• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II – DA FECUNDIDADE DO EU AO PARTO DO NÓS: FAMÍLIAS

1. Natureza sistémica do ser humano, espiritualidade, religião e fé

1.3. Relação entre espiritualidade, religião e fé

Através dum olhar sobre as diferentes religiões e o modo como os crentes se comprometem com elas, percebemos que facilmente o ser humano resvala para uma vida sem sentido, apesar das suas crenças. Daí que corrobore a versão de Robert Solomon ao sublinhar que:

“(…) espiritualidade não significa crença no Deus judaico-cristão-islâmico e não se restringe a ela, a crença em Deus não constitui espiritualidade. Não há dúvida

118

Danah Zohar é filósofa, física, pós-graduada em Filosofia, Religião e Psicologia na Universidade de Harvard e é professora na universidade de Oxford. Ian Marshall, formou-se em Psicologia e Filosofia em Oxford antes de terminar os seus estudos de Medicina na Universidade de Londres. É psiquiatra e psicoterapeuta. É casado com Danah Zohar e publicaram juntos vários livros.

119

de que, para a maioria dos judeus, cristãos e muçulmanos, a crença em Deus é um componente essencial da espiritualidade. Ainda, assim, não é necessário ser religioso – muito menos pertencer a uma religião organizada – para ser espiritual. Todos conhecemos pessoas que se afirmam e se acreditam devotas, mas são tão desprovidas de espiritualidade quanto um copo vazio”120.

Concluímos, portanto, que a espiritualidade e a religião não são a mesma coisa. Todavia, é importante captarmos a relação existente entre ambas. Usando uma metáfora, podemos dizer que a espiritualidade é a água e a religião é o recipiente que a contém e lhe dá forma e conteúdo. As religiões e em concreto, a religião católica, oferecem uma linguagem para explorar, abrir e gerir a busca humana da plenitude. O fenómeno religioso além de fornecer uma forma de vida ética e moral, também leva o crente a fundamentar e a dar sentido à compreensão de si mesmo na relação com os outros, com o mundo e com o transcendente. A este propósito, Torralba afirma que: “A religião e a espiritualidade são, portanto, duas realidades distintas que, contudo, estão interconectadas, e ambas contribuem para a formação das pessoas”121

.

Toda a pessoa que se interroga sobre o mistério de si mesmo, a sua origem, a sua missão, a sua dignidade e o seu destino último, e ainda, se questiona sobre o mundo que o rodeia, descobre sinais de Alguém que de si diz: “Eu sou o Alfa e o Ómega, Aquele que é, que era e que vem, o Deus todo-poderoso” (Ap 1,8).

A vida espiritual é a busca constante de sentido para a vida. E podemos encontrar este sentido em Cristo. Pois ao reconhecer que a sua vida e a do universo está ligada a esse Alguém, surge na pessoa, a atitude religiosa ou a ligação ao transcendente. Esta atitude religiosa leva o crente a manifestar, das mais diversas maneiras, a sua ligação a esse Alguém através de gestos de adoração, celebração e culto. A religião provém desse conjunto de atitudes, sentimentos, comportamentos e manifestações de índole individuais ou comunitárias. Daí dizer-se que o ser humano é naturalmente religioso, sendo a religião uma constante na história da humanidade. A Constituição Pastoral Gaudium et Spes, afirma que:

120 Robert SOLOMON, Espiritualidade para céticos: Paixão, verdade cósmica e racionalidade no século

XXI, Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 2003, 18.

121

“O mistério do homem só se esclarece verdadeiramente no Verbo Incarnado. Cristo, na mesma revelação do Pai e do Seu amor, manifesta perfeitamente o homem ao próprio homem e descobre-lhe a sublimidade e vocação”122.

A religião brota do impulso humano para o Transcendente, ao qual se responde pela fé. A pessoa pode aceitar ou recusar a revelação proposta por Deus, porque Deus nunca se impõe: propõe-se, apresenta-se, dá-se e comunica-se.

Frequentemente, também se associa a dimensão espiritual da pessoa à transmissão de crenças. Se é verdade que não se pode desligar a espiritualidade de um conjunto de crenças adquiridas pela pessoa, também é importante percebermos a relação que existe entre uma e outra.

A fé cristã, não é em primeira instância adesão a verdades, mas adesão a Alguém: Ao Deus de Jesus Cristo que tomou a iniciativa de se revelar e auto comunicar ao ser humano. É a experiencia vital de confiança, de sentir-se enraizado no “Senhor, minha Rocha” (Sal 144).

A fé, portanto, não se treina na cabeça, mas nas entranhas. Não é admitir ideias, mas fazer a experiência de sentir-se radical e definitivamente sustentado, de um modo incondicional, por um Deus que me ama sem limites. A fé transcende a mente. No Evangelho, os cristãos encontram propostas de vida, mais que um compêndio de doutrinas. É o próprio Jesus que o afirma: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). A Fé cristã é a confiança em Jesus como fonte de vida eterna e vida em plenitude.

E se é verdade que não se pode amar o que não se conhece, há que cultivar o diálogo entre a fé e a razão a fim de não se cair numa fé cega ou fideísta, incapaz de dar aos outros as razões de crer. “Reconhecei Cristo como Senhor, estando sempre prontos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que vos perguntar” (1Ped 3,15).

Ser consciente é saber-se existindo, é perceber que se faz parte de um Todo que se transcende a si mesmo, é desfrutar e viver com atenção plena a tudo o que é no presente. Assim, fé e inteligência devem estar presentes na nossa vida. Deus, na sua infinita bondade deseja que obedeçamos fielmente às suas leis e preceitos e que sejamos sábios e inteligentes: “Portanto, ponde tudo em prática, pois isso vos tornará sábios e inteligentes diante dos povos” (Dt. 4,6).

122

Esta inteligência é também ela um dom de Deus, conforme refere o Catecismo da Igreja Católica:

“A questão das origens do mundo e do homem é objeto de numerosas pesquisas científicas que enriqueceram magnificamente os nossos conhecimentos sobre a idade e as dimensões do cosmo, o devir das formas vivas, o aparecimento do homem. Tais descobertas convidam-no, cada vez mais, a admirar a grandeza do Criador, e a dar-Lhe graças por todas as suas obras, e pela inteligência e saber que dá aos sábios e investigadores. (…)”123

.