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3 ALGUNS FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA LEITURA

3.2. DETALHANDO A ABORDAGEM PSICOLINGUÍSTICA

Como disciplina e projeto de investigação sobre fenômenos da língua, da linguagem e, portanto, da leitura, a Psicolinguística tem data e local de nascimento: dois seminários realizados nos EUA nos primeiros anos da década de 1950. O primeiro, em 1951, foi organizado na Universidade de Cornell. Mais adiante, em 1953, evento similar ocorreu na Universidade de Indiana79, com o propósito de aprofundar a discussão acadêmica que visava pavimentar a aproximação entre três disciplinas: a Psicologia, a Linguística e a Ciência da Informação. As três vinham trilhando caminhos distintos, apesar da proximidade epistemológica. Conforme Scliar-Cabral (1991), a Psicolinguística se desenvolveu dentro do contexto de busca por uma “explicação mais unitária sobre os processos envolvidos na recepção e produção das mensagens” (p. 8). Ou seja, um esforço de aproximação que resultou em uma nova abordagem, com ramificações conceituais e distintos caminhos metodológicos nos anos seguintes.

A Psicolinguística surge depois da Segunda Guerra, também como uma resposta à necessidade de aprimorar o desenvolvimento dos estudos sobre a comunicação. Scliar-Cabral (1991) argumenta que as três ciências não podiam mais continuar isoladas, praticamente falando sozinhas em suas tarefas de compreender as dinâmicas da linguagem: “era necessário encontrar uma linguagem comum, era necessário que os avanços de cada uma e seus respectivos enfoques se apoiassem mutuamente”. (p. 12). Scliar-Cabral (2015) lembra que os pioneiros da nova ciência, que eram oriundos da Psicologia e da Linguística, compartilhavam da mesma base epistemológica: o behaviorismo (comportamentalismo).

79 Há uma história da colaboração teórica entre Linguística e Psicologia, que remonta ao século 19, a partir dos

trabalhos de inúmeros pesquisadores. Mas a fusão teórico-metodológica não aconteceu, pois nem a Linguística havia recolhido elementos suficientes para estudar os fatos mentais, como a linguagem, nem a Psicologia havia obtido ferramentas adequadas para analisar os casos experimentais (SLAMA-CAZACU, 1979). Algumas experiências posteriores, na Europa, como a Escola Fonológica de Praga, intensificaram a aproximação, pois seus integrantes não desprezavam os aspectos psicológicos da linguagem. Os estudos da teoria dainformação, na década de 1950, como as proposições acerca da cibernética, formuladas por Norbert Wiener – e sua proposta acadêmica vincular controle, comunicação e cognição – aceleraram o contato.

Paralelamente, a Ciência da Informação havia se desenvolvimento a partir da sua base matemática e tendo como objeto o estudo da comunicação entre as máquinas. Embora estivesse mais concentrada em estudar como os sinais elétricos ou acústicos eram transmitidos do emissor ao receptor em equipamentos eletrônicos, Scliar-Cabral (2015) destaca que a influência da teoria da informação sobre a Psicolinguística – portanto sobre a compreensão da comunicação humana – deu-se a partir da funcionalidade do seu modelo teórico básico, que estrutura a reflexão sobre o processamento da informação tendo como ponto de partida o desenho clássico emissor, receptor, mensagem, canal e código.

Scliar-Cabral (1991 e 2015) aponta a contribuição de Burrhus Skinner e Noam Chomsky nas primeiras formulações da nova ciência em construção, constituindo as duas primeiras fases da nascente disciplina. Para a Psicologia, Skinner propôs o que é reconhecido, atualmente, como um paradigma avançado do comportamentalismo, introduzindo o fator recompensa no esquema estímulo-resposta de Ivan Pavlov. Como representante da corrente aristotélica do pensamento, Skinner entende que o conhecimento nasce dos sentidos em direção à cognição, quer dizer, nada existe no intelecto humano que não tenha passado pelos sentidos por meio da aprendizagem. Dessa forma, o autor entende a criança como uma tábula rasa, estimulada por informações e sensações. Tudo, para Skinner – uma das principais referências teóricas da fase inaugural da Psicolinguística – é comportamento, inclusive a linguagem, que, da mesma forma que em uma tradição comportamentalista de pesquisa, recebe a denominação de comportamento verbal.

Chomsky surge no panorama dos estudos linguísticos a partir do modelo gerativo-transformacional, que ele apresenta nos anos 1960, consolidando a corrente inatista para os estudos da linguagem. Basicamente, um conjunto de visões que associam o desenvolvimento da linguagem a uma habilidade inata dos seres humanos. O valor das suas reflexões para o ambiente de investigação psicolinguística está, conforme Scliar-Cabral (2015), no fato de os estudos chomskyanos terem se preocupado em demonstrar a realidade psicológica das transformações sintáticas, algo que marcou a segunda fase da Psicolinguística, projetando uma certa influência que chega aos dias atuais, principalmente sobre pesquisadores do processamento da linguagem.

Ao reproduzir uma definição de Psicolinguística, Scliar-Cabral (1991) destaca que a nova ciência nasceu tendo como objetivo o estudo dos processos de codificação

(output) e decodificação (input) e sempre se interessou por investigar como os processos ligados à linguagem, entre eles a leitura, se sucedem no tempo, analisando “as mudanças de um estado para outro” (p. 15). Um projeto de pesquisa, portanto, dedicado à análise dos processos envolvidos na comunicação linguística. O alerta justifica a opção pela abordagem psicolinguística nesta tese, na medida em que o modelo psicolinguístico de leitura jornalística que será proposto tem como propósito avaliar a transição de suporte do papel para a tela, ou seja: também embute uma determinada mudança de estado. A autora apresenta uma definição da Psicolinguística sugerida por Charles Osgood e Thomas Sebeok (1965), ambos integrantes do primeiro comitê da nova disciplina, criado para organizar um programa de trabalho de pesquisa nos EUA:

A bastante nova disciplina que vem a ser conhecida como psicolinguística (em paralelo com uma disciplina proximamente relacionada, a etnolinguística) diz respeito, num sentido mais lato, às relações entre as mensagens e as características dos indivíduos humanos que as selecionam e as interpretam. Num sentido mais estrito, a psicolinguística estuda os processos através dos quais as intenções dos falantes são transformadas em sinais no código culturalmente aceito e através do qual esses sinais são transformados em interpretações pelos ouvintes. Em outras palavras, a Psicolinguística trata diretamente dos processos de codificação e decodificação, enquanto relacionam os estados das mensagens aos estados dos comunicadores (OSGOOD; SEBEOK, 1965, p. 4)80.

A definição de Osgood e Sebeok (1965), absorvida e reproduzida por Scliar- Cabral (1991), também é usada por Slama-Cazacu (1979)81. Nela, o aspecto do contexto comunicacional para os estudos da linguagem é destacado, algo que significaria uma revitalização dos estudos linguísticos, que estariam, segundo alguns dos seus críticos, descolados da realidade. Slama-Cazacu (1979) apela para que modelos artificiais de análise da língua sejam substituídos por alternativas que incorporem o contexto da interação social e das práticas de uso, exatamente como faz a Psicolinguística, disciplina que nasce com uma metodologia específica, na fronteira entre a Linguística e a Psicologia, dedicada a esmiuçar um objeto metodológico específico, um fenômeno único, como a comunicação, que possui uma multiplicidade de aspectos, tanto psíquicos (linguagem) quanto concretos (língua e seus códigos). A linguista romena

80 OSGOOD, CE e SEBEOK, Thomas. (orgs). Psycholinguistics: a survey of theory and research problems.

Baltimore, Indiana University, 1965 apud SCLIAR-CABRAL, 1991, p. 14 (tradução da autora).

81 Leonor Scliar-Cabral participou do processo de introdução ao pensamento da linguista romena Tatiana Slama-

desenvolve uma concepção contextual da Psicolinguística, sobretudo por exigência do novo domínio científico, que estuda a linguagem como comunicação:

Concebemos a Psicolinguística como um domínio autônomo e não como ramo de uma das ciências das quais deriva – psicologia ou linguística. Esta autonomia é assegurada pela existência de um objeto específico, bem como por uma metodologia e uma modalidade de interpretação de fatos particulares (…) A Psicolinguística foi por nós concebida, desde o início, como um enfoque interdisciplinar, tendo por objeto o fenômeno total da comunicação (com tudo o que ela contém: a relação bilateral entre os participantes, o código – linguístico ou não linguístico –, as complexas determinantes sociais, as organizações estruturais dos signos, da mensagem, dos contextos nos quais circulam as mensagens, das pessoas humanas – os participantes em sua totalidade) (SLAMA-CAZACU, 1979, p. 37-38).

Na perspectiva defendida pela autora, o plano de interação língua-linguagem- mensagem não pode mais estar dissociado da realidade: o termo essencial na definição da linguagem passa a ser a comunicação, cujos aspectos singulares não devem ser separados do ambiente em que ocorre a emissão e a recepção. Há, sempre, uma relação, o que configura a natureza social da linguagem. O argumento auxilia Slama- Cazacu (1979) na crítica que faz aos limites tanto da perspectiva behaviorista na primeira fase da Psicolinguística, quanto ao inatismo chomskyano da segunda fase. Ao primeiro modelo, pelo fato de ser excessivamente mecânico, com base nos estímulos e no comportamentalismo. Já ao segundo, porque a visão do falante ideal82 é incapaz de dar conta das adaptações permanentes do indivíduo em cada momento e contexto específico das relações de comunicação. Ela entende que a linguagem é um fenômeno humano “guiado pela consciência”, mas que só pode ser explicado com o respaldo das determinações de natureza social e do conjunto da vida psíquica. O projeto de investigação linguística conduzido por Slama-Cazacu (1979), como base do seu modelo contextual-relacional, está em estudar a língua em suas relações concretas, o que inclusive abre um caminho promissor, no âmbito desta tese, pois autoriza a possibilidade de também se investigar o impacto do suporte do escrito sobre o fenômeno leitor:

O objeto da Psicolinguística deve ser buscado nas realizações do código (a “língua") no decurso das trocas entre emissores e receptores incluídos em certo contexto. O estudo da mensagem será, então, feito no contexto relacional e dinâmico das trocas entre emissor e receptor, por seu turno, determinadas pelo conjunto situacional, pelo contexto entendido tanto strictu sensu quanto

82 A noção de falante ideal está inscrita na gramática gerativa desenvolvida por Noam Chomsky como aquele

falante que carrega as habilidades inatas para desenvolver a fala (ou a leitura) a partir de um estoque oferecido por um sistema de regras introjetadas. É ideal porque se trata de uma visão projetada, idealizada, em que o indivíduo mobiliza potenciais de fala e leitura, mas não necessariamente em situações cotidianas concretas.

na sua acepção mais lata. A Psicolinguística deve, pois, estudar a língua em suas realizações concretas bem como (as outras formas de mensagens não verbais) em relação aos emissores e aos receptores, e às diferentes situações onde eles se encontram (SLAMA-CAZACU, 1979, p. 45).

A ideia de conjunto situacional, expressa pela autora no trecho acima, encaixa- se na noção de suporte. Esta relação emissor-receptor83 confere à linguagem um caráter bipolar que não deveria jamais ser abandonado nos estudos. A emissão compreenderia "a totalidade dos fenômenos associados à expressão, enquanto a recepção é o processo geral que leva à expressão do que se exprime" (p. 47). No modelo também é importante destacar o que Slama-Cazacu chama de fatos da linguagem, que materializam a transação entre emissores e receptores. Seriam “manifestações ou comportamentos que provocam uma atividade da linguagem” (p. 48), englobando tanto os meios usados intencionalmente por uma pessoa para comunicar um conteúdo psíquico, quanto o ato por meio do qual a mensagem é compreendida pelo outro polo da relação. Antes de desenvolver um modelo, a autora traça algumas ponderações sobre a linguagem:

a. emissor e receptor são humanos, não possuem posições rígidas e invariáveis no interior da relação estabelecida (a relação é bilateral e reversível);

b. a mensagem é recebida enquanto "portadora de um significado: se vincula a um fato da realidade e se dirige a um ato cognitivo, de conhecimento, ou a uma ação qualquer" (SLAMA-CAZACU, 1979, p. 50);

c. a flexibilidade da adaptação humana é sempre maior do que a de qualquer fenômeno mecânico;

d. a hipótese fundamental da língua é uma situação de diálogo; e. não se pode isolar o ambiente do contexto (ou níveis contextuais).

A própria função da linguagem expressaria a sua natureza relacional e, portanto, social. Tanto a emissão quanto a recepção, em circunstância viva, concreta, justificam-se na medida em que se articulam por meio de uma finalidade específica. A emissão, por um lado, não é gratuita, mas tem como alvo transmitir um conteúdo psíquico por meio de um fato objetivo (fala ou escrita). Por outro lado, a recepção, da mesma forma, manifesta-se sempre ativamente, constituída “não somente pelo interesse pelo que o emissor exprime, mas também pelo esforço de compreensão que

83 A autora apresenta uma definição dos dois polos, importante de reproduzir: “a emissão compreende a

totalidade dos fenômenos associados à expressão, enquanto a recepção é o processo geral que leva à expressão do que se exprime" (SLAMA-CAZACU, 1979, p. 47). Fundamental porque insinua, na largada, uma perspectiva ampla, processual, inclusive com a possibilidade de imaginar um alcance que chega ao suporte.

tenta valorizar o que acaba de ser exteriorizado. Os dois participantes (emissor e

receptor) têm, pois, que resolver o problema da adaptação mútua" (p. 53). É preciso

que o uso da linguagem garanta uma certa utilidade, em benefício do aspecto comunicacional. Esta noção da autora também guarda relação com a ideia do leitor modelo ou do leitor ativo, já referida neste trabalho.

Como a abordagem é psicolinguística, as manifestações da linguagem possuem planos internos e externos. Há fases da linguagem que nunca são visíveis, mesmo na emissão, que não se esgota na articulação da mensagem que atinge o receptor: incluem, também, “todo o trabalho interior, em grande medida imperceptível ao ouvinte, isto é, todas as fases que precedem a exteriorização e onde se realiza a organização interior do material a ser expresso" (SLAMA-CAZACU, 1979, p. 54). Como a relação é reversível, a mesma observação vale para a recepção, que é dinâmica, ativa e complexa, exigindo “uma atividade consciente rica, uma atenção constante e, mesmo, um esforço – despercebido, em geral, pela sua evidente banalidade –, a fim de reunir os dados necessários à compreensão de uma expressão" (p. 58). As significações possíveis são atreladas aos sistemas lexicais do receptor, por meio de uma estratégia de interpretação contextual. Por conta da complexidade destas atividades receptivas, a autora refuta qualquer argumentação de passividade do leitor/ouvinte no momento da significação. O conjunto de ponderações feito pela pesquisador alimenta uma definição da linguagem, que leva em consideração estes aspectos relacionais veementemente defendidos por ela:

A técnica da linguagem consiste em organizar a expressão e a ela adaptar a recepção, em resumo, numa interpretação. A expressão contém muito mais do que o emissor apresenta explicitamente – apelo aos correlatos situacionais e aos dados comuns, que o receptor também possui. A expressão representa e faz transparecer o contexto total ao qual o ouvinte deve retornar para compreendê-lo corretamente. No que concerne à recepção, esta deve ter em conta a expressão e seus correlatos para chegar a uma interpretação correta. A lei da compreensão na linguagem é a referência à organização contextual (SLAMA-CAZACU, 1979, p. 60).

Assim, a sua concepção de Psicolinguística é mais ampla do que a das duas primeira fases, a behaviorista e a gerativo-transformacional, porque ela constrói o seu argumento a partir da realidade da comunicação, ponderando as “determinantes contextuais da mensagem" (p. 60), o que significa aplicar uma intensidade maior à investigação dos aspectos sociais da linguagem, ou seja, à situação real da comunicação no contexto relacional e dinâmico das trocas entre emissor e receptor, determinadas pelo conjunto situacional. As particularidades do ato comunicativo projetam-se sobre

as mensagens em decorrência das inúmeras situações que envolvem emissor e receptor. Slama-Cazacu (1979) esclarece o que quer dizer com a expressão situação: “situação no sentido do estado de espírito, da intervenção do pensamento, das motivações, das capacidades de armazenagem na memória, do temperamento, da concepção geral, da pertença dos receptores e emissores a um certo meio, etc.” (p. 60). Admite-se que o mesmo raciocínio – o da necessidade de valorizar a relevância dos correlatos situacionais como elementos extralinguísticos determinante dos fatos da linguagem – pode ser aplicado à questão do suporte do escrito e seu impacto sobre a leitura, na medida em que o substrato apresenta-se como uma das situações condicionantes da comunicação verbal.

No seu método84, que denomina dinâmico-contextual, Slama-Cazacu (1979) valoriza os seguintes princípios: [a] seguir o fenômeno da comunicação durante o seu desenvolvimento; [b] princípio da integração no contexto; [c] observação dos estados psíquicos da pessoa (emissor e receptor). Como ultrapassagem dos limites da Psicologia – que estuda os processos psíquicos ligados à linguagem, inclusive a codificação e a decodificação – e da Linguística – dedicada ao escrutínio do sistema geral do código (seus componentes e dinâmicas) –, a Psicolinguística adquire um

status específico:

Em consequência, a Psicolinguística não se ocupará da língua, como tal, no máximo, poderá interessar-se pelo contato entre língua e indivíduo, e nem pelos mecanismos de produção da linguagem. Ela estudará as modificações da produção das mensagens (e sua recepção) em diversas situações, procurando estabelecer as causas, em relação com os processos psíquicos, bem como buscando chegar a generalizações (…) No fundo, é o estudo da língua em funcionamento dentro do fenômeno da comunicação (SLAMA-CAZACU, 1979, p. 67).

Uma das vantagens teóricas e metodológicas da Psicolinguística está em tratar os fenômenos da linguagem de maneira processual, contemplando a complexidade das circunstâncias de uso e seu contexto. Trata-se, portanto, de uma ferramenta teórico- metodológica adequada para investigar os fenômenos da Comunicação, em consequência do Jornalismo, em que os processos carregam as marcas das suas circunstâncias de uso e das suas condicionantes contextuais. É no âmbito desta pertinência que também se encaixam as análises sobre o consumo de bens jornalísticos, que serão propostas mais adiante.

84 O método da escritora romena não será aplicado nesta tese, mas merece um aprofundamento com o objetivo

3.2.1 A leitura: um fenômeno complexo

Como visto desde o início do capítulo, há inúmeras abordagens pertinentes a respeito do fenômeno leitor. Elas oscilam em torno de um amplo espectro de perspectivas. Em uma das extremidades, está um ponto de vista que valoriza mais a visão da leitura como um processo individual, determinado pelas atitudes do leitor, até um polo oposto, em que os aspectos sociais recebem um peso maior85. Nesta seção, serão tecidas ponderações justamente para melhor localizar a leitura como um fenômeno complexo e multifacetado, já sob o olhar da perspectiva escolhida, a Psicolinguística, tomando como base as proposições e esclarecimentos de Leffa (1999) e Spinillo (2013).

Ao trabalhar o tema dos fundamentos da compreensão leitora, por exemplo, Spinillo (2013) lembra a necessidade de se pensar o texto, o leitor e a interação entre eles, algo que também marca as abordagens cognitivas. Esta interação envolve três dimensões: [a] a social, [b] a linguística e [c] a cognitiva. As três só poderiam ser tratadas separadamente para efeito de análise, tanto teórica quanto metodologicamente, pois se misturam nas situações concretas de leitura. A existência dessas três dimensões seria um indício da complexidade do fenômeno leitor, sinalizando o seu caráter multifacetado e indicando o desafio teórico de toda tentativa de fixar um modelo. Em um plano inicial, conforme Spinillo (2013), a compreensão ocorre em meio a um contexto social, em circunstâncias específicas, nas quais “os objetivos, as motivações e as expectativas do leitor participam” (p. 172). Deste ponto da explicação da autora, cabe reter a noção prevista por ela para o conceito de

conhecimento prévio86, que são mobilizados pelos leitores no contexto social da leitura:

Os conhecimentos prévios do leitor, localizados em sua memória de longo prazo, são acionados durante a leitura a partir do texto. Esses conhecimentos são informações relacionadas às experiências sociais vivenciadas, variando desde conhecimentos gerais até conhecimentos específicos adquiridos em aprendizagens formais e informais, tais como a familiaridade com o assunto tratado e os conhecimentos linguísticos do leitor (SPINILLO, 2013, p. 172).

85 Em nota no Capítulo 2, usou-se a comparação feita por Barthes e Compagnon (1987), entre os modelos de

leitor representados por Marcel Proust (individual) e Jean-Paul Sartre (social).

86 O conhecimento prévio é um das variáveis intervenientes da leitura que será usada para compor o paradigma

Como os conhecimentos prévios variam entre os indivíduos, o processo de interpretação também difere de pessoa para pessoa, autorizando que inúmeros sentidos sejam atribuídos ao mesmo texto. Nesta dimensão social, a bagagem sociocultural é um ingrediente fundamental, além dos contextos pessoais (as condições subjetivas, como atitudes, crenças, fatores emocionais, sexo, idade, classe social, nível de instrução, ocupação etc.). Ainda na dimensão social do ato de leitura, Spinillo (2013) destaca a influência dos propósitos e das expectativas com a leitura, que também imprimem um caráter circunstancial à compreensão. Dependendo do objetivo de

leitura87, o ato de ler pode conduzir a uma compreensão distinta em função de