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Desenvolvimento por meio do turismo e das políticas patrimoniais

São João Del Rei tem utilizado seu patrimônio material e imaterial para o desenvol- vimento econômico, em especial pela indústria turística. Para divulgação do mu- nicípio e consequente atração de turistas, vêm sendo utilizados variados meios de comunicação: sites, folders, cartazes, livros, mapas, guias, adesivos, campanhas de TV e rádio. Em geral, são peças de qualidade, em português e, alguns, em inglês, com fotos e mapas que exibem o centro histórico de São João Del Rei, suas prin- cipais manifestações culturais e dados importantes para recebimento de turistas, como hotéis, restaurantes, roteiros, informações históricas e gerais sobre o municí- pio. Algumas dessas peças são desenvolvidas em parceria com municípios vizinhos, cidades inseridas no mesmo circuito ou com a mesma temática histórica, demons- trando a atual tendência de regionalização e uma manifestação de cooperação e união, que faz com que haja maior força política, econômica e de marketing. No que se refere aos roteiros, Barreto (2000) argumenta que sua confecção é fundamental quando os atrativos no ambiente urbano encontram-se espalhados. A adminis- tração municipal esforçou-se também para ganhar, em 2007, o título de “Capital Brasileira da Cultura”, o que trouxe ao município maior expressividade nacional.

As ações desenvolvidas para o desenvolvimento turístico ainda se apresentam desarticuladas, sem integração entre os setores público e privado e sem partici- pação comunitária. O “Plano de Desenvolvimento Turístico de São João Del Rei”, confeccionado pela Universidade Federal local, propunha-se a fundamentar uma política integrada de desenvolvimento turístico, mas está ultrapassado e em de- suso. O Município criou o Conselho Municipal do Turismo que, no entanto, não é atuante. Deste modo, na prática, o que se tem feito é submeter, em ações isoladas, o patrimônio cultural local a uma adaptação para atender a critérios turísticos.

Uma das ações para o desenvolvimento turístico, realizadas pelo poder pú- blico local há cerca de vinte anos, foi a divisão da cidade em setores turísticos, implantando-se placas interpretativas nos bens históricos, assim como mapas de localização e fotos referenciais de época. Atualmente, as placas estão em péssimo estado de conservação, com muitas marcas de vandalismo.

Outra ação do poder público local, visando o turismo no município, foi a re- forma do coreto da cidade. Ao restaurar o local e retirar do coreto o bar que ali funcionava, transformou-se o conceito popular do uso da praça para um uso tu- rístico, instalando-se no coreto um Centro de Atendimento Turístico (CAT).

Alguns projetos desenvolvidos emprestaram um caráter de cenário aos con- juntos arquitetônicos, como o “Projeto de Fachadas no Conjunto Histórico”, que visa promover reformas das fachadas de exemplares menores (como residências e comércios) e a padronização das placas publicitárias, assim como o projeto “Cores Del Rey”, que, em parceria com empresas de tinta, promove a pintura de várias fachadas históricas da cidade.

Essas medidas têm como objetivo, principalmente, o desenvolvimento eco- nômico de São João Del Rei pela atração de turistas, não levando em conta o de- senvolvimento social e o bem-estar dos cidadãos do município. Assim, acabam por acentuar o distanciamento da comunidade dos bens históricos, que acabam tornando-se, com o tempo, insustentáveis. O vandalismo observado nas placas de interpretação patrimonial implantadas nos bens históricos é um caso típico de não envolvimento da comunidade, que não assumiu ou adotou a iniciativa do poder público.

Nem toda a população são-joanense e nem todo o patrimônio (o vernacular, cotidiano) estão sendo envolvidos no processo de desenvolvimento do turismo. A população tem sido mantida à distância, dificultando o desenvolvimento inte- grado da cidade. Existem problemas estruturais, falta integração entre os setores, propostas de ações sem envolvimento ou consentimento dos habitantes da ci- dade. Estes não têm sido ouvidos, para que se possa saber o que querem e como querem que a cidade se desenvolva. Não foram criadas formas de mediação que possam detectar vocações, potencialidades e deficiências que ajudem na tomada de consciência dos problemas e reivindicações da população. Há apenas um pro- jeto, de iniciativa privada, que resgata, pelo teatro, a cultura popular dos distritos do município.

Um dos aspectos mais visados do desenvolvimento turístico é seu efeito mul- tiplicador, propiciando não só o crescimento das atividades econômicas locais, como também a inserção e/ou manutenção das pessoas no mercado de trabalho. Se, por um lado, nota-se o crescimento no número de estabelecimentos e de em- pregos, bem como a presença maciça de trabalhadores do município, por outro

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lado, não se veem esforços includentes ou distributivos. Para Coriolano (2003), se não há distribuição dos benefícios econômicos trazidos pelo turismo, não há desenvolvimento — que deve ser acima de tudo social — mas apenas crescimento econômico.

Além disso, a exclusão dos moradores locais das práticas de turismo prejudica sua ascensão social, assim como atrasa o processo de conscientização patrimonial. Entre a população local, poucos têm acesso aos atrativos, como é o caso do Passeio de Maria Fumaça realizado entre a cidade de São João e Tiradentes. Também é pe- queno o envolvimento local em atividades de apoio aos turistas, como guias ou receptivo. A despeito da criação de uma cooperativa, ainda é baixo o grau de co- nhecimento e capacitação para esse tipo de atividade no município.

Com relação à política patrimonial de São João Del Rei, está prevista a elabo- ração do “Plano Municipal de Proteção Legal e Incentivo à Preservação dos bens Móveis, Imóveis e Imateriais”, visando à ampliação do acervo dos bens prote- gidos, incentivos mediante benefícios diferenciados aos proprietários e regula- mentação do uso de placas comerciais por normas. É importante que as políticas ligadas à preservação do patrimônio cultural se deem, prioritariamente, em âm- bito municipal, dado o caráter especificamente local tanto no que diz respeito à elaboração de planos, inventários, intervenções, quanto no que se refere à gestão desses bens.

Em Minas Gerais é significativa a atuação do chamado “ICMS Cultural nos Municípios”, em virtude de lei estadual que retorna aos cofres municipais parte do valor recolhido pelo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Esta lei garante repasse de parte do ICMS arrecadado pelo estado aos municípios que investirem, entre outras políticas, na preservação do patrimônio cultural. Os investimentos na preservação do patrimônio e o consequente repasse do ICMS são calculados pela pontuação relativa às ações de preservação empreendidas pelas administrações.

Com relação ao investimento da verba repassada ao município pelo chama- do ICMS Cultural, os números evidenciam, em São João, que há pouca ênfase na questão de preservação de bens materiais. No ano de 2004, exercício 2005, por exemplo, R$ 503.347,43 foi o total da verba destinada a preservação; para mani- festações culturais, foram investidos R$ 437.477,53 (87% da verba total), dos quais R$ 75.000,00 foram destinados ao Carnaval; para bens materiais, foi destinado o

montante de R$ 65.869,90 (13% da verba total). Com relação a essa distribuição de verbas, cumpre destacar:

a) não há divulgação eficiente das ações de preservação e manutenção de bens imateriais;

b) o incentivo ao Carnaval apresenta mais malefícios que benefícios para a cidade, uma vez que é um evento, na sua atual forma de organização, que gera um fluxo desorganizado de turistas, a degradação do ambiente urba- no e não acrescenta nada à memória cultural da cidade;

c) o percentual destinado à preservação de bens materiais é muito reduzido, considerado o custo de elaboração de planos, gestão e manutenção pro- priamente dita desses bens.

Ainda sobre o ICMS Cultural, o Gráfico 1 demonstra a evolução da pontuação do ICMS Cultural em São João:

GRáFIco 1 — Evolução da pontuação do ICMS Cultural — São João Del Rei — 1996-2008

Fonte:Elaboração própria.

De 1996 até 2001, os municípios pontuavam pela simples existência de bens tombados — com dossiês aprovados pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA) em seu território. Não existia a necessidade de comprovação de investimentos no patrimônio, nem de política

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cultural local, nem de um plano de inventário que garantisse a continuidade do trabalho proposto. A partir do ano de exercício 2002, com a modificação da legis- lação, as cidades passaram a ter que fazer tais comprovações. Nesse ano, o gráfico torna patente o que vinha acontecendo de fato em São João Del Rei: o município, que há anos ostentava 16 pontos, encontrou sua realidade nos 4,80 pontos. Isto indica o descaso do poder público até 2005 e a ausência de investimentos em seu patrimônio. A partir do ano de exercício seguinte, percebemos ascendência na pontuação, em especial na atual administração. Resta saber a destinação das ver- bas correspondentes na atualidade.

À primeira vista, a oscilação mostrada pelo gráfico sugere que teria havido uma mudança de mentalidade no sentido de salvaguardar o patrimônio, mas uma análise mais profunda das políticas patrimoniais em geral indica maior preocupa- ção na obtenção dos recursos financeiros que em mudanças efetivas resultantes da formulação de ações consistentes.

É importante lembrar que o patrimônio de São João Del Rei não se constitui apenas de seu centro histórico, com seus monumentos tombados. O município possui diversidade de construções, manifestações diárias de cultura, de saber fa- zer. É este o seu diferencial, que, se por um lado, não está devidamente reconheci- do pelas políticas públicas, por outro apresenta grande potencial para uma correta valorização, pois não foi espetacularizado e cenarizado, como é o caso de sua cida- de irmã, Tiradentes. Deste modo, não se constata homogeneização dos espaços ou perda de identidade, significado e conteúdo. São João Del Rei tem ainda a possibi- lidade de ofertar atrações mais autênticas relacionadas ao cotidiano do município.

Participação de todos em prol de um desenvolvimento integrado e