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Desenvolvimento e políticas regionais na era Lula

No documento 10 Anos Governos Lula (páginas 168-172)

tania bacelar de Araujo

4. Desenvolvimento e políticas regionais na era Lula

quando se examinam as políticas federais acionadas no período aqui analisado e que contribuíram para o alcance dos resultados supracitados, constata-se que foram polí- ticas nacionais de corte setorial que predominaram, impactando favoravelmente na redução das desigualdades regionais herdadas. Sua formulação em alguns casos con- siderou tal herança, como é o caso da política de educação superior, abordada adiante. O mesmo pode ser dito de políticas de base territorial clara, como a de apoio à agricultura familiar. Seu instrumento principal, o Pronaf, implantado no segundo mandato do presidente Fernando henrique, tem como base a municipalização – tendência cara aos localistas, que parecem desconhecer a fragilidade do ente muni- cipal no país. no governo Lula, a abordagem territorial mudou com a identificação dos chamados “territórios rurais” resultantes da aglomeração de municípios com reali dades semelhantes.

tal abordagem mobilizou os entes estaduais e, no final do mandato do presiden- te Lula, havia se transformado no programa conhecido como territórios da Cidadania. Eram cerca de 120 territórios, onde as políticas de vários ministérios buscavam inte- ragir sob a coordenação da Casa Civil. neles predominavam produtores familiares e assentados da Reforma Agrária, que exibiam indicadores sociais preocupantes. Faziam parte, portanto, da herança de desigualdade construída entre o Brasil industrial e ur- bano e o Brasil rural. E, por isso, tal iniciativa federal merece estar no rol do esforço de redução da pobreza e da desigualdade de oportunidades no país.

Outra política de base territorial clara é a de promoção e apoio aos chamados Arranjos Produtivos Locais (APLs). Capitaneada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, envolveu vários organismos federais, como o Banco nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BnDES) (que criou com a presi- dência uma área que trata desse tipo de política), o Banco do Brasil (no seu programa de Desenvolvimento Regional Sustentável), o Ministério da Ciência e tecnologia (dada a importância da promoção da inovação nesse tipo de política pública), entre outros. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Em presas (Sebrae) também se jun- tou a esse esforço dada a predominância das micro e pequenas empresas nos APLs. Vale ressaltar dois pontos sobre essa política: a) ela dialoga com a diversidade regional brasileira, uma vez que os diversos APLs refletem bem o caleidoscópio de atividades econômicas existentes no Brasil, muitas delas herdeiras de tradicionais especializações locais; e b) ela deixa clara a capacidade empreendedora de brasileiros e brasileiras re- sidentes nas mais variadas regiões do país. Sua origem está ligada a iniciativas das próprias regiões e o papel do governo federal é o de apoiá-la.

Já as clássicas políticas regionais explícitas, aquelas voltadas claramente para en- frentar a questão regional do país, não tiveram grande prioridade no governo Lula. O Ministério da Integração nacional, principal responsável por tais políticas, foi desde logo entregue a um aliado (primeiro ao PSB e mais adiante devolvido ao PMDB, que o conduzira ao longo do governo Fernando henrique). O fato merece destaque porque, nos governos do Pt, o “núcleo duro”, ou seja, os ministérios considerados estratégicos, não foram entregues aos aliados. O resultado é que o Ministério da Integração nacio- nal, quando visto com cuidado, continuou a ter nas obras hídricas seu foco central,

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enquanto as políticas regionais explícitas foram modestas, merecendo destaque apenas os recursos dos fundos criados pela Constituição de 1988 (Fundo Constitucional de Financiamento do norte, Fundo Constitucional de Financiamento do nordeste e Fundo Constitucional de Financiamento do Centro-Oeste), geridos pelos Bancos Re- gionais e pelo Banco do Brasil, no caso do Centro-Oeste.

Apesar disso, o presidente Lula priorizou de início a recriação da Sudene e da Sudam – uma promessa de campanha – e, nos primeiros dias do governo, criou o Grupo Interministerial para implementar tal iniciativa. O problema enfrentado foi duplo: de um lado, os projetos de lei de recriação dessas instituições regionais foram tratados sem qualquer prioridade pelo Congresso nacional e, de outro, o Fundo nacional de Desenvolvimento Regional, proposto para dar lastro financeiro à nova Política nacional de Desenvolvimento Regional (PnDR), não foi aprovado pelos congressistas. talvez por ter sido incluído no bojo das duas tentativas de Reforma tributária, o referido fundo foi objeto de negociação com governadores que não o apoiavam, preferindo, na maioria dos casos, receber os recursos diretamente nos cofres estaduais. O fato é que pouco ou nada se evoluiu nesse campo. Paralelamen- te, outras políticas tiveram impactos favoráveis ao enfrentamento das desigualdades regionais, o que reduzia a pressão sobre a necessidade de privilegiar as políticas re- gionais explícitas.

O governo Lula chegou ao final com uma nova proposta de formulação para a PnDR, que embutia avanços como o de reconhecer que a desigualdade regional no Brasil não pode ser tratada apenas na escala macrorregional – o que leva as políticas regionais a priorizar somente o nordeste e norte do país – e, portanto, apontava para a importância de considerar o problema em outras escalas, o que levaria sub-regiões do Sul (extremo sul do Rio Grande do Sul, entre outras) e mesmo do Sudeste (Vale do Ribeira, por exemplo) à agenda prioritária da política federal. Entretanto, o avanço conceitual não teve expressão na realidade: sua concretização foi mínima.

Voltando às políticas setoriais, vale relembrar que muitas delas foram essenciais para o bom desempenho apresentado pelas regiões mais pobres do país no governo Lula. uma das mais importantes, a de educação superior, teve uma expressão regional positiva, como mostram os mapas a seguir (Figura 4).

O primeiro mapa mostra que, em 2002, o Brasil tinha 43 campi de universidades federais implantados, e sua localização revelava a herança de concentração destacada no início deste artigo: privilegiava o Sudeste, o Sul e o litoral. Em 2010, com a implan- tação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das universidades Federais (Reuni), o número de campi pulou para 230. Do ponto de vista regional, o segundo mapa mostra, com clareza, a tendência à interiorização e à desconcentração regional, o que possibilitou o acesso ao ensino superior a milhares de pessoas que, dado o padrão anterior, não conseguiriam tal oportunidade. A presença desses campi em cidades médias tem um impacto imediato e significativo não somente na vida cultural, mas também no comércio e nos serviços locais. Por sua vez, o Programa universidade para todos (Prouni) permitiu o acesso de jovens oriundos das camadas populares à universidade, pela via do ensino privado (patrocinado com renúncia fiscal do governo federal). O fato é que, considerando os ensinos público e privado, os dados sobre

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Figura 4: Localização dos campi das universidades federais (2002 e 2010)

Fonte: Ministério da Educação.

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população com ensino superior concluído melhoraram muito no Brasil da primeira década do século XXI. Os Censos Demográficos de 2000 e 2010 mostram que o nú- mero de pessoas com ensino superior completo mais que dobrou, passando de 5,9 milhões para 13,5 milhões. nordeste, Centro-Oeste e norte experimentaram maior incremento, pois ganharam participação no total nacional: de 14,1% para 16,2%, de 7,1% para 8,6% e de 3% para 4,7%, respectivamente. A região Sul mais que dobrou seu número de portadores de diploma de nível superior, mas mantém seu peso relati- vo no total do país, em torno de 16%; já o Sudeste, embora também tenha dobrado o contingente de titulados nesse nível de ensino, perdeu peso no total, passando de 59,7% para 54,1%.

Outro indicador, o número de matriculados no ensino superior, também cresceu significativamente em todas as regiões do país. Destaque especial dessa tendência me- recem, mais uma vez, o norte, nordeste e Centro-Oeste, como demonstra a tabela 2. Como cada vez mais os investimentos em educação são considerados estratégicos para a promoção do desenvolvimento regional, tal tendência merece referência especial.

tabela 2: Matrículas no ensino superior no Brasil e regiões (2000 e 2010) área geográfica Matrículas1 População de 18 a 24 anos taxa de escolarização bruta2 2000 2010 2000 2010 2000 2010 Brasil 2.695.927 6.379.299 27.056.637 27.250.431 10,0% 23,4% norte 115.058 413.455 2.199.883 2.510.843 5,2% 16,5% nordeste 414.308 1.136.148 7.951.766 8.050.109 5,2% 14,1% Sudeste 1.398.309 2.953.504 11.251.863 10.908.710 12,4% 27,1% Sul 542.435 1.291.021 3.706.678 3.729.471 14,6% 34,6% Centro-Oeste 225.817 585.171 1.946.447 2.054.298 11,6% 28,5%

Fonte: Instituto nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio teixeira/MEC e Censo Demográfico/IBGE. 1 Matrículas em ensino presencial e a distância. 2 Compara o total de matrí-

culas de determinado nível de ensino com a população na faixa etária adequada a esse nível.

Vale ainda salientar que as tendências aqui destacadas para o ensino superior se repetem na política de ensinos médio e profissional. A oferta se expandiu muito no governo Lula e as escolas também se interiorizaram e buscaram as regiões menos de- senvolvidas do país.

Como se vê, as políticas federais do período foram, em geral, favoráveis à cons- trução de um país menos desigual regionalmente.

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No documento 10 Anos Governos Lula (páginas 168-172)

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