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Entre os modelos que têm sido apontados como potenciadores do desenvolvimento do conceito de número racional, encontra-se a barra numérica, presente em diversos estudos no âmbito da Educação Matemática Realista (van den Heuvel-Panhuizen, 2003). Este modelo é uma representação matemática que facilita a abordagem dos números racionais, sendo uma extensão de materiais que alguns professores já utilizam, tais como tiras de fração e réguas, mas que pode ser usado para abranger situações mais complexas (Middleton, van den Heuvel-Panhuizen, & Shew, 1998). Este modelo permite que os alunos explorem relações entre números e contribui para a compreensão das relações entre as várias representações simbólicas dos números racionais (van Galen et al., 2008). Bright, Behr, Post e Wachsmuth (1988) enumeram algumas das suas vantagens: a) o comprimento representa uma extensão da unidade e, simultaneamente, de todas as subdivisões da unidade; b) é um modelo contínuo; e c) requer o uso de símbolos para transmitir o significado pretendido. Deste modo, o modelo da barra numérica é apontado como sendo particularmente útil numa fase inicial de exploração das várias representações simbólicas dos números racionais, em contextos que envolvam medida e divisão.

Os primeiros modelos que os alunos utilizam são geralmente representações das suas ações, sendo muito semelhantes às situações contextualizadas apresentadas nos enunciados. Constituem representações das suas interações com o objeto (Fosnot & Dolk, 2002), os modelos de, que gradualmente se transformam em modelos mais generalizados, isto é, em modelos para raciocinar matematicamente (van Galen et al., 2008). De acordo com Gravemeijer (2005), a “mudança de um modelo de para um

modelo para corresponde a uma alteração na forma de pensar do aluno, (…) [sobre a]

situação do contexto modelado para um enfoque nas relações matemáticas” (p. 95). Assim no processo de desenvolvimento da compreensão matemática, o modelo da barra numérica vai mudando de uma representação concreta e contextualizada, para um modelo de representação mais abstrato que orienta os alunos na escolha dos cálculos que têm que ser feitos e que permite também mostrar como se raciocinou numericamente. Van Galen et al. (2008) defendem que um uso eficiente da barra numérica no ensino permite que os alunos que inicialmente utilizam a barra numérica para representar uma situação (modelo de), posteriormente, a utilizem como um modelo para pensar (modelo para), e onde podem surgir em simultâneo as várias

representações simbólicas dos números racionais, reforçando-se a compreensão das relações entre as representações em fração, percentagem e decimal. Segundo os autores, utilizando a barra numérica com estas três representações de número racional pode estabelecer-se uma ligação clara entre diferentes partes do currículo, incluindo as proporções.

No contexto dos números racionais, Middleton et al. (1998) defendem que os alunos facilmente se familiarizaram com a barra numérica através da divisão de objetos do quotidiano ou outros modelos lineares. Os alunos podem caracterizar qualquer situação de partilha na barra numérica e contar o número de pedaços do todo que cada pessoa recebe, assim como comparar o tamanho dos pedaços, atribuindo novo significado a esta representação. O modelo da barra numérica pode surgir facilmente após a utilização de um retângulo que simboliza determinada situação concreta, pelo que, de início, o nível de abstração no seu uso não é muito elevado (Middleton et al., 1998). No trabalho com uma situação de partilha equitativa (Quadro 1A), a barra numérica pode servir para os alunos imaginarem o processo de dividir algo em partes iguais, sendo a barra numérica a unidade e, ao mesmo tempo, o objeto a ser dividido (van Galen et al. 2008).

Quadro 1A – Contextos de utilização da barra numérica (adaptado de Middleton et al., 1998).

Contexto Modelo Problema

Partilha equitativa

O Nicolau tinha uma tablete de chocolate que partilhou igualmente por ele e três amigos. Que porção receberá cada um?

Segundo Middleton et al. (1998), os alunos também podem recorrer ao modelo da barra numérica para efetuar cálculos quando estão perante uma situação mais complexa ou num contexto menos familiar, onde tenham de relacionar um número racional com uma propriedade física, como, por exemplo, o peso (Quadro 1B. Representação a).

A barra numérica também pode ser utilizada para representar uma quantidade que não é mensurável na própria representação (Quadro 1B. Representação b). Neste exemplo, ao partilhar equitativamente 30 sandes por 75 pessoas, os alunos

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podem recorrer ao raciocínio proporcional para dividir em partes iguais a barra numérica descobrindo que cinco pessoas partilham duas sandes entre si. Aqui, os alunos dividem a barra numérica em três terços e depois cada terço em quintos. Deste modo, com a ajuda do modelo, os alunos podem começar a ver a relação entre

30

75, 2050 e 1025 e as frações com termos menores, tais como 25.

Quadro 1B – Contextos da utilização da barra numérica (adaptado de Middleton et al., 1998).

Contexto Modelo Problema

a) Relacionando frações com propriedades de objetos 0 200 gramas 0 50 100 150 1 tablete 1 4 2 4 3 4

Cada tablete pesa 200g. Se cada amigo recebe 14 da tablete, quantos

gramas de chocolate cada um recebe? b) Relação entre dois conjuntos de objetos 30 sanduíches 2 0 10 20 5 0 25 50 75 pessoas Houve um lanche no cineteatro, onde estavam 30 sanduíches para serem distribuídas por 75 pessoas. Quanto vai receber cada uma?

O modelo da barra numérica pode ser usado de forma flexível para diferentes significados de números racionais e permite estabelecer relações entre números racionais e quantidades, assim como conexões entre as suas várias representações (van Galen, et al., 2008). Além de ser importante na comparação e ordenação de números racionais, uma vez que o comprimento da barra representa uma extensão da unidade (Bright, et al., 1988) e, simultaneamente, de todas as suas subdivisões, também pode ser reduzida a uma dupla linha numérica, através de uma alteração física (van den Heuvel-Panhuizen, 2003).

A experiência de ensino

Abordagens recentes no campo do desenvolvimento de currículos inovadores de matemática e, também, de investigação sobre a aprendizagem desta disciplina, têm tido por base a construção de trajetórias de aprendizagem (Clements & Sarama, 2004). De acordo com os autores, para que se consiga promover uma trajetória de

aprendizagem, é necessário implementar uma sequência de tarefas, que não é fixa nem única, mas que é apenas uma hipótese a seguir, em que é fundamental uma contínua transformação. Este trabalho é complexo pois requer, em simultâneo, um conhecimento aprofundado do tópico e das orientações curriculares, assim como a tomada de decisões sobre o que os alunos têm de aprender e o modo como os ensinar (Silvestre & Ponte, 2011).

Inspirada na ideia de Clements e Sarama (2004) foi delineada uma EE constituída por uma sequência de tarefas, no tema dos Números Racionais, que aposta no estabelecimento de conexões entre as várias representações destes números, bem como no uso de modelos, e que proporciona um trabalho em torno dos vários significados de número racional. Esta EE baseia-se na conjetura de que os alunos desenvolvem a compreensão do conceito de número racional se trabalharem com tarefas de natureza exploratória, em contextos familiares propícios à utilização do modelo da barra/dupla linha numérica, que envolvam: a) as várias representações dos números racionais (pictórica – barra/dupla linha numérica, setores circulares –, frações, decimais e percentagens), bem como as suas conexões – sendo-lhes dada oportunidade de escolher a representação que usam; b) os seus vários significados; e c) os diferentes tipos de grandezas.

As tarefas propostas nesta EE articulam-se com os objetivos da brochura de materiais de apoio ao professor (Menezes, Rodrigues, Tavares & Gomes, 2008) do PMEB (ME, 2007) e a sua exploração visa promover a observação, confronto de resultados, discussão de estratégias e a formalização de conceitos e representações matemáticas. Fez-se esta opção uma vez que, de acordo com o PMEB, é esperado que os alunos consigam desenvolver o sentido de número, a compreensão dos números racionais não negativos nas suas diversas representações, a compreensão das operações de adição e subtração, bem como a capacidade de cálculo mental e escrito. No entanto, foi feita uma adequação das tarefas tendo em conta que, quando esta turma frequentou o 1.º ciclo, este programa ainda não estava em vigor. Na construção da sequência de tarefas, atendeu-se a noções importantes associadas ao conceito de número racional, como partição, unitizing, densidade, valor de posição, equivalência e ordenação, que são necessárias para que os alunos possam resolver problemas envolvendo os diversos significados dos números racionais (Martinie, 2007). Reconhecendo também a importância de trabalhar com vários tipos de unidades (Lamon, 2007), foram propostas tarefas que envolvem três tipos de grandezas: contínuas, discretas e

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compostas. Todas as tarefas têm um contexto familiar de cunho imaginário que lhes é transversal: os seus protagonistas. Trata-se de três alunos – Luana, Nicolau e João – que supostamente frequentam a mesma escola e que, ao longo do ano letivo, estão envolvidos em várias atividades em que surgem números racionais.

O processo de construção da sequência das tarefas foi faseado. Num primeiro momento, foram pensadas algumas tarefas, havendo uma ideia global sobre a sequência de significados que estas devem abranger. Após a análise dos resultados obtidos pelos alunos num teste inicial, algumas tarefas que já tinham sido pensadas foram adaptadas e outras foram construídas de novo. Foi então definido o primeiro grupo de quatro tarefas e o seu enunciado foi reajustado. Enquanto os alunos foram trabalhando nestas quatro tarefas foram-se ajustando as quatro seguintes (tarefas 5, 6, 7 e 8), tendo em conta a forma como estes evoluíam na aprendizagem, mantendo a ideia de continuidade entre as tarefas. Por fim, as últimas três tarefas (9, 10 e 11) foram reajustadas à medida que as tarefas 5, 6, 7 e 8 foram sendo resolvidas na aula.

A planificação desta sequência de tarefas encontra-se organizada num quadro (Quadro 2), onde são indicados os objetivos, os significados de número racional envolvidos e o tempo sugerido para a realização de cada tarefa.

Foi feita uma previsão do tempo necessário para cada tarefa, no entanto, a sua realização prolongou-se mais do que o previsto. O reduzido contacto dos alunos com as frações no 1.º ciclo e o tempo alargado ocupado com as discussões (em pequeno grupo e grande grupo), dado os alunos serem muito participativos e comunicativos, foram factores que levaram a que se gastasse mais tempo do que o inicialmente pensado. Assim, embora o tempo previsto para a implementação desta EE fosse de dez aulas de 90 minutos, esta ocupou cerca de 16 aulas.

Esta EE foi realizada com a colaboração da professora de Matemática da turma (Inês) que, ao ser convidada para o estudo, prontamente se dispôs a participar. Apesar de a elaboração das tarefas ser da iniciativa das investigadoras (autoras), segundo o acordo estabelecido com Inês, estas foram sempre discutidas e ajustadas conjuntamente. Antes da realização de cada tarefa, havia uma discussão prévia sobre os objetivos da aula e como a discussão no grupo turma deveria ser dirigida para que esses objetivos fossem atingidos. Como a maioria das discussões em grande grupo ficou para a aula seguinte, as reflexões realizadas com a professora, no fim de cada aula, permitiram aperfeiçoar determinadas questões para que estas

se tornassem mais claras para os alunos e delinear um conjunto de perguntas a colocar aquando da discussão no grupo turma, de modo a colmatar eventuais falhas. Após a realização de cada tarefa pela turma, a investigadora (primeira autora) e a professora reuniam-se para refletir sobre as dificuldades demonstradas pelos alunos e a adequação da tarefa aos seus propósitos. Nestes encontros tentou-se compreender as potencialidades ou limitações de cada tarefa e o trabalho que devia ser desenvolvido a posteriori. Estas discussões tornaram-se fundamentais para a EE, na medida em que as tarefas seguintes puderam ser reajustadas tendo em conta as ideias que aí emergiram.

Quadro 2 –

A sequência de tarefas2

Tarefa Objetivos Significados Envolvidos Tempo(minutos)

Tarefa 1 Partilha de chocolate

- Identificar a metade, a quarta e a oitava partes de uma grandeza contínua, e

representá-las na forma de fração, decimal, percentagem e numeral misto.

- Comparar quantidades resultantes de uma situação de partilha equitativa. - Identificar e dar exemplos de frações equivalentes.

- Adicionar números racionais não negativos representados de diferentes formas.

Quociente

Parte-todo 180

Tarefa 2 Adereços nos bastidores

- Identificar partes de uma grandeza discreta.

- Recorrer a diferentes representações de números racionais (fração, decimal e numeral misto).

- Identificar frações equivalentes.

- Reconstruir a unidade a partir das suas partes. Operador Parte-todo 90 Tarefa 3 Eventos no Cineteatro

- Representar um número racional não negativo (escrito de diferentes formas) na barra numérica.

- Determinar uma parte de determinada quantidade, a partir da unidade.

Operador

Medida 45

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Tarefa Objetivos Significados Envolvidos Tempo(minutos)

Tarefa 4 Cenário de espelhos

- Resolver problemas envolvendo números racionais na sua representação decimal. - Localizar e posicionar números racionais não negativos na linha/barra numérica. - Recorrer à representação de numeral misto. Medida Parte-todo 45 Tarefa 5 Tarde nas piscinas municipais

- Comparar e ordenar números racionais representados de várias formas.

- Localizar e posicionar números racionais não negativos na barra numérica, na representação de fração.

- Converter frações em decimais e percentagens. Parte-todo Operador Medida 45 Tarefa 6 Lanche no Cineteatro

- Distribuir equitativamente grandezas contínuas e discretas.

- Comparar e ordenar números racionais não negativos.

- Adicionar números racionais não negativos. Quociente Parte-todo 90 Tarefa 7 Estacionamento no Cineteatro

- Representar relações (parte-todo; parte- parte) sob a forma de fração, percentagem e decimal.

- Localizar e posicionar na barra numérica um número racional não negativo.

Parte-todo

Razão 90

Tarefa 8 Depósito de gasolina

- Resolver problemas envolvendo racionais (frações, decimais e numerais mistos) num novo modelo.

- Reconhecer a densidade dos números racionais. Parte-todo Medida 45 Tarefa 9 O pintor Pedro e as vitaminas

- Representar relações parte-parte. - Comparar números racionais não

negativos. Razão 90

Tarefa 10 Compras na Bit- @-byte

- Compreender a noção de percentagem e relacionar diferentes formas de a representar.

- Calcular e usar percentagens. - Traduzir uma fração por uma percentagem.

Parte-todo

Tarefa Objetivos Significados Envolvidos Tempo(minutos)

Tarefa 11 Descobrindo comprimentos e quantidades

- Reconstruir a unidade a partir das suas partes.

- Representar números racionais na dupla linha numérica.

- Adicionar e subtrair números racionais não negativos representados em diferentes formas.

- Comparar números racionais não negativos.

- Resolver problemas que envolvam números racionais não negativos.

Parte-todo

Medida 90

Esta EE foi realizada com a colaboração da professora de Matemática da turma (Inês) que, ao ser convidada para o estudo, prontamente se dispôs a participar. Apesar de a elaboração das tarefas ser da iniciativa das investigadoras (autoras), segundo o acordo estabelecido com Inês, estas foram sempre discutidas e ajustadas conjuntamente. Antes da realização de cada tarefa, havia uma discussão prévia sobre os objetivos da aula e como a discussão no grupo turma deveria ser dirigida para que esses objetivos fossem atingidos. Como a maioria das discussões em grande grupo ficou para a aula seguinte, as reflexões realizadas com a professora, no fim de cada aula, permitiram aperfeiçoar determinadas questões para que estas se tornassem mais claras para os alunos e delinear um conjunto de perguntas a colocar aquando da discussão no grupo turma, de modo a colmatar eventuais falhas. Após a realização de cada tarefa pela turma, a investigadora (primeira autora) e a professora reuniam-se para refletir sobre as dificuldades demonstradas pelos alunos e a adequação da tarefa aos seus propósitos. Nestes encontros tentou-se compreender as potencialidades ou limitações de cada tarefa e o trabalho que devia ser desenvolvido a posteriori. Estas discussões tornaram-se fundamentais para a EE, na medida em que as tarefas seguintes puderam ser reajustadas tendo em conta as ideias que aí emergiram.

Metodologia

O estudo realizado adotou o paradigma metodológico de design research (Bereiter, 2002), de natureza qualitativa, que envolve experiências de ensino e que visa compreender o processo de ensino e aprendizagem (Cobb, diSessa, Lehrer, & Schauble,

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2003). A EE foi realizada com uma turma do 5.º ano, no contexto da qual se recorreu à construção de um estudo de caso relativo ao percurso de aprendizagem de um grupo de quatro alunos (Stake, 2007): Aida, Cristiano, Dinorah e Mariana (nomes fictícios).

No decurso da EE, a primeira autora realizou a recolha de dados e teve uma interação privilegiada com o grupo estudo de caso. Foram gravados em vídeo todos os momentos de trabalho do grupo escolhido e de interação da professora com toda a turma. Foi também realizada uma recolha documental das produções escritas destes alunos. Neste capítulo apresentam-se elementos da atividade do grupo estudado em três das tarefas (4, 10 e 11) da sequência que foi elaborada (Ventura, 2013), evidenciando-se as estratégias que adotaram e as dificuldades que enfrentaram. Estas tarefas abrangem diversos significados dos números racionais, permitindo perceber como o desenvolvimento de sentido de número racional é apoiado pelo uso do modelo da barra.

Concretização da experiência de ensino