• Nenhum resultado encontrado

DESENVOLVIMENTO: UM CONCEITO POLISSÊMICO E MULTIDIMENSIONAL

3. DESENVOLVIMENTO: ORIGEM E EVOLUÇÃO DE UM CONCEITO

3.1. DESENVOLVIMENTO: UM CONCEITO POLISSÊMICO E MULTIDIMENSIONAL

O termo desenvolvimento deriva do latim volvere, utilizado pela primeira vez em 1844 (CUNHA, 1999), podendo atualmente significar, ou seja, ter como objetos desse símbolo: 1. Ampliação e Amplificação; 2. Progresso, Incremento e Crescimento; 3. Medrança (BUENO, 1974). O desenvolvimento, por sua amplitude é utilizado em diversas áreas de conhecimento científico e tecnológico como a biologia, a sociologia e também a economia, passando pelos discursos políticos, culturais e territoriais (GÓMES, 2007). Por este motivo, a autora considera o desenvolvimento como um conceito polissêmico e multidimensional, cujos significados foram ganhando novos valores com o tempo.

O desenvolvimento dentro de um contexto político foi usado pela primeira vez em um discurso feito pelo presidente Truman em 1949, referindo-se ao subdesenvolvimento, relacionando-o aos países do Terceiro Mundo, homogeneizando esse grupo tão diverso (RIST, 2001; GÓMEZ, 2007). Com essa modificação do significado da palavra desenvolvimento, perdeu-se um pouco a história e ganhou-se poder, de modo que é possível acreditar que “o exercício de poder é ligado ao uso das palavras: a retórica e a arte de persuadir; mais vale convencer do que recorrer à força.” (RIST, 2001, p. 125). Este artifício é utilizado de diversas formas e com diversas palavras, de acordo com a necessidade daqueles grupos dominantes que desejam manter-se no poder.

A ideologia é outro exemplo claro de que a modificação das palavras é mais importante do que recorrer à força, pois ela ganhou tanto espaço que passou a significar tudo e qualquer coisa, sendo posteriormente descartada por diversos estudiosos. Porém, a palavra tinha o seu valor, que foi justamente o de distinguir entre as lutas de poder; o seu descarte serviu tão somente para aumentar o poder da classe dominante, levando a população a esquecer-se das lutas de classe (EAGLETON, 1997). A divisão em classes sociais é, aliás, assunto proibido nos EUA, pois não admitem que a classe social seja um fator que interfere na saúde, na expectativa de vida, associando, em seu lugar, a uma questão racial

30 30 30 30 3. Desenvolvimento: Origem e Evolução de um Conceito

(CHOMSKY, 1997). Pretendem mostrar que os negros vivem menos, são mais suscetíveis a doenças, quando na realidade, quaisquer indivíduos, independente de raça, que viva em condições de pobreza não terão a mesma qualidade de vida que os ricos (que podem ser de qualquer raça ou religião).

Esse tipo de preconceito não é recente. Na Antigüidade, homens que se consideravam superiores justificavam a escravidão pela condição naturalmente inferior de certas categorias... Para Aristóteles (2008, p.54), na

pólis

, havia homens e mulheres que se uniam para formar famílias, mas havia também,

por natureza, visando à conservação das espécies, um ser que comanda e outro que obedece: aquele que é capaz de previdência, por sua inteligência, é por natureza o senhor; e aquele que é capaz, pelo vigor de seu corpo, de pôr em ação aquilo que o senhor prevê, é um súdito e, por natureza, um escravo; por conseguinte, senhor e escravo têm o mesmo interesse.

Esses escravos faziam parte da família do senhor e buscavam algum tipo de benefício vivendo na cidade, bem como o seu senhor. Para Rousseau, há dois tipos de desigualdade entre os homens, dispondo-se a buscar suas origens e refletir de forma mais aprofundada. Diz ele:

Concebo na espécie humana dois tipos de desigualdade: uma a que chamo de natural ou física, por ser estabelecida pela natureza, e que consiste na diferença de idades, de saúde, das forças do corpo e das qualidades do espírito ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral, ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e é estabelecida, ou pelo menos autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios, de que gozam alguns em prejuízos de outros, como o de serem mais ricos, mais homenageados, mais poderosos ou mesmo de fazerem obedecer. (ROUSSEAU, 1985, p. 48).

A desigualdade física é natural, ou seja, sempre existiu, pois os homens são realmente diferentes nesse sentido, mas com o advento da linguagem e de uma vida sedentária, a diferença entre os homens foi se intensificando. A desigualdade moral, entretanto, teve uma origem. De acordo com Rousseau (1985), a igualdade entre os homens desapareceu com a introdução da propriedade e quando um homem precisou do auxílio de outro para ter tudo o que precisa para viver, já que antes, cada um era capaz de produzir sua moradia, sua vestimenta e de adquirir seus próprios alimentos. Seguindo o seu raciocínio, não há homens melhores ou piores, mas apenas homens em diferentes estágios de desenvolvimento e que o homem deveria ter permanecido no estágio primitivo, pois

31 31 31 31 3. Desenvolvimento: Origem e Evolução de um Conceito

“todos os progressos ulteriores foram em aparência, outros tantos passos para a perfeição do indivíduo, mas, na verdade, [serviram tão somente] para a decrepitude da espécie.” (ROUSSEAU, 1985, p. 92).

Se tivéssemos levado em consideração as palavras de Rousseau, talvez o rumo da história tivesse sido diferente, mas seus argumentos não eram interessantes para a manutenção de uma classe dominante. Contemporâneo a ele, Montesquieu elaborou uma teoria muito interessante, que justificava o domínio de um grupo social sobre outros, ou de um povo sobre outro, ou de um homem sobre outro. Montesquieu (2005, p. 236) formula a teoria dos climas, afirmando que o clima é responsável pela constituição de cada ser e sua relação com os outros, pois “os povos dos países quentes são tímidos tal qual os anciãos; os dos países frios são corajosos tal qual os jovens.”, assim, devem ser aplicadas leis diferentes em cada uma dessas regiões. Para ele, os povos que vivem em climas quentes são mais atrasados que os povos de clima frio, pela sua preguiça e maior libido, justificando, dessa forma, o domínio dos povos de climas quentes pelos povos de climas frios.

Também para justificar escravidão, utilizando-se das descobertas sobre a evolução das espécies, os homens perceberam que existia uma diferença fundamental entre o tamanho do crânio dos humanos e dos outros primatas. Dessa forma, medições de crânios humanos foram feitos a fim de se afirmar que os negros eram inferiores1 e que, portanto,

deveriam ser eles escravizados (GOULD, 1991). No entanto, o encéfalo de todos os mamíferos é bastante desenvolvido, incluindo um neocórtex responsável pela fala (HICKMAN et al, 2004), o que não justificaria essa noção de que o cérebro dos negros seria inferior ao dos caucasianos. Na realidade, Gould (1991) refez os experimentos de medição cranial não encontrando nenhuma diferença significativa entre os tamanhos dos cérebros de negros e de brancos.

A história da civilização humana nos permite perceber que sempre houve uma tentativa de um determinado grupo subjugar não só outros homens, como a própria natureza, através do desenvolvimento de argumentos que o favorecia, tal como a afirmação de que os animais não sentem dor ou de que a natureza deve ser modificada de acordo com as necessidades humanas (PASSMORE, 1995). É exatamente nessa discussão sobre a relação do homem com a natureza que surge a ciência econômica (administração dos recursos naturais), que com o tempo também teve seu significado modificado e é praticamente traduzido, em seu sentido mais vulgar, como o conhecimento necessário para ser rico. As noções de riqueza, de países ricos e pobres são também estabelecidas e seguidas não sem

1 O autor fez inclusive medições de crânios para verificar a veracidade de trabalhos anteriores, mas

descobriu que não havia diferenças significativas entre os crânios e demonstra os artifícios usados por diversos pesquisadores para comprovar suas teorias.

32 32 32 32 3. Desenvolvimento: Origem e Evolução de um Conceito

críticas. Os países pobres, subdesenvolvidos, periféricos ou dependentes, em sua maioria, desejam ser e seguem o modelo estabelecido pelos países ricos, desenvolvidos, centrais ou autônomos, como veremos mais adiante.

3.2.

EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ECONÔMICO E AS TEORIAS DE