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Uma via para essa noção de selfie pode ser alcançada através da investigação de características inerentes a ela. No caso deste trabalho, são verificadas, especificamente, a de reconhecimento e a de identificação. Aspectos os quais podemos entender em ambos os contextos como capacidades de perceber, interpretar e gerar novas representações. Ou, ao menos, no caso dos sistemas

Proceedings of 1st International Conference on Transdisciplinary Studies in

Arts, Technology and Society, ARTeFACTo 2018

November 16-17, Lisbon, Portugal

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digitais, de rastrear e potencializar dados visuais. Ademais, garantindo, assim, a continuidade do sistema e das suas demais extensões.

Os avanços no campo da IA tem revelado cada vez mais relações potenciais entre as lógicas de apreensão de formas e de rastreamento na percepção visual humana e na realizada pela visão computacional [3]. Isso relativo ao modo de como o próprio processamento de formas e conteúdos visuais – a incluir, fatores como contraste, cor e padrões – são potenciais geradores de características, interpretações e, portanto, representações visuais. Essas lógicas visuais não somente coexistentes e dialogantes em múltiplos contextos, mas, especialmente, atuantes e complementares.

O que chama a atenção, por sua vez, para a visibilidade da atuação do algoritmo inteligente [7]. Aqui sigo a percepção de como suas ações dinâmicas tendem não mais ao ocultamento de si mesmas. Sua presença assume, no espaço das representações visuais, uma estética cada vez mais peculiar.

Em vista dessas questões, a realização deste trabalho compreende duas posturas críticas-criativas complementares. A primeira confere a produção das imagens no contexto da interação entre agentes físicos. Nesta assumo também um papel como “rastreadora” (tracker) dos gestos das selfies populares. O que soma ao trabalho o ponto de vista daquele que observa e reconhece. Nesse sentido, produzo fotografias de selfies com uso de smartphone. O intuito é o de perceber e coletar algumas recorrências de posturas, dispositivos e cenários individuais e coletivos desse fenômeno.

No entanto, sabe-se que as selfies populares, como tal, seja realizada por usuários e/ou quem as registra, dizem respeito a fenômenos da imagem digital. Isto é, elas estão implicadas no contexto dos dispositivos, nos quais são processadas e assimiladas de diferentes formas. Nesse contexto chamo atenção para o recorrente uso de fotografias no sentido de treinamento e desenvolvimento de inteligências visuais.

O avanço de tecnologias como a Realidade Aumentada em dispositivos móveis são uma forma de emergência dessas características. As quais estão expressas, por exemplo, sob a forma dos contínuos avanços de image tracking, object tracking e face tracking. Essa percepção corresponde a segunda postura de realização deste trabalho: a análise das fotografias obtidas inicialmente (selfies). Para isso, realizo o processamento dessas imagens através de gerenciadores de rastreamento (tracking). No caso, o utilizado foi o de administração de realidade aumentada do Vuforia [4]. Além desta ferramenta lidar com o desenvolvimento de codificação de realidade, sua escolha operacional também diz respeito ao fato dela ser de acesso livre e gratuito. O que se alinha com a proposta desta trabalho que é a de enfatizar a proximidade desses sistemas.

Em analogia ao ramo do aprendizado de máquina (machine learning), gostaria de destacar que ambas as posturas de realização do trabalho estão numa certa medida presentes nas metodologias de treinamento de inteligência visual. Na área de visão computacional, especialmente, destinadas para identificação e reconhecimento de objetos dinâmicos e de

imagens. Por exemplo, a correlação entre os métodos de análise de cena e de detecção de objetos. A primeira refere-se a capacidade do sistema estabelecer categorias de rotulagem para o que não têm uma forma característica, mas uma “textura relativamente consistente” [9]. Essas categorias tratam, portanto, de uma escala grande de reconhecimento e que geralmente formam o plano de fundo de uma imagem. A segunda, de detecção de objetos, viabiliza o treinamento do sistema para cada categoria de objetos, como por exemplo, os rostos (face recognition) [2] e marcas digitais.

Após o processamento, as selfies iniciais passam, portanto, a representar potenciais “alvos” (image targets). É importante deixar claro que isso corresponde a uma das metodologias de codificação da imagem para ser reconhecida pelo sistema. Quando uma delas for detectada, o sistema Vuforia rastreará o alvo enquanto ele permanecer diante do campo de visão da câmera. De modo que através delas “o mecanismo detecta e rastreia os recursos encontrados naturalmente na própria imagem” [4]. Neste trabalho essa funcionalidade é posta como incógnita uma vez que a intenção aqui é gerar uma experiência de dúvida e de incerteza, própria da atual condição dessas imagens.

A estética das imagens digitais em processamento de rastreamento (tracking) implica em lógicas de seus algoritmos, geralmente ocultos. Através de seus alvos (targets), agora visíveis, características das imagens são identificadas, como também, ganham novas identificações. Interessa com isso trazer à tona as características gráficas e reais. Nesse sentido, procuro explorar “selfies” que passam a ser também imagens representacionais dos sistemas em si mesmos. Uma estética que contempla espécies de fotografias diagramáticas, matrizes codificadas pela própria condição existencial das imagens (ver fig. 1).

Figura 1: Estética das imagens após análise e processamento.

A disposição em conjunto dessas imagens corresponde a valores espacial e temporal de tal condição. O primeiro destaca aspectos geométricos, ordenados, planos, antinaturais. Os que provocam a contradição de marcações habitarem o mesmo espaço de imagens de superfície (estética de fotografias), as quais tradicionalmente remetem ao real e ao mimético. O segundo, por sua vez, diz respeito à ênfase da característica de ubiquidade de seus

componentes analógicos e digitais, ora visíveis, ora ocultos, elementos em trânsito.

A montagem do trabalho no contexto expositivo faz certa analogia à organização de grades e pontos vistos em códigos QR (sigla em inglês de Quick Response code). Essa menção se justifica pela atenção dada a implementação dessa funcionalidade nas câmeras dos smartphones. E cuja utilização já serve de prognóstico não somente da presença da visão computacional, mas, sobretudo, de hábitos no âmbito popular de acionamento da câmera para leitura de códigos e escaneamento de objetos. O contraste entre as grades e a moldura na composição reforça a sensação de uma paisagem também reflexo. Na qual apesar do seu recorte, apresenta o que pode haver além de seus limites.

CONSIDERAÇÕES

Este projeto busca questionar uma possível estética da ligação projetual entre os processos de auto-representação pessoal e os de captura dos sistemas digitais em composição a novos hábitos de construção da memória visual.

O trabalho apresenta um painel diagramático como via para reflexões sobre as construções das redes de imagens

contemporâneas. As quais, cada vez mais, nos desafiam a pensar os nossos processos de representação individual e coletiva para além dos limites e fronteiras do que os envolve.

REFERÊNCIAS

[1] V. Colapietro. 1989. Peirce’s approach to the self: a semiotic perspective on human

subjectivity. State University of New York, New York.

[2] N. Divyarajsinh et al. 2013. Face recognition methods & applications. In Int. J.

Computer Technology & Applications. Vol. 4 (1).

[3] J. Elder and R.M. Goldberg. 2002. Ecological statistics of gestalt laws for the

perceptual organization of contours, Journal of Vision, v2.

[4] Image targets. Vuforia Engine Manager. Disponível em:

http://library.vuforia.com/content/vuforia-library/en/articles/Training/Image- Target-Guide.html. Acesso em: 02/2017.

[5] Lev. Manovich. Automating aesthetics: artificial intelligence and image culture. Disponível em: http://manovich.net/content/04-projects/101-automating- aesthetics-artificial-intelligence-and-image-culture/automating_aesthetics.pdf. Acesso em: 01/2017.

[6] Lev. Manovich. 2001. The language of new media. MIT Press, Cambridge and London.

[7] Frieder Nake. 2016. The disappearing masterpiece. In xCoAx 2016: Proceedings of

the fourth conference on Computation, Communication, Aesthetics, and X. Eds.

Verdicchio, Mario, et al. Bergamo.

[8] Oxford English Dictionary. 2017. Disponível em:

http://en.oxforddictionaries.com/definition/selfie. Acesso em: 03/2017. [9] Z. Yan et al. 2015. Automatic photo adjustment using deep neural networks. ACM

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