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O desenvolvimento de estratégias de cálculo mental nos alunos deve ser sistemático e intencional (Taton, 1969) o que requer a criação de tarefas que promovam o desenvolvimento de capacidades de cálculo com compreensão, tanto com números naturais como com números racionais. Na nossa perspetiva, as tarefas são o ponto de partida para a atividade matemática dos alunos e a sua realização na sala de aula deve ser sistemática, promover a reflexão e ser objeto de discussão e partilha. A criação das tarefas para a experiência de ensino seguiu quatro princípios que consideramos importantes para promover o desenvolvimento do cálculo mental, relacionados com os contextos, as representações dos números racionais, as estratégias e erros dos alunos, e o nível cognitivo das tarefas.

Princípio 1 – Usar contextos que possam ajudar os alunos a dar significado aos números. Na perspetiva de Bell (1993) os contextos e os conceitos que os alunos deverão trabalhar são aspetos importantes na construção das tarefas. Segundo o autor, um conhecimento estruturado, por norma, está relacionado com o contexto em que foi aprendido, sendo difícil para o aluno transpor esse conhecimento para novas situações. Também Galen, Feijs, Figueiredo, Gravemejer, Herpen e Keijzer (2008) e Rathouz (2011) consideram que os contextos podem ajudar os alunos a dar significado aos números. Para perceber como os contextos podem promover ou dificultar o cálculo mental dos alunos, criámos dois tipos de tarefas envolvendo números racionais: exercícios em termos matemáticos e problemas em situações contextualizadas.

Princípio 2 – Usar diversas representações de um número racional. Nas várias tarefas os alunos têm a oportunidade de trabalhar com números racionais em diferentes representações (decimal, fração e percentagem) estando a representação usada em cada tarefa de acordo com o tópico que a professora está a trabalhar. No momento em que se estudam volumes usa-se sobretudo a representação decimal, no estudo das relações e regularidades usa-se a representação em fração e na organização e tratamento de dados usam-se as três representações. Esta opção irá permitir aos alunos o desenvolvimento do cálculo mental de forma integrada com uma aprendizagem dos números racionais prolongada no tempo e estabelecendo

relações entre diferentes tópicos matemáticos. As diversas representações vão surgindo repetidamente e, por vezes, em simultâneo ao longo da experiência. O uso de diferentes representações dos números racionais permite aos alunos estabelecerem equivalências (Caney & Watson, 2003) bem como relações entre estas representações e as imagens mentais que possuem acerca dos conceitos matemáticos (Swan, 2008).

Princípio 3 – Ter em conta a investigação sobre o cálculo mental e os números racionais na construção de tarefas (estratégias de cálculo mental e aspetos da aprendizagem dos números racionais). No domínio do cálculo mental Heirdsfield (2011) considera que existem quatro elementos fundamentais que estão na base do desenvolvimento de estratégias dos alunos: (i) conhecer a numeração e compreender a grandeza e valor dos números, (ii) o efeito das operações sobre os números, (iii) ter capacidade para fazer estimativas para verificar a razoabilidade do resultado, e (iv) conhecer um conjunto de factos numéricos que permita calcular rapidamente e com precisão. No domínio dos números racionais e tendo em conta a perspetiva de vários autores (e.g., Behr, Post & Wachsmuth, 1986; Galen et al., 2008; Lamon, 2006; Rathouz, 2011), para além das decisões relativas aos contextos e representações já referidas, privilegiámos o uso de números de referência. Tendo em atenção o que referem Empson, Levi e Carpenter (2010), também considerámos os conhecimentos prévios dos alunos relativos aos números racionais, incluindo as operações estudadas no 5.º e 6.º ano importantes para o desenvolvimento de estratégias. Segundo os autores, cada estratégia surge em função da compreensão que cada criança tem acerca dos números e operações e das relações numéricas que lhe são familiares e que usa para estabelecer novas relações e efetuar o cálculo. Os autores denominam de pensamento relacional esta rede de relações que os alunos estabelecem. Relativamente às estratégias de cálculo mental com números racionais, Caney e Watson (2003) realçam a importância de perceber a relação entre diferentes representações de um número racional para desenvolver o cálculo mental com estes números. Num estudo realizado com alunos do 3.º ao 10.º ano, identificaram onze estratégias por eles usadas. Numa primeira fase, estes começam por usar formas mentais de algoritmos escritos e imagens mentais

pictóricas, passando depois para estratégias relacionadas com conhecimentos que

já possuem do trabalho com números naturais (como o trabalho da esquerda para

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a adições e a multiplicações sucessivas e utilizam factos numéricos conhecidos e

regras memorizadas. As estratégias dos alunos no cálculo com números naturais

são uma referência importante para o desenvolvimento das novas estratégias com números racionais. Numa fase mais avançada, e de forma gradual, as estratégias dos alunos passam a envolver a utilização de representações equivalentes de um número racional e a transição entre operações inversas. As autoras caracterizam as estratégias dos alunos de instrumentais, se estes aplicam factos e regras memorizadas, ou concetuais, se usam o conhecimento sobre números e operações.

Princípio 4 – Usar tarefas com diferentes níveis de exigência cognitiva. Tarefas com características diferentes podem levar os alunos a desenvolverem níveis de raciocínio diferentes (Henningsen & Stein, 1997). As tarefas permitem o uso de diferentes representações dos números racionais e o desenvolvimento de diferentes estratégias e formas de comunicação matemática, uma vez que os alunos têm de explicar e justificar os seus raciocínios e ser críticos face às explicações dos colegas. Para a criação das tarefas, considerámos: (i) os níveis de desenvolvimento de cálculo mental (Callingham & Watson, 2004) dos alunos em cada representação dos números racionais; (ii) as possíveis estratégias de cálculo mental dos alunos em cada exercício ou problema propostos; e (iii) os possíveis erros e dificuldades que podem surgir no cálculo mental realizado em cada exercício ou problema. Assim, tivemos em atenção que, num nível mais básico de cálculo mental os alunos devem reconhecer metades na forma de 1/2 pelo que as primeiras tarefas proporcionam trabalho neste sentido. Num nível mais desenvolvido, devem ser capazes de usar estruturas de base (isto é, conhecimentos baseados em números de referência) para calcular com números menos familiares ou frações com denominadores diferentes, sendo propostas tarefas que gradualmente vão apelando ao uso, por exemplo, de terços ou sextos. Tendo em atenção as estratégias de cálculo mental com números racionais referidas por Caney e Watson (2003), construímos tarefas que potenciam o uso e desenvolvimento de relações numéricas, onde se inclui a mudança de representação ou as propriedades das operações. Para promover este tipo de atividade matemática, usámos fundamentalmente: números de referência tais como 1/4, 0,5 ou 75%; múltiplos; números racionais na representação decimal com uma ou duas casas decimais para facilitar a equivalência entre frações decimais e percentagens; diferentes representações de um número racional na mesma tarefa; expressões equivalentes que permitam o uso de propriedades das operações e

relações numéricas; e problemas que os alunos podem resolver com expressões semelhantes às que previamente foram discutidas na aula. Enquanto algumas tarefas permitem aos alunos operar facilmente recorrendo a factos ou regras, outras requerem o uso de relações numéricas. Por exemplo, para calcular 1/2+1/2 os alunos apenas têm de usar factos numéricos conhecidos (duas metades formam a unidade). Esta é uma tarefa de nível cognitivo reduzido. Mas, para calcular ?x0,5=30, os alunos têm de relacionar números, mudar de representação ou usar propriedades das operações, o que confere à tarefa um nível cognitivo mais elevado.

Em todas as representações dos números racionais os alunos cometem erros (e.g., Lamon, 2006; Parker & Leinhardt 1995; Rathouz, 2011). Por exemplo, na adição e subtração na representação fracionária operam com numeradores e denominadores, na representação decimal operam ignorando o valor posicional dos algarismos e na representação em percentagem operam com os números ignorando o sinal %. McIntosh (2006) considera que os alunos cometem fundamentalmente dois tipos de erros: (i) concetuais e (ii) processuais. Na sua perspetiva, um erro concetual surge quando o aluno não compreende a natureza dos números ou a operação envolvida enquanto num erro processual o aluno sabe que estratégia usar mas comete erros de cálculo ao pô-la em prática.

Neste sentido criámos tarefas que pudessem proporcionar o aparecimento de certos erros para que estes pudessem ser discutidos e clarificados no momento da discussão coletiva. Assim, na adição e subtração de números racionais representados por frações existem situações em que os denominadores são diferentes, na representação decimal surgem operações envolvendo números com décimas e centésimas e na representação em percentagem selecionámos números que permitiam obter um resultado correto seguindo uma estratégia errada (e.g., para calcular 20% de 25, em que o cálculo de 25-20 dá o mesmo resultado que 0,2 x 25). Para nós, era importante perceber as estratégias e erros dos alunos e discutir estas situações na sala de aula para clarificar conceções erradas acerca dos números e das operações com números racionais.

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