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CONSTRUÇÃO E VALIDAÇÃO DE UM JOGO DIDÁTICO VOLTADO PARA O ENSINO DE HIDROSTÁTICA

2 DESIGN DA FERRAMENTA DE ENSINO

O material didático focalizado nesse artigo é um jogo didático, mais estritamente um jogo de tabuleiro, projetado pelas autoras desse estudo e colaboradores e intitulado Kuank: uma aventura em diferentes mundos. Este se configura como objeto de uma intervenção pedagógica aplicada no contexto de uma

pesquisa mais abrangente cujo objetivo é investigar a aprendizagem de estudantes

do Ensino Médio sobre conceitos científicos a partir da interação com duas ferramentas didáticas de natureza distintas: o jogo didático e o estudo dirigido.

Ainda que esta ferramenta esteja vinculada a uma investigação educacional, a sua elaboração está voltada unicamente para o ensino de conceitos físicos, isto é, não está relacionada a quaisquer questões agendadas na pesquisa. Além da aquisição de conhecimentos específicos, este recurso deve possibilitar o desenvolvimento da autonomia, criatividade e a interatividade, seja entre os sujeitos participantes da intervenção, entre estes e o conteúdo físico ou ainda com a professora-pesquisadora. Tal desenvolvimento está associado à mobilização de um conjunto de habilidades com a finalidade de executar as tarefas propostas em cada um destes dispositivos.

O instrumento pedagógico apresentado nesse trabalho possui atributos que o diferencia quanto à natureza e espécie (produto pedagógico e material instrucional) (BANDEIRA, 2009). Com base nesses aspectos, classificamos, a princípio, o jogo didático como um produto pedagógico de natureza potencialmente lúdica.

34 A aprendizagem é concebida como um processo que pressupõe a evolução de um traço latente

(FISCHER, 2006). Tal traço latente (em nosso caso, entendimento) não pode ser acessado diretamente, mas sim dimensionado a partir de observáveis manifestados durante a intervenção educacional.

O termo “potencialmente” é aqui adotado devido à concepção de ludicidade em que estamos apoiados. Entendemos ludicidade ou experiência lúdica como um estado interno que só pode ser vivenciado e descrito unicamente pelo sujeito (LUCKESI, 2014). Isto significa que, a depender dos sentimentos que se façam presentes numa determinada situação (didática ou não), o que é lúdico para um indivíduo pode não ser para outro.

De modo geral, os jogos educacionais tendem a equilibrar a função lúdica e a educativa. Os jogos didáticos, em particular, são dispositivos pedagógicos que aliam a função lúdica à possibilidade de ensino de conceitos e/ou conteúdos tipicamente escolares (CUNHA, 2012).

O fenômeno físico tratado nessa ferramenta é o de flutuação dos corpos. Tal conteúdo foi elencado tendo em vista (i) a omissão dos conteúdos relativos à Física de Fluidos nas escolas públicas da rede estadual de ensino; (ii) a aplicabilidade destes conceitos no cotidiano e (iii) a indicação presente nas Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais voltadas para o Ensino Médio, que sugere a inserção do conteúdo sobre hidrostática como um dos temas estruturadores para organizar o ensino deste componente curricular (BRASIL, 2002).

A abordagem deste fenômeno no material didático é realizada, predominantemente, sob a perspectiva conceitual e de aplicação destes conceitos no cotidiano, procurando estabelecer vínculos com outras áreas do conhecimento, bem como, contextualizar os conteúdos científicos abordados com o propósito de aproximar o ensino à realidade sociocultural dos indivíduos. Mesmo que esta tenha sido uma das decisões metodológicas que orientaram a criação desse recurso, características procedimentais, requeridas na realização de experimentos de baixo custo, foram integradas ao material didático.

Dessa forma, procuramos promover um ambiente em que a resolução de problemas despertasse a participação, reflexão e criatividade dos educandos. Pesquisas vêm apontando a resolução de problemas como uma estratégia relevante no processo de aprendizagem (CLEMENT; TERRAZZAN, 2012; MORGADO et al., 2016; ALLEN; DUCH; GROH, 1996), uma vez que para resolvê-los o sujeito necessita mobilizar um conjunto de habilidades.

No caso do JD, essas habilidades são requeridas em três tarefas de categorias distintas, são elas: responder às perguntas do tipo “Diga o que é”,

“Explique por que” e executar os desafios “Faça você”. Considerando cada uma dessas tarefas, temos: 33 questões do gênero “Diga o que é”; 27 questões “Explique por que” e 4 tarefas procedimentais (desafios “Faça você”). Para as 60 perguntas que integram o jogo, há um cartão de resposta correspondente, assim como para cada desafio, existe um kit experimental.

No Quadro 3 apresentamos uma amostra de cada um dos tipos de tarefas

presentes no jogo didático.

Quadro 3. Exemplo de questões presentes no jogo didático

QUESTÕES EXEMPLO

“Diga o que é”

10. O Mar Morto, na verdade, é um lago de água salgada, localizado entre a Jordânia, Israel e a Cisjordânia. Nele, uma pessoa pode flutuar facilmente, com parte de seu corpo fora da água. Qual é a propriedade desta água que torna isto possível?

(a) pressão (b) peso (c) densidade Resposta. C

“Explique por que”

3. Qual dos dois pregos penetrará mais facilmente na parede? (a) O prego tipo B, pois possui maior área de contato

(b) O prego tipo A, pois possui menor área de contato (c) Os dois porque ambos são pregos

Resposta. B

“Faça você”

1. Equilibre o peso de um dos seus oponentes sobre balões

Kit experimental: 10 bexigas e 1 plataforma de madeira MDF

As regras, bem como outros elementos que constituem a mecânica, estética e dinâmica do jogo, sofreram alterações após a análise das críticas dos sujeitos envolvidos em um processo de validação sequencial. Isto é, dois grupos distintos de sujeitos avaliaram a ferramenta consecutivamente, gerando o seguinte caminho: Formulação do jogo → Interação 1 → Avaliação 1 → Reformulação 1 → Interação 2 → Avaliação 2 → Reformulação 2.

O processo de formulação do jogo consistiu das seguintes etapas: leitura de textos pertencentes à literatura especializada sobre jogos didáticos e jogos de tabuleiro (também conhecidos como Board Games ou, simplesmente, BG); análise de alguns exemplares de jogos deste tipo à disposição no mercado; e discussões com um grupo de pessoas envolvidas na sua criação. A partir do protótipo inicial do BG, um novo protótipo foi criado em cada uma das fases de reformulação do caminho anteriormente citado, sendo testados, portanto, dois protótipos até a

obtenção de um produto melhor ajustado aos objetivos pedagógicos e a critérios de jogabilidade (ou gameplay).

De acordo com Duarte (2012), durante o processo de prototipagem é ideal para o aperfeiçoamento da mecânica do jogo, pois as atenções devem estar voltadas mais para as regras do jogo do que para a arte ou à tecnologia. Isto pode contribuir para um gameplay de qualidade.

Para Prensky (2002, 2007), a adoção de atributos de games em jogos não- digitais desempenha papel importante na criação de artefatos envolventes, visto que suas características impactam sobre a jogabilidade. Com base nesse argumento, propomos um jogo didático fundamentado nas seguintes características de jogos eletrônicos: sistemas de recompensa e punição, desafios, feedbacks, níveis de dificuldade crescente e possibilidade de tratamento do erro a partir da interação entre seus jogadores. No tabuleiro, apresentado na Figura 6, estão expressas algumas dessas características.

O tabuleiro se refere a um jogo de trilha, cujo objetivo é resgatar um dos personagens do jogo (Dr. Float). Para isso, Kuank deverá atravessar quatro distintos mundos representados no tabuleiro por uma casa circular e um “balão” de identificação. Para mudar de um mundo para outro, é necessária a aquisição de um determinado número de anéis. Anéis e peças são recompensas por executar as tarefas corretamente. Para cada uma das categorias de tarefas realizadas, existe uma recompensa específica.

As tarefas “Faça você” somente poderão ser concretizadas pelo jogador se este obtiver um determinado número de peças para a troca por kits experimentais. Caso o jogador não alcance o número de peças para realizar um desafio “Faça você” ou não possua o número de anéis necessário para mudar de mundo, há uma punição prevista: retroceder até o início do mundo em que o pino pertencente ao jogador está posicionado.

O controle das respostas para cada uma das tarefas propostas pode ser obtido a partir dos cartões de respostas das questões e da execução inequívoca dos desafios “Faça você”. Isto representa os possíveis feedbacks do jogo.

Tanto responder às questões corretamente, quanto realizar atividades de caráter procedimental, configuram-se como desafios impostos ao jogador.

O nível de dificuldade crescente traduz-se na dificuldade em viajar entre os mundos à medida que o jogador progride no tabuleiro. Isso requer que o jogador

aumente sua eficiência ao executar as tarefas, visto que em cada mundo ocorre uma diminuição das casas do tabuleiro, reduzindo-se a oferta de recompensa.

Figura 6. Layout do tabuleiro do jogo Kuank: uma aventura em diferentes mundos.

Kuank é um jogo que deve ser jogado por dois ou três participantes. Vencerá

a corrida, o estudante que completar a trilha ou quando o tempo disponível para o jogo se esgotar. Neste último caso, vencerá aquele que tiver avançado mais no tabuleiro, ou havendo empate, aquele que possuir mais “vale anéis”.

Neste cenário, espera-se que os alunos não somente interajam com os conceitos envolvidos no fenômeno em estudo, como também mobilizem distintas habilidades e testem diversas estratégias, lidando, inclusive, com as consequências das decisões tomadas e com os sentimentos que poderão emergir no contexto desta interação.