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Conforme exposto, o projeto Corpo-ensaio é composto de dois objetos artísticos: um videodança e uma instalação artística. Ambos os trabalhos foram realizados por participantes voluntários, em sua maioria, estudantes do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, sendo que o grupo de experimentação da instalação artística foi formado, quase em sua totalidade, por participantes do videodança.

3.1 Videodança

Trabalho híbrido de dança e vídeo, o primeiro resultado do projeto correspondeu a um videodança de duração total de 3’41”, selecionado e apresentado na 12ª Mostra Internacional de Videodança de São Carlos 2018 (São Paulo, Brasil). A direção da obra foi compartilhada pelos realizadores Dorotea Bastos e Michel Santos e a trilha sonora foi elaborada pela artista Marina Mapurunga.

Para as gravações, foi reservado um espaço de 400m² cedido pela Fundação Hansen Bahia, na cidade de Cachoeira, espaço este escolhido por possuir a estrutura necessária para o desenvolvimento do projeto e que já dialogava com a iluminação proposta para a cena, que contou com dois refletores do tipo Fresnel. Para a captura de imagens, foram utilizadas duas câmeras, uma Canon 70D e uma T3i, com lente Helios 44m2 58mm.

A primeira câmera foi posicionada de forma fixa, para capturar imagens mais amplas da experimentação. A segunda câmera foi manipulada pelos próprios participantes, que tiveram a liberdade de movimentação.

Os participantes/dançarinos deste experimento puderam criar seus próprios movimentos a partir de estímulos sonoros e suportados pelos outros participantes. Foram desenvolvidos jogos de contato e improvisação, a fim de estimular a composição também em duplas e grupos. Para além disso, os dançarinos podiam acompanhar as gravações feitas e interferir na captura de imagens, sendo agentes do movimento e também das filmagens realizadas. Também puderam escolher músicas,

sons, tipo de movimentação e o figurino que lhes proporcionasse mais conforto para a realização do trabalho. O resultado final está disponível em https://youtu.be/u7J-j5hhK2M.

Figura 2: Imagens do projeto Corpo-ensaio

3.2 Instalação Interativa

Após a gravação e edição do videodança, ficou nítida a possibilidade de criação artística a partir de uma experimentação interativa. A princípio, a ideia era uma ação performática, também para gravação em vídeo, porém, com os resultados obtidos no primeiro experimento, a instalação interativa se mostrou o melhor formato para continuidade do trabalho.

Durante boa parte da história da arte clássica, a relação entre espectador e obra de arte demonstrou uma tendência ao afastamento, um papel de visitante da obra. Priscila Arantes [6] aponta que a mudança neste cenário ocorreu a partir, principalmente, das obras de artistas como Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape, que abriram a possibilidade de o espectador penetrar na obra. Segundo a autora, os espaços para essa aproximação se expandiram com as instalações videográficas, nas quais há espaço para o que ela chama de interiorização do corpo humano.

Com as tecnologias digitais interativas e a arte nessas mídias digitais, esse cenário se fortalece, incluindo o que seria um espectador como agente modificador e até mesmo criador desta obra. Apesar de não ser uma ideia recente na história da arte, é com o uso das tecnologias digitais que esta interatividade se destaca e se confirma como possibilidade poética e estética de criação artística.

Essa aproximação também é possibilitada a partir de instalações interativas, como Corpo-ensaio, em que a arte deixa de ser algo apenas a ser contemplado, passando a configurar uma experiência da obra entre o sujeito e o espaço.

Segundo Ludmila Pimentel [7], o produto híbrido gerado por esses sistemas complexifica os conceitos de tempo, espaço e corpo, redimensiona a concepção cênica e integra o conhecimento da linguagem do corpo à tecnologia. É o corpo numa imersão na qual não podemos separar o humano do “não humano”, percebendo na tecnologia uma forma de ampliação do corpo.

A partir destas reflexões, buscou-se uma plataforma que proporcionasse uma experiência criativa a partir do corpo e a escolha levou em consideração uma interface que pudesse dialogar com a geração de sons e manipulação em tempo real. Para a instalação, além da imersão do corpo no espaço, fez parte da composição também os sons que geraram a trilha sonora do videodança, porém, desta vez, a trilha seria construída a partir dos acionamentos do corpo dos participantes e não mais uma edição de sons para compor o áudio.

Após a análise de vários softwares e linguagens de programação, foram os testes com o software Eyecon, desenvolvido por Frieder Weiss, ex-componente do grupo Palindrome, que geraram os resultados mais satisfatórios em relação às necessidades do projeto, uma vez que três itens se mostraram cruciais para o desenvolvimento da instalação a partir do movimento do corpo e da geração dos sons:

1. Possibilidade de manipulação da imagem e do som em tempo real por mais de um corpo;

2. Mudança na velocidade e intensidade dos sons gerados a partir da velocidade e intensidade do movimento dos corpos; 3. Mapeamento do ambiente de experimentação para

acionamento dos sons da obra.

Durante a experimentação, os participantes tiveram sua imagem projetada e o ambiente no qual ele estava presente foi mapeado de tal forma que, dependendo da sua posição, ele acionaria determinado som.

Proceedings of 1st International Conference on Transdisciplinary Studies in

Arts, Technology and Society, ARTeFACTo 2018

November 16-17, Lisbon, Portugal

© Artech-International 134

Como a experimentação ocorreu com um grupo misto – entre participantes do videodança e outros que estavam tendo contato com o projeto pela primeira vez –, foi possível perceber que os que já haviam passado pela experiência da criação do videodança se familiarizaram mais rapidamente com os sons que estavam sendo gerados a partir de seus movimentos, inclusive, com algumas tentativas de reproduzir partes da trilha que fora concebida para o vídeo.

Os participantes foram entrevistados e também foram estimulados a gravar vídeos com depoimentos sobre a experiência. Além disso, durante a experimentação, foi possível observar a atuação de cada participante e o modo como se relacionava com as possibilidades trazidas pela instalação. Foi possível perceber que os participantes conseguiram entender de forma bastante rápida que o movimento que eles faziam acionava determinados sons e que a velocidade empregada no movimento também gerava mudanças nos sons obtidos.

O quesito intensidade foi o mais difícil de ser percebido, porém, na discussão com os grupos após o período de experimentação, este foi o item que mais gerou curiosidade durante o trabalho, fazendo com que os participantes buscassem novas formas de ativar os sons.

Também foi importante constatar que ver o corpo virtualizado, projetado em tamanho maior, e poder acompanhar as respostas aos movimentos realizados pelo corpo tangível foi um diferencial para a instalação, uma vez que os participantes puderam se deslocar com mais consciência dos resultados e do que era necessário fazer para atingi-los.

4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

O projeto Corpo-ensaio faz parte da pesquisa de doutoramento em Média-Arte Digital na Universidade Aberta em conjunto com a Universidade do Algarve e passará por novos momentos de experimentação a fim de chegar a um trabalho mais coeso e que contribua para a compreensão do papel do corpo na mediadance.

O desafio inicial para a criação desse projeto foi o estabelecimento de uma estratégia que pudesse permitir a realização de um trabalho experimental a partir da criação audiovisual com os participantes.

Uma experimentação em mediadance implica uma abordagem interdisciplinar no tocante à união entre corpo e mídia, complexificando esta já multifacetada relação. Em vista disto, esta vivência assumiu um espaço de discussão a respeito do hibridismo presente nesta relação. Nesse contexto, dança e tecnologia seguem um caminho que leva a uma estruturação cada vez mais potente de intermidialidade, a partir da geração de imagens e da criação a partir da interação com outros sistemas, embaçando as fronteiras dos meios e permitindo novas configurações.

É relevante e cristalina a participação do corpo como elemento central não apenas desta proposta aqui apresentada, mas nas configurações contemporâneas da arte, ativando, movendo, sendo agente transformador.

Sendo a dança uma arte que acontece no corpo, a manifestação do artista é a sua própria presença em cena. Com as imagens geradas pelos meios digitais, esta presença é incorporada de maneira diversa à condição tradicional, inclusive, com a não-presença, ou com a substituição do corpo físico, orgânico, por um corpo virtual, intangível.

Consequentemente, também a experiência estética não será a mesma a partir do meio computacional, porém ainda haverá o papel humano, seja na programação que gerou as possibilidades de criação da máquina, na identificação e percepção destas imagens ou capacidade de intervenção do público na linguagem ou na obra.

Com esta mudança, foi possível inaugurar uma nova forma de pensar o projeto e relacionar o corpo às suas possibilidades criativas junto à tecnologia. Diferentemente das reflexões que colocam o corpo a serviço dos aparatos tecnológicos, tratando a tecnologia como algo externo a nós, Corpo-ensaio parte das possibilidades poéticas geradas pelo corpo que ativa, que move e que modifica a tessitura da cena.

AGRADECIMENTOS

As autoras agradecem à parceria de Michel Santos e Marina Mapurunga no projeto Corpo-ensaio, à participação dos alunos do curso de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e ao apoio da Fundação Hansen Bahia.

REFERÊNCIAS

[1] Arlindo Machado. 2007. Arte e mídia. Jorge Zahar, Rio de Janeiro. [2] Wolf Lieser. 2009. ArteDigital. Ed.H.F.Hullmann.

[3] Dorotea Bastos. 2013. Mediadance: campo expandido entre a dança e as

tecnologias digitais. Salvador.

[4] Maya Deren. 2005. Essential Deren: Collected Writings on Film by Maya Deren. Documentex, New York.

[5] João L. Vieira. 2012. O Visionário Cinema de Fluxo de Maya Deren. In: Paulo Caldas et al. (org). Dança em foco: ensaios contemporâneos de videodança. Aeroplano, Rio de Janeiro.

[6] Priscila Arantes. 2005. @rte e mídia: perspectivas da estética digital. Senac, São Paulo.

[7] Ludmila C. M. Pimentel. 2000. Corpos e Bits: linhas de hibridação entre dança e