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A investigação sobre modelação matemática tem procurado compreender o conceito geral de modelo, de processo de modelação e os seus objetivos principais (Blomhøj, 2008), assim como pensar as características que as tarefas de modelação devem possuir para que possam suscitar a atividade de modelação (Lesh, Hole, Hoover, Kelly & Post, 2000). É sobre estes aspetos que nos debruçamos nesta seção.

A atividade de modelação. A resolução de tarefas de modelação traduz uma

correspondência entre a realidade, “resto do mundo” fora da Matemática, e a Matemática (Pollak, 1979, citado em Blum & Ferri, 2009). No ciclo de modelação o ponto de partida é uma situação real que tem de ser estruturada pelo resolvedor do problema, que lida com um modelo real da situação. O modelo real é traduzido matematicamente, dando origem ao modelo matemático da situação original e, inclusivamente, podem ser construídos diferentes modelos da mesma situação. O processo de resolução do problema continua, através da escolha de métodos adequados e do trabalho no seio da Matemática, obtendo-se assim resultados

matemáticos. Estes devem ser traduzidos para o mundo real relativamente à situação

original. Assim, o resolvedor do problema também valida o modelo matemático (Blum & Ferri, 2009).

Na literatura existem estudos cujo foco é o processo cognitivo dos alunos enquanto modelam. Matos e Carreira (1995), por exemplo, analisaram o processo de transição entre a realidade e a Matemática e vice-versa, embora não reconstruíssem as transições entre as fases. Ferri (2006, 2007) analisa os processos de modelação dos alunos com o propósito de reconstruir as suas rotas individuais, através da transição entre as fases do ciclo.

Na análise dos processos de modelação dos alunos, veio a tornar-se notória a influência da mobilização do seu conhecimento prévio (Ferri, 2007), tendo em conta os contextos das tarefas. Os alunos invocam as suas experiências pessoais para,

por exemplo, estimarem a altura de um cilindro de feno que se pode observar numa paisagem rural, com o objetivo de resolverem um problema que envolve determinar a altura de vários cilindros empilhados de uma certa forma, sem que mais indicações sejam fornecidas. A autora observou que os alunos que tinham tido a experiência de contactar com um cilindro de feno estimavam a sua altura de forma diferente dos colegas que, por exemplo, apenas os viam ao longe quando passavam de carro. Desta forma, Ferri (2007) conclui que a influência do conhecimento prévio do contexto da tarefa define a rota de modelação (caminho percorrido entre as várias fases do processo de modelação e que permite a descrição das fases de modelação).

Stillman (2000) detalha as várias formas de mobilização do conhecimento prévio pelos alunos durante a resolução de tarefas de modelação. Num estudo levado a cabo pela autora, o conhecimento prévio foi mobilizado para: compreender a tarefa, possibilitando que os alunos relacionassem o seu objetivo com o contexto da mesma; apoiar as tomadas de decisão durante a resolução da tarefa no que se refere à seleção de modelos matemáticos; e, por último, facilitar a validação dos resultados finais.

Também Brown e Edwards (2011) observaram que os alunos usam o seu conhecimento prévio para compreenderem o objetivo da tarefa e nela se envolverem. Os autores concluem que a proposta de resolução de tarefas de modelação onde se integrem o conhecimento matemático e o conhecimento prévio dos alunos, estimula a compreensão matemática proporcionando ainda oportunidades para que os alunos revelem os seus raciocínios através da comunicação oral e escrita.

Neste capítulo, o conhecimento prévio dos alunos é denominado por conhecimento extra-matemático (CEM) e está ligado ao “resto do mundo” (no sentido referido no início desta secção), incluindo a natureza, a sociedade, a vida quotidiana e outras áreas do saber assim como às experiências pessoais de cada aluno no contexto das tarefas propostas.

Assim, a mobilização do conhecimento extra-matemático assume neste estudo um aspeto chave no estabelecimento de conexões entre a Matemática e o mundo real. Esta ideia vem corroborar a importância, quer para os investigadores quer para os professores, de se conhecer os passos de modelação relevantes levados a cabo na resolução de uma tarefa de modelação, a sua transição e barreiras cognitivas (Blum & Ferri, 2009; Galbraith & Stillman, 2006).

Vários estudos com uma abordagem cognitiva da modelação observam ser frequente a ocorrência da representação mental da situação durante a resolução de

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tarefas de modelação e por isso incluem-na no ciclo de modelação, que adotam nas suas investigações, como se observa na Figura 1 (Ferri, 2006).

1 Compreender a tarefa 2 Simplificar / Estruturar a tarefa 3 Matematizar 4 Trabalhar matematicamente 5 Interpretar 6 Validar Modelo matemático Resultados matemáticos Representação mental da situação Situação real Modelo real Resultados reais Conhecimento extra-matemático Conhecimento extra-matemático

Resto do mundo Matemática 1 2

3

4

5 6

Figura 1 – Ciclo de modelação (Blum & Leiss, 2005; Ferri, 2006).

A transição da situação real para a representação mental da situação constitui o passo mais importante do processo de modelação, correspondendo à compreensão da tarefa (Ferri, 2006). As vantagens, para a investigação, deste modelo sobre outros, relacionam-se com o fato de este constituir uma ilustração, não normativa, de um processo teórico de resolução que não é linear (Ärlebäck, 2009) e que permite dividir o ciclo de modelação, por exemplo, em sub-atividades (Ferri, 2006). As sub-atividades constituem os passos de modelação: compreender, simplificar/

estruturar, matematizar, trabalhar matematicamente, interpretar e validar. O ciclo

de modelação, assim descrito, pretende auxiliar os investigadores e os professores, a conhecer os passos de modelação relevantes na resolução de uma tarefa de modelação e, em especial, a mobilização do CEM na transição entre as várias fases do processo (Blum & Ferri, 2009).

Tarefas geradoras de um modelo. Especial atenção tem sido dada ao conceito

de modelo através da criação das tarefas geradoras de um modelo (model-eliciting

activities) que se caracterizam pelo seu contexto significativo e pela relevância dada

à forma como os alunos resolvem e interpretam situações problemáticas (Lesh & Doerr, 2003). A conceção das tarefas geradoras de um modelo pauta-se por dois critérios centrais: serem estimulantes e relevantes para os alunos e gerarem ideias matemáticas (Doerr & English, 2003). O contexto do problema deverá ser significativo e real, do ponto de vista da experiência dos alunos.

As tarefas geradoras de um modelo apresentam aos alunos situações onde o produto a ser desenvolvido não é conhecido. Apenas são dadas as condições para a sua criação e poderá existir mais do que uma forma de satisfazer essas condições, pelo que vários produtos são possíveis. Ao trabalharem neste tipo de tarefas, os alunos têm de produzir uma descrição ou modelo que foque relações importantes dos dados fornecidos precisando para isso de os simplificar ou reduzir. Outro aspeto importante das tarefas geradoras de um modelo é a documentação da aprendizagem e da explicação dos raciocínios utilizados que os alunos fazem ao partilhar e escreverem as suas ideias com os membros do seu grupo de trabalho. O uso de representações como tabelas, gráficos ou desenhos são componentes importantes do processo de documentação (Lesh & Doerr, 2003).

Os benefícios destes contextos reais têm sido bem documentados na investigação sob a Educação Matemática Realística. Uma das características-chave dos contextos reais é que estes proporcionam uma plataforma para o crescimento das capacidades de matematização dos alunos, permitindo-lhes usarem a Matemática como um recurso na sua vida para além da sala de aula (Boaler, 1999; Gravemeijer & Doorman, 1999; Lesh & Doerr, 2003).

Nas investigações sobre as conceções dos professores, acerca da natureza das situações problemáticas baseadas na vida real e nas quais o raciocínio matemático é útil, foram desenvolvidos princípios orientadores para a construção de tarefas geradoras de um modelo onde para cada um é evocada uma questão que testa se o princípio é cumprido (Lesh et al., 2000). Os princípios orientadores são os seguintes: (i) Princípio da realidade. Os problemas devem ser significativos e relevantes para os alunos. É importante que os alunos deem sentido às situações problemáticas baseados no seu conhecimento e nas suas experiências pessoais. Será que esta situação pode

acontecer na realidade? (ii) Princípio da construção do modelo. A tarefa proposta

deve proporcionar ao aluno a oportunidade de descrever, explicar ou justificar as suas conjeturas sobre o problema dado. A situação cria a necessidade de desenvolver

constructos matemáticos significativos? (iii) Princípio da autoavaliação. A situação

deve proporcionar aos alunos a oportunidade de validar a utilidade do seu modelo.

A situação exige que os alunos acedam continuamente aos modelos gerados? (iv) Princípio da documentação da construção. A situação e o contexto devem permitir que

os alunos expressem por escrito os seus raciocínios enquanto resolvem o problema.

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na resolução do problema (v) Princípio da reutilização e partilha da construção. As

soluções encontradas pelos alunos devem ser generalizáveis e facilmente adaptáveis a outras situações. O modelo gerado pode ser generalizado a situações similares? e (vi) Princípio da simplicidade. A situação problemática deve ser simples e facilmente interpretada por outros. A situação apresentada é simples? (Lesh et al., 2000). As ideias apresentadas nortearam a construção das tarefas e a análise da sua exploração na investigação realizada (Oliveira, 2010), onde se inclui a que analisamos neste capítulo.

Metodologia

Na investigação realizada pretendeu-se compreender os processos de modelação desenvolvidos pelos alunos de uma turma do 2.º ano do curso profissional de Técnico de Transportes a partir da resolução de tarefas imbuídas em contextos da

vida real, envolvendo a modelação de situações reais, decorrentes de atividades de

natureza profissional. Neste capítulo, a análise de dados incide sobre a atividade de um grupo de quatro alunos: Andreia, José, Rodrigo e Sandro. A principal fonte de dados foi a gravação em vídeo do grupo mas foram também utilizados os registos escritos produzidos pelos alunos e notas de campo registados pela primeira autora, enquanto investigadora e professora da turma. Para a análise dos dados, recorreu-se ao diagrama adotado neste estudo para representar o ciclo de modelação (Figura 1). Na análise das transcrições, as elocuções e as ações dos alunos foram codificadas de acordo com as fases apresentadas. O resultado final foi traduzido através do diagrama (Figura 2) que acompanha a caracterização do processo de modelação, na secção 5 deste texto. As setas a tracejado representam a rota descrita pelo grupo durante a resolução da tarefa proposta.