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Tarefa 11 – Descobrindo Comprimentos e Quantidades

Uma das questões desta tarefa envolvia uma situação de reconstrução da unidade, sendo dada uma medida de um comprimento de um comboio de brincar (1,6m) que correspondia a uma parte (0,8) de um certo comprimento de um outro comboio que se pretendia que os alunos descobrissem (Figura 8).

1.4. Também o Jorge começou a construir um comboio como o do Norberto, uma vez que o seu pai também é serralheiro. No en- tanto, o Jorge começou a sua construção muito antes do Norber- to. Quando o Norberto lhe disse o comprimento do seu comboio, o Jorge respondeu: “O comprimento do teu comboio é apenas 0,80 do meu”. Qual é o comprimento do comboio do Jorge?

Figura 8 – Questão 1.4. da Tarefa 11.

Por sugestão de Aida, os alunos do grupo recorreram, de imediato, à representação na linha numérica a qual dividiram em dez partes. Marcaram na linha a medida do comprimento conhecido, ao qual fazem corresponder o valor 0.8, conforme explicam à professora:

Aida: Fazemos uma linha e dividimos em 10 partes iguais! Professora (I): Em dez partes? Porquê?

Aida: Porque o enunciado diz que 1,60m são oito décimos! Professora (I): E…?

Mariana: “Décimos” vem de dez! Aida: Sim! Oito em dez!

Os alunos identificam o numeral decimal do enunciado como a oitava parte da unidade, evidenciando compreender também que se trata de oito décimas embora referindo “oito em dez”. Deste modo, como estratégia para responderem à questão, optaram por recorrer à linha numérica dividindo-a em dez partes iguais (Figura 9), começando por registar na oitava marca a medida do comprimento conhecido (1,60m) que lhe corresponde.

Figura 9 – Estratégia do grupo, na questão 1.4. da tarefa 11.

De seguida, os alunos assinalaram, na parte superior da linha, uma décima em cada segmento. Para encontrarem a medida correspondente a cada décima (20cm) que colocaram na parte inferior da linha, recorreram à divisão, como se observa no diálogo seguinte:

Mariana: Fazemos 1,60 a dividir por 8! Aida: Mas a dividir dá menos! Dá 0,2!

Mariana: Calma! Isso é quanto vale uma parte! (referindo-se a 18 de 1,60)

Aida: Ah! Pois é! Isto é o que vale uma décima!

Mariana: Cada espaço vale 20cm, que foi o que eu disse!

Os alunos analisaram então na barra numérica quantos segmentos iguais faltam para a unidade (Aida). Observaram que têm duas décimas, a que correspondem duas vezes 20cm e que, como tal, a unidade corresponderá a dois metros:

Aida: Agora quanto é que falta aqui? Dinorah: Faltam dois bocados.

Cristiano: O comboio do Jorge mede 2m!

O modo como os alunos resolveram esta questão, evidencia a sua facilidade na reconstrução da unidade (reversing), recorrendo à dupla linha numérica. Embora na

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dupla linha numérica coexistam duas unidades de medida (centímetros e metros) os alunos não se confundem, evidenciando flexibilidade ao lidar com diferentes representações dos números racionais.

A concluir

No conjunto das tarefas analisadas os alunos revelam compreensão de vários aspetos que comportam o desenvolvimento do sentido de número racional, mostrando capacidade para: a) resolver tarefas que envolvem os significados de “medida”, “parte-todo” e “operador”; b) estabelecer conexões entre as diferentes representações de um número racional, conseguindo convertê-las umas nas outras; c) interpretar (unitizing) e reconstruir (reversing) a unidade em situações que envolvem grandezas contínuas; e d) utilizar uma ou outra representação em função da situação com que se deparam.

Na tarefa 4, embora se trate de uma situação de medida em que a forma geométrica do espelho facilmente remete para a forma da barra, o uso eficiente que fazem desta permite-nos afirmar que a barra que começou como modelo de uma situação, na primeira tarefa da sequência (van den Heuvel-Panhuizen, 2003), foi apropriada pelos alunos como uma ferramenta útil, evoluindo para um modelo para pensar, através da qual estes fazem uso das várias representações dos números racionais.

Na tarefa 10, a barra numérica foi fundamental para os alunos resolverem um problema com números racionais, envolvendo o cálculo de percentagens. Os alunos usam-na fazendo a separação entre a representação das medidas na parte superior da barra e das frações e percentagens correspondentes em baixo. Esta utilização da barra indicia uma relativa facilidade na transição para o trabalho com outro modelo semelhante, através de uma alteração física: a dupla linha numérica. Tal facto torna-se evidente quando, na tarefa 11, perante uma questão que envolve o difícil conceito de reversing, os alunos recorrem à dupla linha numérica como suporte ao seu raciocínio.

Globalmente, os resultados deste estudo apontam no sentido do que van Galen et al. (2008) advogam como sendo o papel do raciocínio numérico a partir da barra, ou seja, o reforço da compreensão das relações entre as várias representações dos números racionais. A forma flexível como lidam com as representações na barra ou linha numérica dá mostras também de um reforço da compreensão da

relação entre as diferentes unidades de referência com que se vão confrontando nas situações propostas, aspeto central no trabalho com os números racionais, nos seus vários significados. Ainda assim, persistem dificuldades como é evidente no caso de um dos alunos do grupo que, de início, não consegue reconhecer a grandeza relativa das percentagens, considerando que uma determinada percentagem vale sempre o mesmo, independentemente do valor da unidade em causa. No entanto, com a discussão que se gera no grupo, o aluno parece evoluir na compreensão de percentagem conseguindo resolver as questões seguintes de forma correta.

A manipulação de materiais, nomeadamente as tiras de papel (modelos de), da primeira tarefa, revelaram-se importantes para que os alunos consigam resolver problemas envolvendo números racionais, fazendo um uso eficiente do modelo da barra/linha numérica como estratégia de resolução (modelos para) (Fosnot & Dolk, 2002). Para tal evolução contribuíram também significativamente os contextos criados para as tarefas, em particular, os que diziam respeito a situações de medida, como nas tarefas 4 e 11 aqui analisadas, e que suscitavam o recurso à barra ou linha numérica. No entanto, os alunos também fazem uso do modelo, de forma espontânea, numa situação que envolve o significado operador, num problema de cálculo de percentagens (tarefa 10 – questão 1). É notório o papel desempenhado pelo modelo na clarificação do pensamento dos alunos sobre uma situação matemática e de como o seu uso os leva a tomar consciência da existência de uma estratégia mais eficaz na resolução deste problema. Verifica-se, assim, que o modelo não é utilizado de uma forma acrítica pelos alunos mas que se trata de um recurso para pensar, tanto mais que estes recorrem a outras estratégias em outras situações, como no caso da questão 3 desta mesma tarefa.

Há a destacar, também, o papel da professora no decurso das aulas, pela forma como introduziu o modelo físico e ajudou os alunos a se aperceberem da potencialidade do uso do modelo na representação da situação para raciocinar e resolver problemas. A dinâmica das aulas também contribuiu para a apropriação deste modelo pelos alunos, pelo facto de ter sido dado um período substancial de tempo para o trabalho em pequenos grupos e ser realizada uma discussão em grande grupo em torno das estratégias adotadas. Deste modo, os alunos tiveram oportunidade de compreender uma variedade de estratégias e de se irem apercebendo do seu potencial para resolver as diferentes situações, o que reforçou o seu sentido de número racional.

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Apesar dos resultados muito positivos, temos consciência que o sentido de número racional é um conceito muito abrangente, tendo-se verificado que aspetos diversos como o significado de razão, a densidade dos números racionais e o cálculo com percentagens poderiam ser reforçados numa nova realização da EE (Ventura, 2013). O trabalho realizado releva a importância das opções tomadas, a partir do percurso anterior da turma, no que diz respeito à criação de uma sequência de tarefas articuladas e com contextos familiares que fazem emergir determinados modelos que apoiam o pensamento dos alunos e os fazem progredir no conhecimento matemático, reforçando a validade da conjectura que orientou a EE. Salienta-se também a importância de ir monitorizando o progresso dos alunos ao longo da experiência para que as tarefas proporcionem uma trajetória de aprendizagem compatível com os objetivos estabelecidos.

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