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2.3.4 O modelo competitivo de desenvolvimento

Segundo Pires (2001), em termos de política de desenvolvimento econômico nota-se o afastamento gradual do Estado da economia, eliminando, desta forma a sua influência sócio-econômica. Este fato traz a luz a necessidade do repasse para que outras forças privadas assuma o papel de organizar o desenvolvimento. O que temos em curso é a mobilização de todos os segmentos da sociedade na busca de soluções.

Trata-se de uma forte tendência mundial, onde o desenvolvimento de organizações interempresariais é utilizado para a reestruturação do aparato produtivo do território e para a modernização das empresas, melhorando sua competitividade (Casarotto e Pires, 1998). Como exemplo temos, Agências de Desenvolvimento Regional, Centros Regionais de Serviços, Consórcios Empresariais, Cooperativas Regionais, etc.

Pires (2001), chama a atenção para o fato de que estas ações concretizam a passagem de uma abordagem exógena de desenvolvimento regional para uma abordagem endógena, onde as nações passam a acreditar menos em políticas estruturantes e passam a acreditar mais em políticas indutoras à criação de um ambiente regional propício para a organização das próprias forças competitivas locais. Esta tomada de consciência, por parte dos atores de um território é uma das características marcantes do novo modelo competitivo.

Neste novo cenário desloca-se a responsabilidade do desenvolvimento para a sociedade, mudando o foco de atenção do governo para a governância. Enquanto o processo de globalização econômica se expressa na competição transnacional, o de regionalização compreende um crescente esforço das sociedades locais para configurar e sustentar seu processo de desenvolvimento, a partir do entendimento e da coordenação de esforços (Casarotto e Pires, 1998), em função das suas vantagens comparativas particulares (Porter, 1997).

“O rápido desenvolvimento de tecnologias redutoras de espaço e a emergência da competição global nos anos 80 e meados dos 90 não trouxeram o fim das regiões. Exatamente o oposto: a globalização é um intenso fenômeno localizado. Alguns preferem o termo ‘glocalização’ ”(Galvão e Vasconcelos, 1999, p. 13).

Apesar da crise de emprego mundial, as regiões mais desenvolvidas do globo continuam aumentando a sua participação na geração mundial de renda, em decorrência da competitividade que está ligada ao território no qual as empresas estão instaladas. Cria-se uma relação de dependência muito clara entre a competitividade de uma empresa e seu ambiente competitivo.

“Em casos de grandes potencialidades naturais ou na quase total restrição das mesmas, a potencialidade básica de qualquer local, região ou país está assentada em sua população, ou mais amplamente, em seu ambiente: a interação dessa gente, por meio de sua cultura, com o território e suas relações externas. Essa é a alavanca principal do processo de desenvolvimento e requer grandes esforços de promoção e fomento” (Casarotto e Pires, 1998, p.87).

Segundo Bertini (1998), na exitosa experiência de desenvolvimento italiana, percebe-se que aspectos culturais, ligados à história, à estrutura social das comunidades locais e aos hábitos arraigados de trabalho e empreendedorismo, tiveram um papel fundamental na geração espontânea deste sistema de alta performance industrial.

Deste modo, o sistema social local e regional passa a desempenhar um papel cada vez mais importante para a competitividade das empresas. Segundo Bandeira (1999, p. 06) “as divisões microrregionais adotadas pelos diferentes órgãos públicos estaduais e federais tendem a não ser mais compatíveis entre si”. Este cenário marca uma nova geografia, onde as políticas de desenvolvimento não são espacialmente concentradas em “antigas” regiões delimitadas pelos Estados e pelos setores tradicionais da economia, concentrando-se nos eixos regionais de desenvolvimento, nas cadeias produtivas e nos clusters. Abre-se espaço para o surgimento de novas instituições, que irão cumprir o papel econômico que as instituições com capacidade de operação limitada pela geografia política e setorial não podem ou não se interessam em executar.

"A organização da sociedade civil, nesse caso, guarda especificidades em âmbito tanto territorial quanto temático. Em âmbito territorial, tais práticas participativas referem-se a espaços sub-regionais, ou seja, espaços intermediários entre o estado e o município, em que não se encontram instâncias político-administrativas correspondentes" (Bandeira, 1999, p. 04).

Com esta nova organização espacial de desenvolvimento, efetiva-se a tendência de atuação em nível de microrregiões, pois estas iniciativas têm apresentado melhores resultados do que as políticas de desenvolvimento concebidas e implementadas em grandes áreas (Pires, 2000).

"A experiência ao longo do tempo, por sua vez, mostrou que estímulos horizontais dos mais diversos tipos (serviços de informação tecnológica, formação de pessoal para pesquisa, desenho industrial, etc.) se articulam muito melhor em torno das regiões do que ao redor dos estados nacionais. A proximidade dos problemas permite às autoridades regionais um conhecimento mais aprofundado da economia de seu território, que sempre apresentará diferenças em relação às regiões e, por conseguinte, ao conjunto nacional" (Brito e Bonelli, 1997, p. 03).

Bandeira (1999) e Brito e Bonelli (1997) criticam o desenvolvimento deste novo modelo em nosso país pela falta de uma política de desenvolvimento explícita e pelas grandes diferenças regionais, mas eles acreditam ser possível desenvolver várias linhas convergentes de argumentação para destacar a importância da articulação da sociedade e da articulação de atores sociais nas ações voltadas para a promoção do desenvolvimento, seja em escala nacional, regional ou local.

A seguir serão abordadas cinco dessas linhas que dão o embasamento teórico necessário para os três pressupostos sobre os quais o método de desenvolvimento formulado por Pires (2001) se enquadra, a ser apresentado no capítulo 4.

a) Envolvimento dos Atores Regionais - Destaca-se a necessidade de consulta aos segmentos da comunidade diretamente afetados, quando da concepção, elaboração, implementação e avaliação de programas e projetos específicos, relacionados com o desenvolvimento. Tais informações são averiguadas com o intuito de assegurar sua eficiência e sustentabilidade.

"Regiões adjacentes, com perfis setoriais similares, possuindo aproximadamente as mesmas vantagens e deficiências, diferem notavelmente quanto ao desempenho econômico, tanto ao longo do tempo quanto em termos

comparativos. Essa diferença pode ser atribuída à prevalência da falhas transacionais no sistema econômico local, ou seja, incapacidade para aproveitar integralmente os benefícios potenciais da cooperação, da colaboração e da coordenação no nível local, causada pela falta de confiança, por sentimentos mal orientados de competição e por ausência de liderança" (OECD, 1996, p. 16). A solução para este tipo de problema, segundo este comitê, depende de um esforço de construção institucional, como o apontado anteriormente, capaz de ajudar a difundir novas atitudes mais efetivas para a promoção do desenvolvimento. Necessidades estas, que podem ser abordadas de forma eficaz através da criação de instituições voltadas para a análise sistêmica e para a solução de problemas. As tarefas amplas dessas instituições para reduzir as falhas transacionais podem ser resumidas da forma seguinte (OECD, 1996):

Desenvolver a confiança e a cooperação - as instituições podem proporcionar um fórum e um quadro referencial adequado para o intercâmbio cooperativo de informações - não por meio da regulamentação formal, mas por meio de um fluxo de informações que capacite as empresas. As associações industriais podem proporcionar algum grau de auto-regulamentação e arenas similares para a discussão, mas as instituições do tipo 'ponte' podem ampliar os contatos entre indústrias diferentes, porém relacionadas.

Criar coalizões políticas - são necessários conselhos econômicos regionais para dar publicidade a determinados temas e para extrair consensos, recursos e ímpeto de uma ampla variedade de atores. Esses conselhos devem concentrar-se em analisar as possibilidades de desenvolvimento no longo prazo e em educar seus membros quanto à necessidade de adotar novas políticas, sugerindo meios pelos quais objetivos possam ser alcançados para o beneficio de todos.

Desenvolver a cooperação inter-regional - o sucesso do crescimento econômico regional traz consigo o problema das relações com outras regiões concorrentes, dentro ou fora do país. Uma atitude de concorrência acirrada entre regiões pode ter efeitos destrutivos sobre a riqueza nacional, além de trazer resultados desastrosos para suas economias.

b) Governância - Registra-se a importância da vitalidade de uma sociedade atuante na vida pública para a boa governância e para o desenvolvimento participativo. Uma das conexões desse ponto é a implicação de que a participação da sociedade é importante para assegurar a transparência das ações e para permitir o combate eficiente à corrupção no setor público.

"A governância pode ser vista como o exercício da autoridade econômica, política e administrativa para gerenciar um país em todos os níveis. Compreende os mecanismos, processos e instituições por meio dos quais os cidadãos e grupos articulam seus interesses, exercitam seus direitos legais, cumprem com suas obrigações e mediam suas diferenças" (Bandeira, 1999, p.15).

Pires (2001), destaca dois aspectos da participação, um é o seu caráter de elemento essencial da própria idéia de democracia; e o outro, é o seu importante papel instrumental, derivado da funcionalidade da participação para a articulação de atores sociais e para a viabilidade de processos de capacitação e de aprendizado coletivos, extremamente relevantes para a promoção de desenvolvimento.

"Assim como a JICA, também o UNDP, a OECD, a USAID e outras instituições similares produziram documentos de políticas que se baseiam nos conceitos de desenvolvimento participativo e 'good governance'. Esses conceitos constituem, na atualidade, a base do enfoque dominante na assistência ao desenvolvimento por parte dos países desenvolvidos e das principais organizações internacionais" (Bandeira, 1999, p. 17).

Em termos de políticas de desenvolvimento, além de ser um tema preocupante, a governância pode explicar o sucesso das regiões mais desenvolvidas do mundo, como por exemplo o caso da Itália que possui regiões com grande capacidade competitiva, a região do Cholet na França, a região do Vale do Silício dos Estados Unidos que se tornou benchmarking mundial, principalmente da atuação integrada entre a municipalidade de San Jose e a entidade "Sillicon Valley Manufacturing Group", na Alemanha o Vale do Baden-Württemberg e no Japão os 'Keiretsu'. A governância pressupõe a adoção de uma ótica regional ampliada por parte dos atores regionais, no sentido de perceberem a interdependência entre os mesmos.

c) Capital Social - Vincula-se a participação à acumulação de capital social. Segundo Pires (2001), o capital social é composto por um conjunto de fatores de natureza cultural que aumenta a propensão dos atores sociais para a colaboração e para empreender ações coletivas, constituindo importante fator explicativo das diferenças regionais quanto ao nível de desenvolvimento.

"O elemento central desse enfoque, que destaca a importância dos fatores culturais para o processo de desenvolvimento, é o conceito de capital social. Ao lado do capital físico e do capital humano, este terceiro tipo de capital seria de importância decisiva para explicar as diferenças entre países e regiões, quanto à prosperidade econômica" (Bandeira, 1999, p.19).

Pires (2001), ressalta que além das iniciativas do tipo tradicional (implantação de infra-estrutura, as ações de fomento e os esforços voltados para a atração de investimentos privados), devem ser adotadas medidas, que contribuam para a acumulação de capital social, fortalecendo a coesão das comunidades, promovendo a colaboração na solução de problemas comuns e estimulando os vários atores sociais a participarem ativamente da discussão das questões de interesse público.

d) Visão Sistêmica - Estabelece conexões entre a operação de mecanismos participativos na formulação e implementação de políticas públicas e, também, o fortalecimento da competitividade sistêmica de um país ou de uma região.

A visão sistêmica, base da competitividade sistêmica, é um padrão ótico - modelo mental - (Senge, 1990) que permite aos atores regionais a percepção ampliada da sua estrutura competitiva, relacionando eventos, antes tomados como isolados e dissociados no espaço e no tempo, e identificando os padrões estruturais de funcionamento do sistema competitivo. A partir desta percepção ampliada, fica mais claro o rumo de ação a ser tomado nos pontos de alta alavancagem deste sistema, onde normalmente, ações integradoras entre os diferentes atores regionais são necessárias, pois estes pontos usualmente estão localizados fora das fronteiras de ação das instituições e dos indivíduos tomados de forma isolada. A participação, à medida que possa contribuir para a acumulação de capital social e para a articulação dos atores

sociais regionais, facilitará a formação de consensos básicos relevantes para o desenvolvimento e contribuirá também para reforçar as bases da competitividade sistêmica de uma região.

“... à medida que as sociedades tornam-se cada vez mais diferenciadas, e as empresas e demais atores passam por processos de aprendizado, a competência estratégica e a capacidade de planejamento deslocam-se do setor público para o privado, tanto nos países da OECD quanto nos países em desenvolvimento mais avançados do ponto de vista industrial" (Altenburg, Hillebrand e Meyer- Stammer, 1997, p. 15 e 16).

Na Figura 3, visualiza-se exemplo de um ciclo de causalidades. Figura 3- Abordagem Sistêmica – Ciclo de Causalidades

Fonte: Exemplo de Ciclo de Causalidade, Pires (2001)

Abordagem Sistêmica