar as mensagens eletronicamente aos integrantes.

Os dados coletados foram recortados para garantir a igualdade de número de respondentes de cada grupo de surdos e não-surdos. A partir da projeção percentual do IBGE (2012), de que os surdos compõem 4,7% dos brasileiros, estabelecemos que os 16 questionários de surdos corresponderiam à representatividade de 4,7% da mostra; assim, foram selecionadas as 319 respostas de não-surdos dentro dos parâmetros do público-alvo do questionário. O período de aplicação do questionário foi de três meses, entre 15 de abril e 15 de junho de 2012. Foram recebidas 842 respostas, das quais 808 eram válidas (96%), em virtude de 34 pessoas não terem aceitado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Desse modo, a participação total de surdos norteou a seleção dos não- surdos, considerando-se para estes as primeiras respostas recebidas dentro dos critérios do público-alvo do questionário. Dos 17 surdos participantes, 16 se enquadraram nos critérios de serem residentes no Sudeste e terem de 18 a 35 anos. Com isso, dos 772 sujeitos que se classificaram como “ouvintes”, consideramos somente as respostas dos 319 primeiros participantes dentro dos critérios de faixa etária, residência no Sudeste e vínculo às instituições relacionadas anteriormente. Assim, a análise quantitativa e qualitativa está centrada em 335 respondentes.