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DESPEITO ODIOSO, ODIOSO DESPEITO OU: EM QUEM SERVE A CARAPUÇA?

SUA PROPRIEDADE.

4.2 A IDEOLOGIA ALEMÃ.

4.2.1 O MATERIALISMO HISTÓRICO COMO ESCAMOTEAMENTO DE UM HUMANISMO ANTI-INDIVIDUALIDADE.

4.2.2.1 DESPEITO ODIOSO, ODIOSO DESPEITO OU: EM QUEM SERVE A CARAPUÇA?

Façamos, então, um passeio pelas páginas do “São Max”, de Marx – e Engels (2007). De início, destacamos algumas interpretações ali contidas – e que estão dispersas por todo o texto – que nos levam a concluir que, na melhor das hipóteses, os autores da “Ideologia” parecem ter padecido, na elaboração dessa obra, de algo como aquilo que a psicanálise chama de fenômeno de projeção, ou seja: ver no outro conteúdos que não são dele, mas de quem os vê. São as seguintes, as referidas interpretações:

O título “O Único” deixaria transparecer uma pretensão de ter escrito o maior de todos os livros: “O Livro” (p. 121); Stirner, com sua idéia de poder, teria pretensões à onipotência, à tomada de todo poder (p. 121); a idéia de apropriação de Max faria dele um defensor da propriedade privada (p. 212) e – correlatamente – da moral burguesa (p. 203 – 204); “Der Einzige” visaria à instituição de uma sociedade e – tendencialmente – de um Estado ideais (p. 208 e 209); a visão de Johan Caspar Schmidt reduziria a individualidade dos sujeitos às suas posses (p. 214); a unicidade stirneriana seria uma simplória e óbvia constatação da identidade do sujeito consigo mesmo (p. 425); Stirner teria uma espécie de relação superficial e confusa com o comunismo (p. 204, 214 e 428); “O Único” proporia uma missão para os homens: se desenvolverem (p. 422).

Todas estas interpretações estão associadas com expressões e expedientes discursivos que manifestam uma forte carga emocional depreciadora do objeto da análise, tais como a comparação de Stirner à figura de Sancho Pança (p. 203) – ou seja, um auxiliar de cavaleiro em busca de ideais fantásticos – e a sugestão de que o uso recorrente que Max faz do termo tu significaria que ele estaria se referindo a um suposto duplo seu (como Sancho – e Quixote); a atribuição, a Johan Schmidt, dos epítetos “colegial” e “Jacques le bonhomme” (p. 139) – que significa “Jacó, o tonto” –, o qual era usado pelas elites feudais para depreciar os camponeses; a reprovação do uso que Caspar Schmidt fez do “baixo alemão”60 (p. 147, nota 142) – código

60 O baixo-alemão: Niederdeutsch, Plattdeutsch ou Plattdüütsch, em alemão e Nedersaksisch em holandês é uma língua regional, que pertence à área dialectal das línguas germânicas ocidentais faladas no norte da Alemanha e no leste dos Países Baixos. O baixo-alemão, em muitos aspectos, é parecido com a língua inglesa e o frísio.

minoritário – para escrever a sua obra; a implicância com o uso recorrente que Schmidt faz dos termos “isto” e “se” (p. 127), sob a alegação de que se trata aí de uma espécie de truque lingüístico para empreender algo como prestidigitações de pensamento – passagem imediata do raciocínio a conclusões não demonstradas de forma razoável; o uso, para se referir a Stirner, de termos e expreszsões que denotam um profundo desprezo, tais como “camponês parvo” (p. 426) e “piolho” (p. 425), chegando inclusive a adotarem (Marx – e Engels) expressões “baixas”, tal como uma referência às “posaderas” (p. 216) – nádegas, em espanhol – de Stirner.

Diante do exposto, cabe interrogar: de quem Marx – e Engels – estão falando? Não seria de si mesmos? Para esclarecermos nosso questionamento – e nossa sugestão de resposta – tomemos, do fim para o começo, o parágrafo – penúltimo - sobre as interpretações em pauta.

Ora, sabemos que O Único não formula nenhuma “missão”, ao contrário, nega toda e qualquer missão, afirmando a pura fruição. Já em Marx – e Engels – a missão de estabelecer o comunismo impõe-se aos homens com a força de um demiurgo supracorpóreo: o próprio movimento histórico material. Sabemos, também, que Johan Caspar Schmidt não reduz a individualidade dos sujeitos às suas posses e que seu Der Einzige não propõe a instituição de nenhuma forma de sociedade e/ou Estado, assim como Stirner não defende a propriedade privada e a correlata moral burguesa. Pelo contrário, para Max, a singularidade do(s) indivíduo(s) é algo que não pode ser reduzido a qualquer coisa – ou causa – e o egoísta consciente rebela-se, portanto, contra todo o transcendente que tende a assujeitá-lo, tais como a(s) sociedade(s) e o(s) Estado(s), bem como apropria-se de tudo aquilo que pode e quer – não respeitando, portanto, nenhum direito de propriedade -, assim como não se assujeita a nenhuma idealidade moral. Já para Marx – e Engels – a liberdade e a dignidade dos indivíduos são determinadas pelas condições materiais históricas das sociedades em que vivem, sendo que o capitalismo configuraria um aviltamento destas para grande parte dos integrantes desta forma social – o proletariado -, os quais, para modificarem esta situação – humanizarem a sociedade -, são impelidos à tomada de todo poder, com o fim de instaurarem, a partir da tomada do Estado, a sociedade comunista, na qual – paradoxalmente – reinará... a moral do trabalho (própria à burguesia judaico cristã)! Para conferirmos tudo o que dissemos aqui sobre os pais do materialismo histórico dialético – ou, de outra forma, do comunismo científico -, destacamos os

seguintes trechos de A Ideologia Alemã (2007), do Manifesto do Partido Comunista61 (2006) e de Gotha: Comentários de Karl Marx à margem do Programa do Partido Operário Alemão62 (2006), respectivamente:

(...) Na época presente, o domínio das relações materiais (...) sobre os indivíduos, o esmagamento da individualidade pela casualidade, atingiu sua forma mais aguda e universal e, com isso, designou aos indivíduos existentes uma missão bem determinada. Ele deu aos indivíduos a missão de, no lugar do domínio das relações dadas e da casualidade sobre os indivíduos, instaurar o domínio dos indivíduos sobre a casualidade e sobre as relações dadas. Ele não colocou a exigência, como Sancho63 o imagina, de que “Eu Me desenvolva” – o

que todo indivíduo fez até aqui sem precisar do bom conselho de Sancho – mas sim exigiu, antes, que o indivíduo venha a se libertar de uma forma de desenvolvimento bem determinada. Essa missão, posta pelas atuais relações, coincide com a missão de organizar a sociedade de forma comunista. (MARX E ENGELS, 2007, p. 422).

Vimos anteriormente que o primeiro passo da revolução operária será a ascensão do proletariado à classe dominante e à luta pela democracia.

O proletariado utilizará seu poder político para arrancar pouco a pouco todo o capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado como classe dominante, e para aumentar, o mais rapidamente possível, o contingente das forças de produção.

Naturalmente isso só pode acontecer, de início, mediante intervenções despóticas no direito de propriedade e nas relações de produção burguesas, isto é, através de medidas que parecem economicamente insuficientes e insustentáveis, mas que superam a si próprias no desenrolar do movimento, e são indispensáveis para revolucionar todo o modo de produção. (MARX E ENGELS, 2006, p. 59-60).

A proibição geral do trabalho infantil é incompatível com a existência da grande indústria, sendo, portanto, apenas um desejo ingênuo e descabido.

Sua implementação, se tal fosse possível, seria reacionária, já que, desde que esteja assegurada uma estrita regulamentação – contemplando as diversas faixas etárias e outras medidas regulamentares de proteção infantil -, a combinação precoce do trabalho produtivo com a instrução é um dos meios mais poderosos de transformação da sociedade atual.

(...)

(...) Em todo o caso, era preciso dizer claramente que não se pretendia realmente que os criminosos de direito comum, por medo da concorrência, fossem tratados como animais, nem privá-los do que é precisamente seu único meio de emendar-se, o trabalho produtivo. Era o mínimo que se poderia esperar de socialistas. (MARX, 2006, p. 129 – 131). 61 Ano de origem: 1848. 62 Ano de origem: 1875.

O leitor atento já deve ter percebido que “saltamos” sobre a antepenúltima e a penúltima das interpretações (na ordem normal do parágrafo em pauta) que destacamos na composição do “São Max”. Quanto à antepenúltima interpretação, a de que a unicidade stirneriana seria uma simplória e óbvia constatação da identidade do sujeito consigo mesmo, lembremos que uma das características de eu, no “Único”, é a dissolvência, o que implica uma auto (re)criação constante do(s) indivíduo(s), ou seja, uma clara contraposição a toda e qualquer fixação identitária. Aliás, pensamos que é justamente uma fixação identitária a uma postura epistemológica (o que Stirner chama de obsessão, idéia fixa) que leva Marx & Engels – estes sim, mantiveram, sabidamente, uma relação vitalícia de parceria intelectual e militante, o que justificaria associá-los às figuras literárias de D. Quixote & Sancho Pança – a reagir de forma tão emotiva e desleal a O Único. Provavelmente, como já dissemos, os pais do materialismo histórico dialético ficaram melindrados com a crítica de Max ao caráter cristão daqueles que andam por aí, como adolescentes, a querer melhorar o mundo. Isto nos leva à penúltima interpretação que arrolamos64: tamanha é a violência da reação dos pais do “comunismo científico”, que Marx & Engels “deixa(m) escapar” o caráter de sua relação com aqueles de quem se arvoram a serem os grandes representantes intelectuais – os trabalhadores. O referido caráter dessa relação é tal que, lamentavelmente, não pode ser bem definido por termos como superficial e confuso, mas, no mínimo, pelo termo... dubitável! Para nós, isto fica patente quando, ao intentarem rebaixar Max à categoria de um miserável filósofo – para parafrasearmos o título do ataque que fizeram a

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Trata-se aqui da insinuação de que Stirner teria uma espécie de relação superficial e confusa com o comunismo. Marx & Engels sugere(m) que Johan Caspar Schmidt seria um representante da pequena burguesia alemã e, como tal, um defensor da propriedade privada – que padeceria, portanto, de uma espécie de fobia anti-comunista - cujo conhecimento sobre o comunismo seria superficial e preconceituoso. Sugere(m) ainda que Max, supostamente, sendo um Feuerbachiano não questiona a idéia de Feuerbach de que todo indivíduo é comunista. O que Marx & Engels parece(m) não “compreender” é que O Único reconhece a existência de uma dimensão comum aos homens – expressada, por exemplo, pelas atividades de produção material econômica básicas, tais como os trabalhos de produção e distribuição de riquezas básicas como os alimentos e os artigos de vestuário -, o que o leva a admitir como bem vinda a possibilidade de organizar em bases comuns as atividades relacionadas a essa dimensão comum. Porém, Der Einzige também afirma (numa perspectiva integral) uma dimensão relativa às propriedades/capacidades singulares do(s) indivíduo(s) - expressada, por exemplo, pelas atividades que exigem gênio, talento, pessoalidade, tais como as atividades artísticas e os intercâmbios interpessoais, afetivos -, o que o leva a rejeitar toda e qualquer proposta de comunalização do que quer que seja da ordem dessas propriedades/capacidades singulares – incluindo aí a propriedade material/objetiva individual -, pois isto significaria usurpar a autodeterminação e auto-sustentação do(s) indivíduo(s). O que se delineia, nesta perspectiva stirneriana, é a idéia de associações singularistas. Em sua campanha para defender o seu comunismo da denúncia que Stirner faz do perigo que a comunalização total representa para a autodeterminação e a auto-sustentação dos indivíduos, Marx & Engels chega(m) a elencar argumentos e posturas contraditórias entre si, tal como quando, por um lado, defende(m) a expropriação e comunalização das propriedades burguesas e, por outro lado, afirma(m) contra Max que o comunismo não “é da opinião de que ‘o homem’ ‘necessita’ de qualquer coisa” (2007, p. 205) – apenas incitaria o proletariado a tomar consciência da sua condição dentro da sociedade burguesa, para que possa, assim, modificá-la (?!).

Proudhon -, os “campeões do proletariado” se valem de um termo adotado pelas elites feudais para depreciarem os camponeses – “Jacques le bonhomme” e, como se não bastasse, ainda intentam depreciar Johan Caspar Schmidt referindo-se a ele pela expressão “camponês parvo”. Porém, isso que denominamos de caráter dubitável da relação de Marx & Engels com os trabalhadores, pode ser esclarecido pela compreensão do elitismo inerente à perspectiva dos pais do “comunismo científico” – lembremos, aqui, sua crítica ao uso que Stirner faz do “baixo alemão”, um código minoritário -, posto que, para aqueles autores, há uma vanguarda entre a classe em questão: o operariado urbano, o qual, por estar no cerne do processo produtivo industrial – que seria a forma mais desenvolvida do modo de produção capitalista – constitui o núcleo de suas contradições. É o operariado que, estando diretamente assujeitado à exploração burguesa na sua forma mais desenvolvida – a produção industrial – teria as melhores condições para compreender a natureza do processo de exploração ao qual está submetido, bem como seria impelido – pelas próprias condições objetivas nas quais está inserido – à luta revolucionária contra a ordem da classe burguesa. A “ponta de lança” da instituição da sociedade comunista seria, então, o operariado – ficando os demais setores da(s) classe(s) trabalhadora(s), desse modo, secundarizados -, conforme podemos perceber no seguinte trecho do Manifesto do Partido Comunista, onde Marx & Engels tratam das lutas operárias:

(...) O resultado verdadeiro de suas lutas não é o sucesso imediato, mas a extensão sempre maior da união dos operários. Esta é favorecida pelo crescimento dos meios de comunicação, criados pela grande indústria, que colocam em contato operários de diferentes localidades. Basta apenas esse contato para centralizar as inúmeras lutas locais – que têm em toda a parte o mesmo caráter – em uma luta nacional, em uma luta de classes. Mas toda luta de classes é uma luta política. E a união, que exigiu séculos dos burgueses da Idade Média, com seus caminhos vicinais, os proletários modernos realizam-na em poucos anos com as ferrovias.

Essa organização dos proletários em classe e, assim, em partido político, é rompida a cada instante pela concorrência entre os próprios operários. Mas renasce sempre mais forte e mais poderosa. Aproveita-se das divisões internas da burguesia para forçá-la a reconhecer, sob forma de leis, certos interesses particulares dos operários. Por exemplo, a lei da jornada de dez horas na Inglaterra. (2006, p.39 – 40, grifos nossos).

Os trechos grifados nas citações acima nos ensejam a retomada do penúltimo tópico do parágrafo relativo ao uso – por parte de Marx & Engels – de expressões e expedientes discursivos que manifestam uma forte carga emocional depreciadora de Stirner e sua obra – tópico este que, como o leitor já deve ter percebido, havíamos deixado intocado até o momento. Trata-se ali da

acusação de que, o uso recorrente – no “Único” – dos termos “isto” e “se” consistiria numa espécie de truque lingüístico para empreender prestidigitações de pensamento – passagem imediata do raciocínio a conclusões não demonstradas de forma razoável. Ora, no contexto do discurso sitrneriano os termos em questão exercem uma função coesiva indispensável em qualquer discurso, bem como configuram uma clara coesão entre as idéias ali desenvolvidas. Quanto à sugestão de Marx & Engels de que os termos em pauta se prestariam, em Der Einzige, à promoção – de forma pouco sustentável – de perspectivas arbitrárias, parciais, verificamos, sim, - como nos trechos acima grifados – em seu Manifesto do Partido Comunista, a ocorrência de sofismas cujo objetivo seria fazer passar, sob a aparência de uma sólida base empírica analítica, conclusões de cunho profundamente ideológico. Identificamos tais sofismas ideológicos nas afirmações grifadas de que os operários tenderiam a centralizar suas lutas locais – as quais teriam, em toda a parte, o mesmo caráter -; de que toda luta de classes é uma luta política – entenda-se, ante o contexto do pensamento em questão, como política partidária e governamental – e que por isto os proletários tenderiam a se organizar pela forma de partido político; como também na afirmação de que apesar da concorrência entre os próprios operários sua organização de classe – entenda-se seu partido político – “renasce sempre mais forte e mais poderosa”, forçando a burguesia “a reconhecer, sob a forma de leis, certos interesses particulares dos operários”. Para esclarecermos esta nossa afirmação, retomemos, brevemente, a questão em torno da qual giraram os conflitos entre marxistas e anarquistas no seio da Associação Internacional dos Trabalhadores (A.I.T.).

Segundo George Woodcock (2002), já em 1840 o pensador francês que foi o primeiro da história a se auto-intitular um anarquista, Pierre Joseph Proudhon (1809 – 1865), pensava sobre a possível fundação de uma associação internacional de produtores, por isso, seus adeptos desempenharam um papel decisivo na fundação da Internacional, o que começou a se concretizar a partir de uma reunião – entre socialistas franceses discípulos de Proudhon, sindicalistas ingleses e marxistas alemães – realizada em Londres, em Setembro de 1864.

Desde a criação do órgão que em princípio deveria funcionar apenas como seu escritório de estatística e de correspondência, o Conselho Geral – criado no seu primeiro congresso, em 1866, em Genebra, e sediado em Londres, por esta ser considerada um local mais seguro -, o controle executivo da Internacional caiu sob o poder dos marxistas alemães – liderados pelo próprio Marx – refugiados naquela sua cidade-sede. Desde então, começaram os

conflitos entre anarquistas (libertários) e marxistas (autoritários), com estes transformando o Conselho Geral em um órgão hierárquico superior e centralizador da A.I.T. – sob a batuta de Marx -, bem como intentando, a partir daí, estabelecer como visão oficial daquele organismo trabalhista a idéia marxiana de que a luta dos trabalhadores deveria ser travada no campo da política governamental, enquanto aqueles (os anarquistas), reivindicavam que o Conselho Geral exercesse apenas as funções para as quais havia sido originalmente criado – correspondência e estatística -, bem como que – coerente com a sua orientação antiestatista – as organizações trabalhistas se mantivessem não-hierarquizadas, autônomas e apartadas da política partidária e representativa (a emancipação dos trabalhadores deveria ser obra deles próprios, como Proudhon já havia propugnado).

Este combate dos anarquistas no seio da A, I.T. – com Marx empreendendo expedientes desleais como, por exemplo, o de caluniar Proudhon para alguns discípulos do francês -, foi levado a cabo, inicialmente, pelos mutualistas65 discípulos de Proudhon, sendo que estes foram vendo sua influência ser reduzida progressivamente, devido ao crescimento da influência, no campo libertário, do coletivismo66 e do anarquista russo Mikhail Alexandrovich Bakunin (1814 – 1876), o qual, no congresso de Basiléia, em 1869, ingressa na Internacional com seus discípulos e assume ali o primeiro plano da luta anarquista.

O embate iniciou a atingir um ponto crítico quando, em Novembro de 1871, delegados da Federação do Jura67 e uns poucos expatriados de Genebra encontraram-se em Sonvillier, na conferência que assinala o começo do esforço para formar uma Internacional anarquista. A circular que eles distribuíram recebeu o apoio das federações bakuninistas da Espanha e da Itália, bem como de setores belgas, tanto quanto de antigos marxistas decepcionados com o autoritarismo e o centralismo de Marx e de integrantes de movimentos trabalhistas democráticos anglo-saxões. Eis o parágrafo-chave da “Circular de Sonvillier”:

65 “Mutualismo” é a denominação que ficou associada aos grupos inspirados pelas idéias de Proudhon, cujas

propostas giram fundamentalmente em torno de estratégias de criação de associações econômicas autônomas e federadas (de forma descentralizada) de trabalhadores, com o fito de promover a ajuda mútua entre estes produtores.

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“Coletivismo” é a denominação que ficou associada às propostas - de reorganização social - de Mikhail Bakunin, as quais frequentemente são sintetizadas pela fórmula segundo a qual – no que concerne à produção e à distribuição de riquezas – “cada um contribuirá para a sociedade segundo as suas possibilidades e receberá dessa mesma sociedade segundo a sua contribuição”.

67 Cantão – divisão, ou departamento, geo-político-administrativo – franco-suíço cujas organizações de trabalhadores

Nós não desejamos responsabilizar o Conselho Geral pelas más intenções. As pessoas que o compõem são vítimas de uma necessidade inevitável. Elas querem, com toda a sinceridade, e para que suas doutrinas particulares possam triunfar, introduzir o espírito autoritário na Internacional; circunstâncias pareceram favorecer semelhante tendência, e nós julgamos perfeitamente natural que esta escola, cujo ideal é a conquista do poder

político pela classe trabalhadora, acredite que a Internacional, (...), deva

mudar sua organização primeira e se transformar numa organização hierárquica guiada e governada por um poder executivo. Mas, embora devamos reconhecer que tais tendências (...) existam, somos, no entanto, obrigados a combatê-los, em nome da revolução social para a qual estamos trabalhando e cujo programa está expresso nas palavras “Emancipação dos trabalhadores pelos próprios trabalhadores”, independente de toda autoridade dirigente, ainda que essa autoridade tenha sido consentida e designada pelos próprios trabalhadores. Nós exigimos que o princípio da autonomia dos grupos seja preservado na Internacional, quando ele tem sido até agora reconhecido como o fundamento da nossa Associação; exigimos que o Conselho Geral, cujas funções têm sido amenizadas pelas resoluções administrativas do Congresso de Basiléia, retorne à sua função normal, que é atuar como um departamento de correspondência e estatística. (...) A Internacional, esse germe