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CAPÍTULO II – DA FECUNDIDADE DO EU AO PARTO DO NÓS: FAMÍLIAS

4. Desenvolvimento moral do adolescente e construção de valores

Já vimos que os adolescentes experimentam uma fase de difícil adaptação a si mesmos, aos outros e à realidade que os rodeia, e que o contínuo questionamento da identidade, forja neles a (re)construção do quadro de valores que possuem.

O adolescente, no seu desejo de autonomia, liberdade e originalidade, tende a romper com o mundo normativo dos adultos, aquilo que normalmente o adulto valoriza, o adolescente desvaloriza e põe em causa. Mas será sempre assim? Não estaremos perante uma perspetiva tradicional e simplista?

Paulo VI, na Declaração Gravissimum Educationis proclama:

“(…) que as crianças e os adolescentes têm direito de serem estimulados a estimar retamente os valores morais e a abraçá-los pessoalmente…”85.

Trata-se portanto, de no processo educativo, o educador (pais, professores, pároco, catequistas) levar o adolescente a assimilar valores que norteiem o sentido para a vida e sejam capazes de distinguir o bem do mal, saber que as suas ações podem ser proveitosas ou prejudiciais. Se por um lado o adolescente questiona toda a autoridade, por outro, busca o seu apoio e uma autoridade que lhe sirva de modelo, mas sob o seu comando. Não uma autoridade que dite o que deve ou não fazer, mas uma autoridade que advenha da experiência vivida, que personifique na sua forma de viver os seus valores morais. Disto, Jesus é o mais conseguido exemplo: “Quando acabou de dizer

estas palavras, as multidões ficaram admiradas com o seu ensinamento, porque Jesus

84 Claude DUBAR, La socialisation: Construction des identités sociales e Professionnelles, Armand Colin, Paris, 20023, 83.

85

ensinava como alguém que tem autoridade e não como os doutores da Lei” (Mt 7, 28-

29).

É desta autoridade que os adolescentes mais necessitam nos tempos de hoje. Uma autoridade que não seja dupla: “olha para o que digo e não para o que faço”, mas consistente nos valores morais do bom, do belo, do puro e do nobre.

Assim, do mesmo modo que o pensamento adolescente se carateriza pelo racionalismo e intransigência, também o sistema ético e moral comunga destas mesmas características. Pelo facto de ter adquirido novas capacidades cognitivas de introspeção, reflexão e abstração, estas vão facilitar a formulação de hipóteses, confrontar opiniões, debater ideias e formular opiniões sobre si próprios, sobre os outros e sobre a realidade. A este propósito, González refere que o adolescente, através do pensamento abstrato, não só se torna capaz de conhecer os valores morais, mas também manifesta um notável gosto em entregar-se a intermináveis discussões e reflexões em torno dos mais diversos temas morais: o amor livre, o matrimónio, a liberdade, a amizade em todas as suas formas, a justiça, etc.86.

Nesta linha, podemos perguntarmo-nos: como se processa o desenvolvimento moral na adolescência?

São várias as teorias que procuram dar resposta a esta pergunta. Piaget, por exemplo, vai analisar o desenvolvimento moral, colocando a tónica na importância do grupo de pares no processo de socialização e na obtenção de uma moral autónoma. Para o autor, a moral consiste num sistema de regras e a sua essência reside no respeito dessas regras por parte do indivíduo.

No nosso trabalho, tomamos como ponto de referência a investigação levada a cabo por Kohlberg,87 que postula a teoria do julgamento moral. O autor apresenta as principais caraterísticas dos estádios do desenvolvimento moral, agrupando-as em três categorias de julgamento: o pré-convencional, o convencional e o pós-convencional, conforme o quadro 5 da página seguinte.

86 Eugénio GONZÁLEZ, Las etapas del Desarrollo psicológico según das distintas teorias, op. cit., 368. 87 Kohlberg é um judeu americano (1987 - 1989, que prosseguiu a teoria de Piaget. Investigou 84 jovens

de Chicago, com idades compreendidas entre os 10 e os 16 anos, propondo-lhes histórias fictícias que implicavam dilemas morais, para verificar como os resolviam. Chegou à conclusão que a passagem da heteronomia (viver segundo a lei moral imposta) e a autonomia (viver segundo a lei moral que aceito como válida) é mais complexo e lento que o que tinha postulado Piaget. Daí que Kohlberg tenha proposto um novo modo de conceber o desenvolvimento da moralidade por estádios.

Quadro 5 – Estádios de desenvolvimento moral segundo Kohlberg.

Adaptado de José Tavares, et al88.

Para Kohlberg a maturidade moral só se atinge quando o sujeito se torna capaz de entender que a justiça é diferente da lei e reconhecer que algumas leis podem ser moralmente erradas, pelo que devem ser alteradas. Assim, toda a pessoa deveria ser capaz de transcender os valores da cultura dominante em que está inserida, evitando ser um assimilador passivo.

Mas como encaram os adolescentes as questões morais?

De acordo com a teoria de Kohlberg, os indivíduos com idades compreendidas entre 13 e 14 anos encontram-se entre os estádios dois e três (quadro 5). Normalmente, os adolescentes, nesta fase, encaram as questões morais sob uma perspetiva materialista, “no sentido de obter ganhos próprios ou para obter aprovação de outrem”89

. A moralidade está definida assim, como sustentadora da ordem social e, em resposta, expressa-se na conformidade com as expectativas dos outros, nomeadamente do grupo de pares. A anuência do grupo de pares constitui o ponto de partida para a escolha e construção de valores. Sendo que, “esta situação é incrementada pela forte vulnerabilidade pessoal ao nível do juízo moral e do grupo de valores e pela instabilidade do grupo de referência”90

.

A moralidade convencional é, assim, notoriamente interpessoal e relacional, com todos os riscos que daqui decorrem, uma vez que o adolescente se encontra bastante

88 José TAVARES, et al., Manual de Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, op. cit., 80. 89 Ibidem,79.

90

vulnerável e dependente de tudo o que provenha do exterior. Neste sentido, uma ação é boa se for aceite pelo grupo e se tiver a aprovação deste.

Com a entrada no estádio 4, o adolescente começa a assumir responsabilidades e a cumprir deveres, sendo capaz de se colocar na perspetiva do outro. O seu ponto de referência não é tanto o grupo social, mas uma orientação interna, pois desenvolveu a capacidade de reflexão racional que lhe permite analisar e avaliar as principais questões relacionadas com os valores. Segundo Lourenço, a diferença relativamente ao estádio anterior reside no facto de estar “(…) orientado para a perspetiva de uma terceira pessoa que adota um ponto de vista mais geral e racional e menos relacional”91

. Ou seja, o adolescente passa a processar cognitivamente as questões relativas aos valores, interiorizando um conjunto de regras e leis sociais. Isto implica que o adolescente se identifique com a sociedade que cria as normas e desenvolva um sentido de justiça, uma vez que as normas são para todos. Ainda neste sentido, Lourenço refere que os adolescentes denotariam uma preocupação até aí inexistente, sendo todos iguais perante a lei (igualdade), compreendendo que os deveres implicam direitos e os direitos implicam deveres (reciprocidade)”92.

Do exposto, podemos concluir que a compressão da moralidade está condicionada por fatores ambientais, tais como: a interação entre iguais, as práticas educativas, a escolaridade e os diversos aspetos da cultura onde os adolescentes estão inseridos, crescem, desenvolvem e se reestruturam. “Esta reestruturação implica a opção por valores, a orientação sexual, a descoberta da identidade, a decisão vocacional e a integração social”93

. Seja como for, é certo que a adolescência é um processo evolutivo em que o sujeito experimenta a sua capacidade para decidir responsavelmente, optar por um sistema de valores com consciência do que faz, configurar o seu próprio destino, adotar um estilo de vida que o realize.

A experiência envolve toda a personalidade adolescente: cognição, emoção e afeto, ética, ação, espiritualidade e religiosidade. Mas como convive o adolescente com a experiência religiosa e espiritual?

91 Orlando M. LOURENÇO, Psicologia do desenvolvimento moral: teoria, dados e implicações, Almedina, Coimbra, 1992, 103.

92 Ibidem. 93

Analisaremos esta questão no ponto seguinte, mas permitimo-nos antecipar que a religiosidade na adolescência dá-se, obviamente, a partir das crenças e valores que lhe foram transmitidos pela herança familiar e que tendem a ser contestados.