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CAPÍTULO II – DA FECUNDIDADE DO EU AO PARTO DO NÓS: FAMÍLIAS

2. Os adolescentes que temos

2.2. O adolescente e as fases do seu desenvolvimento

A adolescência é hoje considerada uma etapa do desenvolvimento humano, que requer que se atinja um grau de autonomia própria desta fase do ciclo de vida pela passagem de uma situação de dependência infantil para a inserção social e a formação de um sistema de valores que definem a idade adulta. Esta autonomia, como nos relata Daniel Sampaio, “diz respeito não só à progressiva separação dos pais, mas também está relacionada com a capacidade de decidir e com segurança em si próprio, nos comportamentos e nos valores do adolescente”70

. Assim, vamos perspetivar fazer uma evolução do adolescente em três fases, com características (Quadro 2) próprias, resultantes da capacidade de aquisição e assimilação de certas competências. Em cada uma destas fases, “a ideia de transição marca a personalidade do adolescente e esta vai evoluindo gradual e progressivamente”,71 como foi atrás referido.

Quadro 2 – Evolução das principais caraterísticas da adolescência ao longo da idade.

Aspetos Fases Físicos O corpo Cognitivos O pensamento Sociais A vida social Pessoais O Eu Inicial (11-14) Intermédia (13-16 A) Final (15-21 A)

Adaptado de Tavares & Alarcão (2002) – in 72

Deste quadro podemos inferir uma perspetiva holística, evolutiva e integrativa das características que se desenvolvem ao longo da adolescência e que marcam a sua personalidade. Em cada fase, conseguimos verificar a ampliação de um conjunto de características que se expandem nas fases anteriores e posteriores.73

Ao observarmos o quadro 2, verificamos que as mudanças físicas são mais evidentes na primeira fase, assinalada como puberdade ou pré-adolescência; na segunda fase, a intermédia, ou adolescência propriamente dita, destaca-se o desenvolvimento cognitivo; na terceira fase, coincidindo com o final da adolescência, são enfatizados os

70 Daniel SAMPAIO, Vozes e Ruídos Diálogo com Adolescentes, Editorial Caminho, Lisboa, 199810, 102. 71 José TAVARES, et al., Manual de Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, op. cit., 66. 72 Ibidem.

73

aspetos sociais. Mas estas fases não são estanques nem independentes, estão presentes e interferem no modo como cada uma é ultrapassada74.

2.2.1. Desenvolvimento físico na adolescência – puberdade

A puberdade é um fenómeno físico que se pode diferenciar da adolescência. É um período de crescimento rápido e de maturação sexual que marca o fim da infância e aproxima o adolescente da adultez. Borobio, ao referir-se às mudanças físicas na adolescência, diz que “o crescimento biológico supõe uma mudança real na figura corpórea, nos diversos membros e órgãos do corpo, que faz com que o adolescente venha a ter e a oferecer aos demais uma determinada imagem de si mesmo, identificante da sua personalidade”75

.

Na verdade, são muitas as transformações que ocorrem durante a puberdade, no entanto, não é nosso intuito explorar exaustivamente estas mudanças.

No quadro seguinte, podemos apurar algumas destas transformações. Quadro 3 – Principais caraterísticas físicas na adolescência.

Raparigas Rapazes

Os ovários iniciam a produção de estrogénio e progesterona.

O útero e a vagina começam a tornar-se mais volumosos.

Os seios desenvolvem-se.

Aparecem os pelos púbicos e inicia-se a menstruação.

Paralelamente à aparição de pelos, produz-se uma modificação interna dos órgãos genitais, aumentando o tamanho dos ovários e do útero. No final da puberdade, o corpo de uma rapariga é já o de uma mulher.

Bacia alarga, enquanto o alto do corpo se torna mais fino, sendo possível um certo aumento de peso.

Os testículos iniciam a produção de testosterona. Os testículos e o escroto aumentam de volume. O rapaz fica mais alto.

A massa muscular desenvolve-se. O tórax e os ombros alargam.

distribuindo-se pilosidade nos membros superiores e inferiores, nas axilas e no peito.

A voz torna-se mais grave.

A barba começa a despontar e por vezes também as desagradáveis borbulhas.

É geralmente entre os 12 e os 15 anos, que começam a ocorrer as ejaculações noturnas.

Nos conteúdos do quadro 3, vemos que as caraterísticas das mudanças físicas acontecem a dois níveis: as caraterísticas sexuais primárias, mais direcionadas para a reprodução e as características sexuais secundárias que distinguem os dois sexos, se é homem ou mulher. Se é verdade que o peso da hereditariedade exerce aqui um papel preponderante, o mesmo se pode dizer que estas características estão fortemente

74 Ibidem.

75 Dionisio BOROBIO, Sacramentos y família, para uma antropologia y pastoral familiar de los

marcadas pelo meio ambiente: alimentação, saúde, práticas de exercício físico, padrões culturais, o local onde se vive, as condições psicológicas, entre outras.

A imagem corporal reveste-se de suma importância nesta fase do ciclo de vida, interferindo no conceito positivo de si mesmo e no seu bem-estar psicológico. Já as “dificuldades enfrentadas pelo próprio ao adaptar-se a estas alterações são reflexo, em parte, dos padrões socioculturais relacionados com a atração física no autoconceito dos adolescentes”76

.

Ao valorizar e pensar no corpo e nas suas mudanças, o adolescente exercita o raciocínio e o pensamento abstrato.

2.2.2. – Desenvolvimento cognitivo na adolescência

O pensamento adolescente que se diferencia do mundo infantil, no modo como aborda o real, é marcado por um conjunto de modificações. Por um lado, o aumento das capacidades de abstração, por outro, o alargamento das perspetivas temporais. De acordo com Jean Piaget, o adolescente tem uma facilidade enorme para elaborar teorias abstratas. “Ora, o arranque desta nova forma de pensamento, por ideias gerais e construção abstratas, efetua-se na realidade de maneira bastante contínua e menos brusca do que parece, a partir do pensamento concreto da segunda infância”77. Assim, esta fase situa-se entre os 13 e os 16 anos, assistindo-se a uma progressiva transição do pensamento operatório e concreto para o pensamento formal e abstrato, como podemos observar no quadro seguinte.

Quadro 4 – Fatores comprovativos entre o pensamento infantil e o adolescente (Piaget 1990)

Pensamento Infantil Pensamento adolescente

O pensamento é limitado ao ‘aqui e agora’. Incapacidade em estabelecer ligações entre si e os factos verificados.

Pensamento limitado ao que de facto existe. Pensamento unicausal e sem qualquer planificação prévia da sua resolução.

Pensamento apenas sob a própria perspetiva.

Capacidade em pensar no futuro e estabelecer um plano de vida.

Capacidade em construir teorias explicativas, cruzar conceitos e deduzir axiomas.

Capacidade em pensar sobre as coisas que não existem e que pertencem ao domínio do impossível, o que permite a reflexão sobre diversas temáticas com maior ou menor grau de abstração.

Capacidade em planificar a resolução de problemas através da formulação e manipulação de hipóteses. Capacidade para pensar sob a perspetiva do outro.

76 José TAVARES, et al., Manual de Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem, op. cit., 70. 77 Jean PIAGET, Seis estudos de psicologia, D. Quixote, Lisboa, 199010, 91.

O pensamento operacional formal é um pensamento hipotético, lógico e abstrato. Este pensamento possibilita, ao adolescente, tratar com o possível, o hipotético, o futuro e o remoto. Com esta nova capacidade de raciocínio abstrato, os adolescentes são capazes de discutir a natureza humana, o bem e o mal, a verdade e a justiça e de detetar inconsistências nos raciocínios dos outros, entre os seus ideais e ações.

A capacidade de raciocinar, em desenvolvimento no adolescente, proporciona- lhe, um novo nível de consciência social e de julgamento moral, que vão determinar a construção da sua identidade.

À construção da identidade daremos particular ênfase no ponto seguinte.