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A “IDEOLOGIA”: ASSUJEITAMENTO DE INDIVÍDUO(S) E SUBJETIVIDADE(S) AO MODO DE PRODUÇÃO.

SUA PROPRIEDADE.

4.3 ECONOMICISMO ESTR(E)ITO: NEUROSE REPETITIVA E REDUÇÃO.

4.3.1 A “IDEOLOGIA”: ASSUJEITAMENTO DE INDIVÍDUO(S) E SUBJETIVIDADE(S) AO MODO DE PRODUÇÃO.

Em sua “Ideologia Alemã” Marx & Engels contrapõe(m) à visão stirneriana - “pequeno burguesa” - da capacidade de autonomização do(s) indivíduo(s), a tese de que o modo de produção (o qual é, pela sua própria definição, fundamentalmente social) determina a liberdade, bem como a(s) própria(s) subjetividade(s) deste(s). Para legitimar(em) sua tese, o(s) autor(es) da “Ideologia” aponta(m) recorrentemente, de forma quase(?) obsessiva, pretensas causas econômicas subjacentes a todas as perspectivas adotadas pelo “Único”, perspectivas estas que, quando compreendidas mais fielmente, apontam para uma percepção mais complexa – do que um mero reflexo da sua suposta condição pequeno burguesa - da realidade dos homens. Senão, vejamos.

Iniciemos nossa análise pelo seguinte trecho, onde Marx & Engels transcreve(m) e comenta(m) um excerto de Der Einzige (entre aspas):

Tendo descoberto que “o espírito é o essencial”, já não teme nem mesmo as temerárias conclusões seguintes:

“Mas, uma vez o espírito reconhecido como o essencial, então isto faz com que haja uma diferença entre o espírito ser pobre ou rico, e é por isso” (!) “que se procura enriquecer o espírito; o espírito quer se expandir para fundar o seu reino, um reino que não é deste mundo que acaba de ser superado. Desse modo, o espírito empenha-se em tornar-se tudo em tudo” (desse modo como?), “isto é, apesar de Eu ser espírito, não sou porém o espírito perfeito e, antes de mais nada, é-Me necessário” (?) “procurar o espírito perfeito.” (p.17)

“Então isto faz que haja uma diferença” – “Isto” o quê? Qual “isto” faz que haja essa diferença? Voltaremos a encontrar com muita freqüência esse misterioso “isto” em nosso santo homem, (...)

Tudo o que “Isto” faz, pensa e realiza deve recair sob a responsabilidade de nosso santo, que se relaciona com ele na qualidade de criador. Em primeiro lugar, como vimos, esse “Isto” faz que haja uma diferença entre pobre e rico. E por quê? Porque “o espírito é reconhecido como o essencial”. Pobre “Isto”, que sem este reconhecimento nunca teria chegado à diferença entre pobre e rico! “E é por isso que se procura” etc. “Se!” Eis aqui a segunda pessoa impessoal que, juntamente com o “Isto”, é posta a serviço de Stirner e tem de executar as tarefas mais ingratas. Vê-se, aqui, que essas duas pessoas estão acostumadas a se apoiar mutuamente. (...) Tão logo o “Isto” dá o sinal, imediatamente o “Se” faz coro com ele a plenos pulmões. A divisão do trabalho é realizada em sua forma clássica. (MARX E ENGELS, 2007, p. 126-127, grifos nossos).

Já comentamos anteriormente esta implicância – verificada aqui – de Marx & Engels com o uso, por parte de Stirner, dos termos “isto” e “se”. Conforme o leitor pode conferir no próprio excerto transcrito pela dupla materialista dialética, os termos em questão não “atuam” aí como “pessoas impessoais” – como quer a referida dupla -, mas sim, têm a função de fazer referência ao processo genérico, universal (próprio da modernidade, segundo Max) de sobrevalorização das idealidades, em detrimento das individualidades reais. Trata-se, enfim, de uma análise crítica – irônica – de tal processo, e não de um endossamento ingênuo do fenômeno aqui denunciado, como quer(em) Marx & Engels. Porém, o que queremos ressaltar neste trecho da “Ideologia”, é aquilo que a nosso ver está expresso no comentário final que grifamos. Ali, vê- se como, mesmo a pretexto de uma chacota, Marx & Engels força(m) a argumentação no sentido de introduzir a ingerência do modo de produção mesmo onde ela, claramente, não cabe.

Tomemos agora outro trecho da “Ideologia”. Neste, Marx & Engels, a pretexto de oferecer(em) uma interpretação “encarnada” a uma visão stirneriana supostamente “desencarnada”, faz(em) uma paráfrase economicista de um excerto d’O Único, ladeando o referido excerto de sua subseqüente paráfrase. Eis o excerto de Der Einzige:

Realista, a criança era cativa das coisas deste mundo até o momento em que, pouco a pouco, conseguiu descobrir o que havia por detrás dessas mesmas coisas. O adolescente era idealista, inspirado por pensamentos, até o momento em que se esforçou para tornar-se homem, o homem egoísta, que dispõe das coisas e dos pensamentos a seu bel-prazer e coloca seu interesse pessoal acima de tudo. Enfim, e o idoso? Quando eu me tronar um, então ainda haverá tempo suficiente para falar disso.” (2007, p. 132, grifos nossos).

Agora, eis a paráfrase que ladeia este excerto:

A criança era realmente cativa do mundo de suas coisas até o momento em que, pouco a pouco (uma escamoteação tomada de empréstimo para o desenvolvimento), ela conseguiu deixar estas mesmas coisas atrás de si. O adolescente era imaginativo, carente de pensamentos devido ao entusiasmo, até o momento em que o homem ergueu-se por sobre ele, o burguês egoísta, com quem as coisas e os pensamentos dispõem de tudo a seu bel-prazer, porque o seu interesse pessoal coloca tudo acima dele. Enfim, e o idoso – “Mulher, o que eu tenho a ver contigo?” (2007, p. 132, grifos nossos). Os trechos que grifamos nos dão um indício do “pouco rigor” com que Marx & Engels lida(m) com suas interpretações da obra de Caspar Schmidt. No texto de Max, lê-se que “o adolescente era idealista, inspirado por pensamentos(...)”, já no texto de Marx & Engels lê-se que

“o adolescente era imaginativo, carente de pensamentos(...)”. Ora, mesmo compreendendo a função irônica desta alteração do texto original – o que está sugerido aí, claro, é que Stirner é o adolescente imaginativo, carente de pensamentos -, a nosso ver, este afã por deslegitimar seu objeto de análise e afirmar a sua própria perspectiva não deve, por isto mesmo, ofuscar a percepção do leitor atento para o fato de que, diferentemente daquilo que Marx & Engels afirma(m), o egoísmo em Stirner não é um mero reflexo da sua pretensa condição de pequeno burguês71 mas, a proposição de um diagnóstico de algo que seria um dado basal em todos os humanos. Analisando rigorosamente as duas visões em confronto, poderíamos afirmar que, em que pese um aparente simplismo desta visão72, a perspectiva de Johan Schmidt, ao menos, não padece de uma tendência maniqueísta a considerar os burgueses como sendo - por sua condição de classe - homens desumanos, e os proletários, ou melhor, os operários - por sua condição antagônica à da burguesia – os avatares da redenção social. Ao final da sua paráfrase, Marx & Engels substitue(m) um comentário de Max por um trecho da Bíblia, sugerindo deste modo que Der Einzige manifesta certo desprezo pelos temas da velhice - e da mulher. Ora, bem compreendido, o que Max está a sugerir com o seu comentário: “(...) e o idoso? Quando eu me tornar um então (...) haverá tempo (...) para falar disso”, é pura e simplesmente a idéia de que ele trata apenas daquilo que as suas demandas vivenciais atualizadas lhe habilitam a tratar. E, obviamente, não há aí nenhuma alusão à condição especificamente feminina.

Passemos a outro trecho da obra em questão. Aqui, Marx & Engels comenta(m) (entre parêntesis) mais um excerto da obra de Johan Schmidt:

“Agora, depois que o liberalismo proclamou o homem, pode-se declarar que foi realizada apenas a última consequência do cristianismo, pois o cristianismo desde sempre propôs-se como única tarefa [...] realizar [realisieren] o homem.” (...)

“Daí se segue” (sobretudo porque se pode atribuir ao cristianismo essa tarefa imaginária) “o engano” (é evidente que, antes de Feuerbach, não se podia saber qual a tarefa que o cristianismo “desde sempre se propusera”) “de que o cristianismo atribui um valor infinito ao Eu, como aparece, por exemplo, na teoria da imortalidade da alma e na obra pastoral. Não, ele atribui esse valor

71 Viemos utilizando essa forma: “pretensa condição de pequeno burguês de Stirner” porque, em termos rigorosos,

um pequeno burguês seria alguém que dispõe de algumas posses, e Johan Caspar Schmidt era um mero professor de uma escola para moças – portanto, trabalhador da educação – no momento em que publicou O Único, conforme o(s) próprio(s) Marx & Engels admite(m) em vários momentos da sua “Ideologia”.

72 Dissemos “aparente simplismo” porque, conforme já vimos no capítulo sobre a episteme própria d’O Único, o

egoísmo em Stirner contempla formas de associação e de doação, porém, sempre submetendo-as ao crivo dos interesses próprios do(s) indivíduo(s).

unicamente ao homem, somente o homem é imortal, e é somente por Eu ser um homem que sou também imortal.”

Se, então, de todo o esquema de Stirner e de sua forma de colocar os problemas, resulta claramente que o cristianismo não podia conferir a imortalidade senão “ao Homem” de Feuerbach, agora ficamos sabendo, além disso, que isso é assim porque o cristianismo também não atribui essa imortalidade – aos animais.

Façamos um esquema à la São Max.

“Agora, depois que” a grande propriedade fundiária moderna, que resultou da parcelarização, praticamente “proclamou” o morgadio, “pode-se declarar que foi realizada apenas a última conseqüência” da parcelarização da propriedade fundiária, “e que” “na verdade” a parcelarização “desde sempre propôs-se como única tarefa realizar [realisieren]” o morgadio, o verdadeiro morgadio. “Daí se segue o engano de que” a parcelarização “atribui um valor infinito” aos direitos iguais de todos os membros da família, “como aparece, por exemplo”, no direito de sucessão do Code Napoléon. “Não, ele atribui esse valor unicamente” ao filho mais velho; “somente” o filho mais velho, o futuro senhor do morgadio, poderá tornar-se um grande proprietário de terras, “e é somente por Eu” ser o filho mais velho “que Eu me torno também” proprietário de terras.

Com esse procedimento, é infinitamente fácil dar à história orientações “únicas”, bastando apenas descrever o seu último resultado como “a tarefa” que “ela, na verdade, desde sempre se propôs”. As épocas anteriores apresentam-se, desse modo, sob uma forma bizarra e sem precedentes. Isso impressiona e não requer muitos custos de produção. (...) (MARX E ENGELS, 2007, p.148- 149). Aqui Marx & Engels superpõe(m) a um excerto d’O Único uma longa construção de cunho economicista, com a finalidade declarada de evidenciar um vício que caraterizaria o modo de analisar a história em Der Einzige – o qual se definiria por um hegelianismo onde “(...) o espírito absoluto (...) ‘desde sempre’, põe o seu fim como o seu começo” (2007, p. 148) -, mas também (fazem tal superposição) com o fito de tornar patente o suposto idealismo de Max. Ora, mesmo somado à chacota – de um humor pouco criativo, diga-se de passagem – de que “o cristianismo não podia conferir a imortalidade senão ‘ao Homem’ de Feuerbach, (...) porque o cristianismo também não atribui essa imortalidade aos animais”, os expedientes em questão não logram o efeito de ofuscar, aos olhos do leitor rigoroso, a percepção de que aquilo que está posto no excerto (d’O Único) em questão, não é – diferentemente do que Marx & Engels propõe(m) – um sintoma de filiação às perspectivas de Hegel e Feuerbach, mas sim, adversamente, uma denúncia de um processo histórico segundo o qual a idéia cristã do Deus que se fez homem transmuta-se coerentemente – ou, é transmutada -, nos – ou pelos – modernos, em O Homem. E o ideal do Homem, da Humanidade, constituindo-se como uma suposta essência universal – assim como Deus -, tem como seu corolário a desvalorização dos eus concretos, dos indivíduos singulares. O que estaria em jogo aqui seria um combate contra os efeitos de estruturações concretas de que disporiam os ideais coletivizados, neste caso, efeitos que estruturariam

sociabilidades avessas às originalidades, e Marx & Engels, obviamente, não admite(m) - ou não quer(em) admitir - nenhuma “consistência material” nesta visão. Quanto à alegação que este(s) faz(em) de que haveria um vício nas análises históricas desenvolvidas em Der Einzige - vício este que, conforme foi dito, se caracterizaria por um procedimento tautológico de “constatar”, a posteriori e de forma parcial, resultados de processos históricos que aparecem aí como algo cujo fim já estava dado ‘desde sempre’ - pensamos que, mesmo que esta crítica esgotasse todo o conteúdo das reflexões que Stirner faz a pretexto de reconstituições de processos históricos73 – o que não é o caso -, o(s) próprio(s) Marx & Engels não estaria(m) isento(s) de uma crítica semelhante, posto que ele(s) mesmo(s) ira(o) dizer, a priori (o que poderia ser tachado de adivinhação), que o materialismo histórico dialético dá conta de que a conseqüência última do capitalismo seria a revolução social com vistas ao comunismo, bem como que a realização desta “tarefa histórica” caberia ao operariado...!

Analisemos mais um comentário encontrado na “Ideologia”, ensejado pelo seguinte trecho d’O Único:

“O liberalismo logo surgiu com a declaração de que fazia parte da essência do homem não ser propriedade, mas proprietário. Como o que aí estava em questão eram os homens, e não o indivíduo então a estes coube o Quanto [Wieviel], o qual constituía justamente o interesse especial dos indivíduos. Daí que o egoísmo dos indivíduos conservou, nesse Quanto, o espaço mais livre de ação que era possível e praticou uma incansável concorrência”. p.349.

Significa dizer que o liberalismo, isto é, os proprietários privados liberais, conferiram, no início da Revolução Francesa, uma aura liberal à propriedade privada, declarando-a Direito do Homem. A isso os proprietários foram obrigados já por sua posição como partido revolucionário; eles foram até mesmo obrigados não só a dar à massa do povo [rural] francês o direito à propriedade, ma[s t]ambém (sic) a deixar que a propriedade existente fosse tomada, e tudo isso eles puderam fazer porque, nesse processo, o seu próprio “Quanto”, que era o que mais lhe interessava, permaneceu intocado e foi até mesmo assegurado. – Constatamos aqui, ademais, que São Max faz que a concorrência tenha origem no liberalismo, uma bofetada que ele dá na história (...). A “explicação mais precisa” do manifesto com o qual ele faz o liberalismo “logo surgir”, nós a encontramos em Hegel, que em 1820 se pronunciou nos seguintes termos:

“Em relação às coisas exteriores, o racional” (isto é, o que é próprio de mim como homem, como ser humano) é “que eu possua propriedade [...]o que e quanto eu possuo é, em conseqüência, uma casualidade jurídica.” (Fil[osofia] do direito, § 49)

O que é notável em Hegel é que ele transforma a fraseologia do burguês no conceito efetivo, na essência da propriedade, o que “Stirner” reproduz fielmente.

São Max encontra na evolução acima o alicerce para seu enunciado adicional de que o comunismo

“levantou a questão sobre o Quanto do possuir e a respondeu no sentido de que o homem deve ter tanto quanto necessita. Poderá o meu egoísmo se satisfazer com isso? [...] Eu tenho, em vez disso, de ter tanto quanto sou capaz de me apropriar.” (p. 349)

Em primeiro lugar, aqui devemos observar que o comunismo de modo algum se originou do § 49 da Filosofia do direito de Hegel e de seu “o que e quanto”. Em segundo lugar, “ao comunismo” sequer ocorre querer dar algo “ao homem”, já que “o comunismo” de modo algum é da opinião de que “o homem” “necessita” de qualquer coisa além de uma breve iluminação crítica. Em terceiro lugar, ele impinge ao comunismo o “precisar” do burguês atual, ao introduzir uma distinção que, por sua precariedade, só pode ter importância para a sociedade atual e seu retrato ideal, a associação stirneriana de “alguns gritalhões” e costureiras livres74. “Stirner”, uma vez mais, conseguiu produzir grandes “discernimentos” sobre o comunismo. Por fim, São Sancho em sua exigência de ter tanto quanto ele próprio for capaz de se apropriar (isso se essa exigência não desembocar, por exemplo, na fraseologia burguesa habitual de que cada um deve ter de acordo com sua capacidade [Vermögen], de que cada um deve ter o direito do livre ganho), presume o comunismo como algo vigente e o faz afim de poder desenvolver e afirmar livremente a sua “capacidade”, o que de modo algum depende unicamente dele, assim como sua própria “capacidade” não depende só dele, mas também das relações de produção e intercâmbio nas quais ele vive. – (Cf., adiante, a “Associação”.) A propósito, o próprio São Max não age de acordo com sua doutrina, já que em todo o seu “Livro” ele “precisa de” e consome coisas das quais ele não foi “capaz” de “se apropriar”. (MARX E ENGELS, 2007, p. 204-205).

Aqui, Marx & Engels reduz(em) às questões da luta de classes, algo que, em Stirner, as extrapola: trata-se ali – em Der Einzige – da luta sempiterna do(s) indivíduo(s) pela garantia da(s) sua(s) próprias(s) medida(s) – o seu “Quanto” -, em concorrência com todo e qualquer dimensionamento homogêneo socialmente instituído – no caso, a idéia liberal do homem como sendo essencialmente um proprietário. Como se não bastasse à redução distópica da idéia geral do excerto pauta, Marx & Engels ainda intenta(m) fazer passar leituras “pouco rigorosas” de dois trechos específicos daquele, senão, vejamos: os pais do materialismo histórico dialético afirmam que “constatamos aqui, ademais, que São Max faz que a concorrência tenha origem no liberalismo, (...)”, quando o que Stirner diz é “daí que o egoísmo dos indivíduos conservou, nesse Quanto, o espaço mais livre de ação que era possível e praticou uma incansável concorrência”, o que é bem diferente de dizer “daí que o egoísmo dos indivíduos originou, nesse Quanto, o espaço mais livre de ação que era possível e praticou (...)”. Ainda: sugere, a dupla materialista dialética, que “(...) ele faz o liberalismo ‘logo surgir’, (...)”, quando o que Max diz é

que “o liberalismo logo surgiu com a declaração de que fazia parte da essência do homem não ser propriedade, mas proprietário” o que, diferentemente da idéia de que o liberalismo surgiu logo, sem demandar nenhum movimento histórico processual – como sugere(m) Marx & Engels - , significa que o liberalismo prontamente surgiu com a declaração (...)!

Esta última leitura “pouco rigorosa” compõe uma introdução a um expediente segundo o qual Marx & Engels associa(m) Stirner a Hegel, o que é recorrente na “Ideologia”. O trecho da Filosofia do Direito que destaca(m) com a intenção de patentear a suposta origem da construção stirneriana em pauta, configura a reserva de algum espaço de liberdade para o eu – reservando à casualidade jurídica a questão do que e do quanto eu possuo -, o que, como já vimos, não representa o tom dominante do pensamento do mestre da dialética, posto que este seja marcado pela ascendência do Espírito sobre toda realidade humana, algo bem mais próximo da perspectiva de Marx & Engels, com sua afirmação das determinações do movimento sócio-histórico – em que pese serem “materiais” – que transcendem os próprios indivíduos e suas vontades particulares. Ademais, o que é notável em Marx & Engels é que ele(s) não “compreenda(m)” que a perspectiva de Stirner é adversa à de Hegel, posto que O Único se configura como uma crítica radical não apenas às idealidades, ao mundo do Espírito, à razão, às idéias de Homem e de Humanidade, à propriedade instituída (estabilizada), como também desfere uma estocada aguda contra a própria idéia de Direito!

Sugerindo que Stirner teria partido da construção hegeliana acima transcrita para apontar, no comunismo, uma crucialidade da “(...) questão sobre o Quanto do possuir(...)”, Marx & Engels chega(m), em seu esforço para deslegitimar Max, a negar o inegável, afirmando que “’ao comunismo’ sequer ocorre querer dar algo ‘ao homem’, já que ‘o comunismo’ de modo algum é da opinião de que ‘o homem’ ‘necessita’ de qualquer coisa além de uma breve iluminação crítica.” Ora, o(s) mesmo(s) Marx & Engels ira(o) dizer – três anos depois, é verdade -, em seu Manifesto do Partido Comunista:

O proletariado utilizará seu poder político para arrancar pouco a pouco todo o capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado como classe dominante, e para aumentar, o mais rapidamente possível, o contingente das forças de produção. (MARX E ENGELS, 2006, p. 59).

Então, o proletariado, ‘o homem’ humano – em contraposição ao homem desumano, o burguês – “’necessita’ de qualquer coisa além de uma breve iluminação crítica”... Ele necessita de todo o capital da burguesia e de todos os instrumentos de produção! De fato, vê-se logo que a questão aqui não é o Quanto, mas o Tudo!

Prosseguindo nessa linha de sustentar o insustentável, Marx & Engels afirma(m) que Stirner - ao dizer que o comunismo “levantou a questão sobre o Quanto do possuir e a respondeu no sentido de que o homem deve ter tanto quanto necessita” – “impinge ao comunismo o ‘precisar’ do burguês atual, ao introduzir uma distinção que, por sua precariedade, só pode ter importância para a sociedade atual e o seu retrato ideal, a associação stirneriana de ‘alguns gritalhões’ e costureiras livres.” Aqui, além de fazer(em) chacota com Marie Danhardt – a esposa de Johan Caspar Schmidt – Engels & Marx quer(em) fazer passar a idéia de que a questão da necessidade, do “precisar”, só faz sentido na sociedade burguesa, não no comunismo. Mesmo que, numa hipótese remota, uma sociedade comunista qualquer lograsse garantir a todos os seus membros a satisfação de todas as suas necessidades comuns, tais como as de alimentação, moradia, vestimenta etc., cabe questionar – como Stirner o faz – se uma forma qualquer de organização social é capaz de, por si só, prover tudo aquilo que é da ordem das necessidades individuais, particulares, tais como as de expressar-se desta ou daquela forma, de amar deste ou