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Num primeiro momento de apresentação, em julho de 2018, no Atelier Concorde, os 12+12 conteúdos originais de poesia e videoarte, produzidos pelo colectivo wreading digits e pelo artista convidado Pedro Ferreira, foram reunidos na forma de instalação #ciberpoética.

Tendo como objectivo, nessa fase, promover (e dificultar) uma experiência de conjunto e envolver o(s) leitor(es) na construção da(o) mesma(o), este processo metarreferencial foi potenciado através da inclusão de 8 conteúdos adicionais, nomeadamente variações combinatórias e generativas de alguns dos poemas e simulações de live cam, emulando o ambiente web e conectando os diferentes espaços expositivos do programa do Retiro de Doutoramento em Média-Arte Digital (Universidade Aberta). Do mesmo modo, foram posteriormente adicionados os conteúdos produzidos nas ações complementares do programa; a Oficina: Laboratório de Alquimia Digital [Fig. 2] e um happening de #livecoding e #liveremixing [Fig. 3].

Figura 2: OFICINA: Laboratório de Alquimia Digital. Atelier Concorde. 23 julho 2018. Foto: Valter Ramos

Figura 3: Happening. Performance. #live coding #live mixing. Pedro Ferreira: http://www.pedroferreira.net

Proceedings of 1st International Conference on Transdisciplinary Studies in

Arts, Technology and Society, ARTeFACTo 2018

November 16-17, Lisbon, Portugal

© Artech-International

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No âmbito da conferência ARTeFACTo,5 o foco modifica-se, mas não o objectivo. É dada primazia à leitura dos conteúdos, que, numa fase futura do projecto, se pretende autonomizar. Assim, opta-se por apresentar uma instalação in situ com alguns dos poemas/operações textuais, no seu formato e suportes físicos, analógicos - pedra, papel ou película. Esta exposição do(s) artefacto(s) será, também, acompanhada pelo lançamento da monografia do projecto e da versão em linha de (DES)CONEXÃO.

Deste modo, despindo a palavra da camada de mediação digital inicial, esta sai, contudo, evidenciada, pelo contraponto; do texto, em realtime, com a sua virtualização, na versão online, agora em runtime. Chega-se a um novo começo, a (re)união da espiral – metáfora para o impacto do uso das tecnologias na percepção sobre a pedra, i.e. sobre a realidade.

#PROCESSO(S)

Make of a man and woman a circle; then a quadrangle; out of this a triangle; make again a circle, and you will have the Stone of the Wise. Thus is made the stone, which thou canst not discover, unless you, through diligence, learn to understand this geometrical teaching.

Michael Maier, Atalanta Fugiens Através dos processos artísticos, certas particularidades de determinada experiência poderão ser modificadas, filtradas, sublimadas, multiplicadas e, por vezes, até auto-geradas.

Técnicas de escrita experimental, como a combinatória, o cut

up literário ou o fold-in, permitem estender a palavra e, por

conseguinte, o texto, além de uma única configuração, acrescentando-lhe múltiplos níveis de significação e de afecto. Do mesmo modo, a videoarte encontra na apropriação e remistura, um potencial de dilatação dos significados, do próprio meio e da tecnologia que o suporta.

A (DES)CONEXÃO é, então, composta por doze poemas originais - visuais e sonoros. Alguns dos quais tendo resultado, contudo, do trabalho sobre textos previamente seleccionados, incorporando-os – à pesquisa, ao processo criativo – como parte do resultado final.

São exemplos,

- “Tensão/Dispersão”, técnica de erasure sobre Da Natureza das

Coisas, de Lucrécio (Lisboa: Relógio d’Água, 2015, p. 393) [Fig. 4];

- "Máscara", colagem sobre Micropaisagem, de Carlos de Oliveira, (in Trabalho Poético. Lisboa: Assírio & Alvim, 2003, p. 210); - e “Problema 15: A Educação pela pedra”, fold-in e cut-up a partir de Problemas Mecânicos, de Aristóteles (Vol. IX, tomo III. Lisboa: INCM, 2013, p. 74) e A Educação pela Pedra, de João Cabral de Melo Neto (Alfaguara, 2008, p. 207).

Em resposta ao conjunto de doze textos iniciais e iniciáticos, a componente de vídeo procurou acentuar as dicotomias conceptuais e estéticas, que estão na base e incitam à

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<http://artefacto.artech-international.org/artefacto-conference-2018/>

(DES)CONEXÃO. Seguindo uma prática artística pós-digital, Pedro Ferreira mistura

diferentes tecnologias e suportes, explorando a plasticidade e materialidade dos próprios media. A ideia de um mundo digital

limpo, imaterial e virtual é, portanto, questionada, através do seu

desdobramento em vídeo e som e conceptualizando-se a própria definição de ficheiro.

Os elementos fundamentais são expostos e por vezes reduzidos à unidade mínima, o pixel, como nos

vídeos “A Pedra que Dura no Tempo” e “Data Relations”.

Formas abstractas, geradas por vídeo feedback e manipuladas em tempo real, como nos vídeos “Coagulação” e “Enlightenment”, criam uma distopia do mundo virtual, em que o erro e o ruído são assumidos.

Em contraponto, “Overload” [Fig.5]; uma viagem distorcida pelo espelho difuso do telemóvel, ao quotidiano de trabalho, na cidade de Lisboa. REALTIME em RUNTIME”.

Figura 4: Excerto de “Tensão/Dispersão”. Poema visual de Ana Gago e Diogo Marques. Técnica de erasure a partir de Da Natureza das Coisas, de Lucrécio.

Figura 5: Still de “Overload”. Vídeo de Pedro Ferreira e Ana Gago.

#INTERFACE(S)

Without the hard little bits of marble which are called 'facts' or 'data' one cannot compose a mosaic; what matters, however, are not so much the individual bits, but the successive patterns into which you arrange them, then break them up and rearrange them.

Uma interface assume-se como agente de mediação entre dois sistemas ou unidades, influenciando a forma e os resultados possíveis da comunicação, assim como os próprios conteúdos a serem codificados, transmitidos, acedidos e/ou recepcionados.

Consequentemente, a interface define também os limites entre os sistemas ou unidades e o papel de cada um destes interlocutores na comunicação.

No caso de uma obra artística ou artefacto, a interface, estendida à questão do acesso e à experiência do leitor, adquire, portanto, não só uma importância sígnica, representativa a nível conceptual e estético, como operacional. É esta que define o papel de cada um dos interlocutores na comunicação e que potencia a busca, pelo mistério e pelo desafio de desvendá-lo.

A interface (DES)CONEXÃO [Fig. 6] incorpora, codifica e activa a tensão inerente à problemática proposta pela residência artística REALTIME RUNTIME PEOPLE; a oposição entre movimentos de forças centrífugas e centrípetas, na percepção e significação da realidade e nas relações interpessoais.

A leitura do artefacto, ele próprio composto por diferentes camadas de significação e tipos de media, com ritmos distintos, obrigará a este jogo de tensão e de dispersão, entre a interface ou ponto de acesso, o display e o(s) leitor(es). Mediatização da pedra, à superfície, em busca de uma representação mais profunda para o processo / progresso artístico.

#ALQUIMIA

A book is made from a tree. It is an assemblage of flat, flexible parts (still called “leaves”) imprinted with dark pigmented squiggles. One glance at it and you hear the voice of another person, perhaps someone dead for thousands of years. (…) Books break the shackles of time – proof that humans can work magic." Carl Sagan, Cosmos

Uma das aplicações mais discutidas da Alquimia, entendível como #arte, #ciência, #linguagem ou #código é a da busca pela pedra filosofal. Diz-se busca, e não descoberta, pois é no processo que esta se opera e se materializa. É na compreensão da sua geometria, reduzindo, fundindo e sublimando a composição da pedra, que esta se revela.

O processo é, portanto, fundamental, acontecendo de fora para dentro e novamente para fora. O contacto directo com a fonte é em si quimérico, pela impossibilidade e, consequentemente, pelo desafio que (nos) coloca. É pela entrega ao processo que chegamos até à pedra, até nós. Como impossível se torna encontrar uma só pedra. Encontramos, sim, a sua mediação e transmutação, pelo processo, a cada momento, connosco. Num paralelismo evidente, todo o processo artístico é uma forma de mediação sobre a realidade ou determinado objecto (de estudo). É, tal como a escrita, uma forma de codificação da realidade. Podemos, de facto, comparar o artista (ou o escritor) ao alquimista; na tentativa de materialização de uma expressão individual que permita, no entanto, o acesso a uma expressão colectiva, a dos leitores - a busca de um todo e de transcendê-lo – de fora para dentro e novamente para fora.

Na literatura, gesto e voz unem-se pelo traço, materializando e imortalizando pessoas e lugares, autor e leitor. Sendo neste ponto que a palavra imortal ganha uma outra dimensão. No moldar da palavra que a poesia faz acontecer, versos imortais, já não porque imortalizados pela fixação, no papel ou suporte semelhante, mas sim porque contínua e combinatoriamente potenciais.

Figura 6: INTERFACE (DES)CONEXÃO http://www.wreading-digits.com/desconexao

Como tal, o conceito de pedra filosofal compreende e relaciona duas dimensões; a do conhecimento e a da imortalidade.

Em suma, o livro, como pedra, que dura no tempo. # A PEDRA QUE DURA NO TEMPO

A pedra que dura no tempo. O tempo que move o olhar. O olhar que guarda o negro. O negro que ofusca o gesto. O gesto que tange o frio. O frio que tinge o corte. O corte que engasta a fonte. A fonte que nasce na luz. A luz que estanca a vida. A vida que extingue no leito. O leito que sustém a morte. A morte que finge a sombra. A sombra que molda o espelho. E o espelho que acaba a beleza. Na transformação.

Da Pedra. No Tempo. De um olhar.

Proceedings of 1st International Conference on Transdisciplinary Studies in

Arts, Technology and Society, ARTeFACTo 2018

November 16-17, Lisbon, Portugal

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AGRADECIMENTOS

Ângela Saldanha, Assunta Alegiani, Atelier Concorde, Bruno Ministro, Bruno Neiva, Diogo Costa, Inês Oliveira, INVITROgerador, Natalie Woolf, Paulo César Teles, Ricardo Soares, Rui Torres, Valter Ramos.

REFERÊNCIAS

[1] Arthur Koestler. 1977. The Act of Creation. Picador, London. [2] Carl Sagan. 1985. Cosmos. Ballantine Books. London.