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CAPÍTULO II – DA FECUNDIDADE DO EU AO PARTO DO NÓS: FAMÍLIAS

2. Novo paradigma educativo: inteligência ou inteligências?

2.3. Educar para a inteligência espiritual segundo Danah Zohar e Ian

2.3.2. Seis caminhos para uma maior inteligência espiritual (dever, cuidar,

Já constatámos que a inteligência espiritual projeta à profundidade do ser, do eu, refletindo a causa e a razão de ser das coisas, o sentido da nossa própria existência.

Vivemos para quê? Qual o melhor caminho a seguir? E eu, qual devo seguir? A ideia de caminho remete-nos para o sentido e a integridade mais profunda de cada um

de nós. O caminho que escolho é a viagem que faço pela vida. O que levo na bagagem? Sou eu que faço o caminho ao caminhar ou é o caminho que me arrasta? O que me motiva? O que me faz caminhar? “Seguir um caminho com inteligência espiritual ou um caminho com o coração é estar profundamente comprometido e dedicado”145

. Seguir um caminho significa que há vários e que cada um de nós tem a faculdade de escolher o que o realiza e o faz ser feliz. Assim, também não existe um só modo de ser espiritualmente inteligente, nem um caminho que seja melhor que os outros. Nas sendas de Danah Zohar e Ian Marshall, propomos seis caminhos diferentes de vida que levam a uma maior inteligência espiritual:

O caminho do dever – refere-se à pertença, à cooperação, à contribuição

no seio da comunidade. Para seguirmos o caminho do dever de um modo espiritualmente inteligente, dizem-nos estes autores, devemos “querer pertencer a um grupo, assumir um compromisso interior com a minha pertença a ele e compreender porque o faço”146

. O mesmo é dizer que dentro da minha comunidade, seja ela familiar, escolar, civil ou religiosa, vivo as rotinas como um ato sagrado, cada ação que levo a cabo e cada atitude que defendo é uma celebração da forma como o dever e as obrigações servem o centro e a fonte da existência. Esta atitude faz-nos evitar os preconceitos e o dogmatismo, mas também nos protege de seguir o grupo cegamente e sem espirito crítico por referência ao bem e ao mal.

O caminho do cuidado – está relacionado com amar, cuidar, proteger e fertilizar. E o que é o amor? S. Paulo dá-nos a mais bela definição:

“Se eu falasse todas as línguas, as dos homens e as dos anjos, mas não tivesse amor, seria como um bronze que soa ou um címbalo que retine.

Se eu tivesse o dom da profecia, se conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, se tivesse toda a fé, a ponto de remover montanhas, mas não tivesse amor, nada seria. Se eu gastasse todos os meus bens no sustento dos pobres e até me fizesse escravo, para me gloriar, mas não tivesse amor, de nada me aproveitaria.

O amor é paciente, é benfazejo; não é invejoso, não é presunçoso nem se incha de orgulho; não faz nada de vergonhoso, não é interesseiro, não se encoleriza, não se alegra com a injustiça, mas fica alegre com a verdade. Ele desculpa tudo, crê tudo, espera tudo, suporta tudo. O amor jamais acabará” (1Cr.1,1-7).

145 Ibidem, 246.

146

Estas palavras indicam-nos, de uma forma ímpar, o modo como sermos espiritualmente inteligentes e avançarmos pelo caminho do cuidar. Neste sentido, devemos ser “mais abertos para com a pessoa ou pessoas com quem temos uma relação positiva, aprender a ser recetivos e ouvir com o Eu verdadeiro, estarmos dispostos a abri-nos, a ficar expostos, a correr o perigo de não ocultar nada aos outros”147. Em suma, devemos ser transparentes, iguais a nós próprios, verdadeiros e espontâneos, com alma de criança que confia e se confia, ama e deixa-se amar, porque: “o amor que corresponde a uma inteligência altamente espiritual é transformador, abre-nos a uma expressão mais elevada de nós mesmos e permite que o outro vá mais além de si mesmo”148

.

O caminho do conhecimento – que possibilita o diálogo entre razão e fé,

ou seja, encerra a inteleção de problemas práticos ou gerais, a procura filosófica da verdade, mas também, a procura espiritual de Deus e da sua Vontade:

“Trata-se de um caminho que começa pela simples curiosidade e necessidade prática, mas que, à medida que a paixão se aprofunda, nos leva ao limite do que o nosso entendimento e até o nosso ser pode conter. O Deus hebreu falou ao seu povo através da sarça-ardente. O conhecimento profundo leva-nos a ser quase consumidos por esse fogo”149

.

Leva-nos a morrer para o que é velho e a nascer para o novo, e este renascimento brota de um conhecimento que nasça da oração, da meditação e da reflexão.

Caminho da transformação pessoal – Este caminho é, no entender destes

autores, aquele que mais está relacionado com a área Deus da atividade cerebral, com personalidades mais sensíveis às experiencias místicas, com as emoções mais extremas e que muitas vezes parecem perder até a própria sanidade mental. Lembremos a título de exemplo S. Francisco de Assis, a quem tantas vezes apelidaram de louco. E o modo como andava ele pelas ruas de Assis a gritar: “O amor não é amado”. Digamos que estas pessoas vivem num conflito permanente, entre o limite da luz e das trevas, do júbilo e do desespero. “O medo dos conflitos ou a tentativa de os evitar representam um afastamento da inteligência espiritual; a predisposição para enfrentar e tentar resolver os conflitos é uma forma de se aproximar dela”150

. Reside aqui a viagem espiritualmente 147 Ibidem, 258. 148 Ibidem, 260. 149 Ibidem, 262. 150 Ibidem, 273.

mais inteligente que é a travessia até ao centro, que não se faz sem o aniquilamento, sem uma atitude incondicional de fé, que faz vencer todos os conflitos, todos os medos, dos quais o mais profundo é o medo da morte.

O caminho da irmandade – neste caminho, dá-se primazia ao bem comum

e ao valor dado à dignidade humana, de todas as criaturas, do amor sem limites, também pelo meu inimigo, é ser capaz de um sentido de justiça apurado e a “justiça requer um sentido de igualdade de todas as exigências que possam fazer-me a qualquer nível, e um sábio reconhecimento de que os indivíduos são diferentes e de que os conflitos fazem parte real da vida”151

. Seguir neste caminho, e voltando ao caminho espiritual de S. Francisco, é sentir-me o mais pequenino de todas as criaturas, por isso, a todas reconheço como irmãs, das quais o Pai é o criador.

Caminho da liderança e do serviço – é o caminho da liderança feita como

um serviço que cria novas visões e traz novas possibilidades. “Cada um de nós é um servidor de Deus (…). Os líderes que se tornam conscientes do serviço neste sentido sabem mais que a sua família, a sua comunidade, a sua empresa ou nação (…)”152

. Um líder, inspirado pelo desejo de servir, é uma pessoa responsável por trazer visão e valores mais altos aos demais e por lhes mostrar como usá-los. É uma pessoa inspiradora, recria novas formas de relacionamento, cria laços, abre horizontes novos de realização, entra em sintonia com Jesus quando diz: “Eu vim para servir e não para ser servido” ou ainda “Não a minha vontade mas a vossa”.

Cada um destes seis caminhos no sentido da inteligência espiritual tem uma progressão que parte do espiritualmente doente para o espiritualmente inteligente. Percebe-se aqui a dimensão do aperfeiçoamento humano.

Neste seguimento, Danah Zohar e Ian Marshall, apresentam os sete passos práticos para melhorar a inteligência espiritual. São eles: “Tomar consciência de onde estou agora; sentir com força o que quero mudar; refletir sobre o que é o meu próprio centro e qual é a base das minhas motivações profundas; descobrir e dissolver obstáculos; explorar diversas possibilidades de avanço; comprometer-me com um caminho; não me esquecer que há muitos caminhos”153

. 151 Ibidem, 278. 152 Ibidem, 282. 153 Ibidem, 286.

Veremos no capítulo seguinte que a natureza intrínseca da Educação Moral e Religiosa Católica, assume particular relevância, em todo este percurso, uma vez que o ser humano tem, por natureza, uma vocação para a transcendência; procura um sentido para a sua vida e para a sua existência e esta disciplina abre horizontes e encarna competências facilitadoras do integral desenvolvimento humano, como veremos ao analisar, no ponto seguinte, as chaves pedagógicas para a educação da inteligência espiritual na disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica.

CAPÍTULO IV - EDUCAÇÃO MORAL E RELIGIOSA CATÓLICA SUBSIDIÁRIA