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5 LEITURA JORNALÍSTICA: UM MODELO PSICOLINGUÍSTICO Se as condições para o processamento da leitura permitem dizer que algo se

5.2 O CARÁTER JORNALÍSTICO DE UMA LEITURA ESPECÍFICA

Como um dos eixos desta tese é pensar, por hipótese, a natureza de um modo de ler específico – ou seja, a leitura jornalística – é útil construir uma fundamentação de base jornalística que trace distinções possíveis em relação a outros modos de leitura, ainda que não de maneira exaustiva. Fenômeno de Comunicação, o Jornalismo também pode ser visto a partir de diversos prismas teórico-metodológicos, experimentando os mesmos desafios compreensivos do campo em que está inserido.

Atividade humana e técnica, a comunicação demanda algum grau de delimitação para que se investigue suas particularidades. Francisco Rüdiger (2011) salienta, inclusive, a propriedade de reconhecer a diferença entre comunicação como [a] expressão da interação humana – sujeita, portanto, a interpretações amparadas por teorias sociais e procedimentos filosóficos, que salientem suas diversas e complexas imbricações, inclusive as de amplitude histórica – e comunicação como [b] modos e técnicas de circulação da informação pública, cujo estudo o autor designa, recuperando uma tradição alemã de análise, como Publicística, no qual se inserem, por exemplo, as investigações sobre Jornalismo.

Assim, a Publicística, na medida em que se apresenta como estudo da mídia, "não é uma ciência, mas um conjunto de saberes, de natureza multidisciplinar, cujos métodos de análise não têm qualquer especificidade, [pois] foram desenvolvidos pelos diversos ramos do conhecimento" (RÜDIGER, 2011, p. 8). Na mesma linha argumentativa, a comunicação, apesar da forma avassaladora com que invadiu inúmeras dimensões da vida individual e coletiva na contemporaneidade, "não é uma disciplina, mas um campo de saber, que se revela cada vez mais indisciplinado" (p. 140)164. O autor aponta, ainda, os riscos epistemológicos e interpretativos de uma

separação artificial entre comunicação social e comunicação midiada, dado que a "comunicação precisa ser vista como um processo social primário, com relação ao qual os chamados meios de comunicação de massa são simplesmente a mediação tecnológica" (RÜDIGER, 2011, p. 16). Em geral, a palavra comunicação

tende a ser definida pelos meios, pelo usos e pelas aplicações: remete a uma multiplicidade de territórios raramente explicitada ou coerente entre si, servindo de passarela para várias disciplinas, que tratam-na com enfoques na maioria das vezes divergentes, acentuados quando passamos das ciências humanas para as naturais. No limite, a expressão não designa mais nada, transformando-se em simples rótulo, posto em um campo de estudos disciplinares multidisciplinar, para o qual convergem ou se confrontam os mais diversos projetos de pesquisa (RÜDIGER, 2011, p.8).

Autores que se debruçam sobre a história do pensamento a respeito da comunicação, como Armand Mattelart e Michéle Mattelart (1999), Dominique Wolton

164 É valiosa a lembrança feita por Rüdiger (2011) quanto à ideia de uma certa indisciplina, que se manifesta

mais em função da amplitude das possibilidade de observação do que como uma forma de qualificar uma eventual insuficiência metodológica. É possível olhar os fenômenos da comunicação pelas lentes da Sociologia, da Antropologia, da Psicologia, da Ciência Política, da Economia, da Filosofia, da Administração, da Linguística – enfim, inúmeras alternativas não excludentes. A diversidade, no entanto, está longe de significar superficialidade.

(2004), Mauro Wolf (2008) e Denis McQuail (2013)165, caminham na mesma direção

do argumento de Rüdiger (2011) sobre a complexidade dos estudos comunicacionais. Mattelart e Mattelart (1999) falam em inúmeras clivagens e na insuficiência das escolas formais de estudo para darem conta do alcance da multiplicidade de sentidos e racionalidades que a comunicação provoca e reivindica.

A forma como Wolton (2004) associa a comunicação ao próprio desenvolvimento das sociedades e ao status atual da vida social, o da modernidade, é um sinal. Sua visão do campo coloca a comunicação no centro tanto da cultura ocidental quanto da sociedade democrática. Sua amplitude de investigação, portanto, é interdisciplinar, envolvendo temas verticais e questões transversais. Entre os três polos de investigação166 que identifica, Wolton (2004) destaca o das interfaces com a

neurociência, no qual insere a Psicolinguística, que concentra os estudos da comunicação em relação ao "cérebro, tanto em nível da percepção, quando em nível da memória, do tratamento das informações e da linguagem" (WOLTON, 2004, p. 483).

Wolf (2008) lembra que as investigações sobre comunicação foram se moldando aos problemas práticos que surgiam, inclusive em função do desenvolvimento tecnológico, que sempre desafiou a relação entre seres humanos e dispositivos técnicos comunicacionais. Marshall McLuhan (2007) é um marco desse esforço de compreensão, como visto no Capítulo 4, a partir da ideia dos meios como extensão do homem. Para Wolf (2008), o próprio reconhecimento da amplitude epistemológica da pesquisa sobre a mídia e suas implicações consiste em "uma das linhas que unificam o setor" (p. 12). Ou seja, a diversidade de alternativas é traço distintivo, característico, ainda que haja inúmeras divergências e afastamentos. Por fim, nessa breve reflexão a respeito da permanente demanda pela interdisciplinaridade da comunicação, McQuail (2013) também sublinha a camada adicional de complexidade colocada pela tecnologia, "que confundiu as fronteiras entre comunicação pública e privada e entre comunicação de massa e interpessoal. Hoje, é impossível encontrar qualquer definição consensual única de uma ciência da

comunicação" (McQUAIL, 2013, p. 24-25)167.

165 A lista de autores realmente é extensa. Aqui se optou apenas por alguns dos mais citados, que de alguma

forma embasam uma determinada trajetória pessoal de reflexão.

166 Os outros dois polos listados por Wolton (2004) são os [a] da interface com as ciências cognitivas e das ciências

da engenharia – no qual o foco está na interação homem-máquina – e o [b] das ciências humanas e sociais, em que as condições de aceitação e recusa dos meios, além dos desdobramentos sobre os mecanismos de poder e hierarquia social decorrentes das interações, são investigados.

O jornalismo também é objeto de estudo multifacetado, que pode ser visto a partir de inúmeras perspectivas, exatamente como acontece com a comunicação, com quem compartilha dificuldades interpretativas. Nelson Traquina (2001) alerta para o fato de os estudos sobre jornalismo poderem ser confundidos com os estudos da mídia, porque as questões do jornalismo são específicas – como aquelas relacionadas às mudanças nos padrões de leitura em função do suporte – ainda que estejam contidas na investigação sobre a mídia. Diversas tradições de investigação168 fixaram focos de

pesquisa e afirmaram teorias169 em múltiplas direções, para compreender, por

exemplo, o poder do jornalismo nas sociedades, a influência dos conteúdos sobre o público, as características dos seus modos de operação e produção, entre outras. Adriana Barsotti (2014) destaca que as preocupações de Nelson Traquina acerca da natureza da produção e do consumo de notícias – resumida pelo questionamento presente no subtítulo de uma das obras de Traquina (2005), "por que as notícias são como são" – ajudam a compreender os diversos caminhos teóricos seguidos, muitas vezes de maneira inconclusiva, diante da complexidade da atividade. São, no fundo, linhas de análise que não "se excluem mutuamente, ou seja, não são necessariamente independentes umas das outras" (BARSOTTI, 2014, p. 116).

Diante do leque de alternativas, portanto, todas com suas razões e propriedades metodológicas, vale seguir uma pista de caracterização do jornalismo por meio de aspectos textuais. Jean Charron e Jean de Bonville (2016) definem o jornalismo "como uma prática de comunicação que se materializa nos textos" (p. 185). No seu trabalho, a dupla de autores busca analisar as transformações do jornalismo em termos paradigmáticos, com foco na construção de tipos ideais, e conduzindo seu procedimento de pesquisa aproximando-se dos estudos da linguagem. Para eles, "os tipos de jornalismo construídos visam, portanto, à análise das transformações do jornalismo como prática observável de produção textual" (CHARRON; DE BONVILLE,

168 Adriana Barsotti (2014) faz uma lista abrangente das perspectivas (mais teorias que escolas), que procuraram

oferecer, ao longo da pesquisa, sobretudo no século 20, uma interpretação sobre o funcionamento, o alcance ou os efeitos do jornalismo: a teoria do espelho e a afirmação da objetividade jornalística; a teoria do gatekeeper e o questionamento da objetividade; as teorias dos constrangimentos organizações, que indicaram a influência dos ambientes e dos sistemas de produção; a teoria do newsmaking e o argumento do jornalismo como construtor social da realidade; as teorias da noticiabilidade; a teoria do agendamento, que propõe um peso específico para o jornalismo como propositor da agenda pública; e a teoria do gatewatching, compatível como uma lógica de explicação da atividade a partir do ecossistema digital.

169 Traquina (2005) questiona se o jornalismo pode ser visto a partir de teorias ou é observado apenas por meio

de explicações plausíveis a respeito dos seus modos de funcionamento. O debate sobre a pertinência e a força teórica das chamadas Teorias do Jornalismo está longe de ser esgotado.

2016, p. 186). Assim, imaginando-se a possibilidade de estabelecer uma tipologia do jornalismo – uma caracterização com perfis distintos para efeitos de análise – a partir de aspectos textuais, por dedução, é possível afirmar que a tipificação se consolida por qualquer um dos polos da relação escrita-leitura.

Tomando como referência as funções da linguagem, como pensadas por Roman Jakobson170, Charron e De Bonville (2016) identificam quatro tipos ideias171,

com determinadas funções de linguagem dominantes. O [a] jornalismo de

comunicação, em que todas as funções da linguagem são requisitadas; o [b] jornalismo de informação, em que o referente, o mundo observável, predomina; o [c] o jornalismo de opinião, em que a função expressiva prevalece; e, por último, o [d] jornalismo de transmissão, em que a prática discursiva se consolida independentemente das opções

discursivas do jornalista. Os tipos ideais elencados pelos autores estão ancorados em um determinado conceito de jornalismo:

Consideramos o jornalismo uma prática discursiva que tem por objeto as questões públicas. A existência dessa prática discursiva pode ser estabelecida de diversas maneiras: pela observação dos que a reivindicam como sua, pela análise do discurso dessa prática e, enfim, a partir dos seus traços nos textos

jornalísticos172. Se, como sugerimos, o jornalismo se define como um conjunto

de regras e de convenções interiorizadas pelos jornalistas, que explicam a coerência dessa prática discursiva no tempo e no espaço, então, seja qual for o método escolhido para estabelecê-las e interpretá-las, só se tem acesso a elas, indiretamente, por inferência (CHARRON; DE BONVILLE, 2016, p. 186).

No procedimento de caracterização dos tipos ideais de jornalismo, Charron e De Bonville (2016) apostam em duas dimensões, entre inúmeras possibilidades de análise, como fonte dos elementos de distinção, que poderiam ser inferidos por meio das construções textuais (verbais e não verbais): o [a] aspecto realista do discurso jornalístico – o efeito de real – e o seu [b] modo de enunciação. Na primeira dimensão, o jornalismo se apresenta como uma prática estruturada de representação da realidade. Na segunda, exibe sua face discursiva, em atos de enunciação que se materializam nos textos submetidos à leitura.

170 Em Jakobson (1987), o autor apresenta seis funções para a linguagem. Cada uma delas se concentra em um

dos polos da comunicação, conforme o esquema básico do fluxo. A função emotiva é focada no remetente. A conativa, no destinatário. A referencial, no contexto em que ocorre a comunicação. A fática ao contato ou canal. A metalinguística, à linguagem usada para a troca. A poética, para a mensagem em si mesma.

171 A definição a partir de atributos dos discurso – comunicação, informação, opinião e transmissão – não é

casual, pelo contrário, é essencial à perspectiva de Charron e De Bonville (2016), que consideram o jornalismo, antes de mais nada, uma prática discursiva. Estes tipos ideais embasam a abordagem dos autores e delineiam os paradigmas jornalísticos com os quais analisam as transformações e as características da atividade.

A segunda dimensão, de uma certa forma, já foi tratada na seção anterior deste capítulo, quando o caráter linguístico da leitura jornalística mereceu análise. Em relação à especificidade do realismo jornalístico, vale dizer que ao jornalismo é imposta, de um ponto de vista ideal, a obrigatoriedade de reconstruir fielmente o real, de um modo que outros tipos de expressão não precisam, com o objetivo de dar a “todos os agentes sociais engajados em sua produção, jornalistas, fontes de informação, anunciantes – e leitores – a convicção do real” (CHARRON; DE BONVILLE, 2016, p. 186). Portanto, o caráter jornalístico de um determinado conteúdo também é definido pela postura e percepção do leitor diante do grau de realidade percebido:

Essa imposição está profundamente ancorada na própria instituição midiática, nas estruturas de coleta e tratamento de informação, nos recursos materiais importantes colocados a serviço dessas operações; ela deixa sua marca até nos esquemas cognitivos dos agentes engajados na produção do jornalismo. Se a convicção de veracidade se dissipasse, não haveria mais razão para dedicar tais recursos, desgastar-se na produção de um discurso cujo referente se volatiza (CHARRON; DE BONVILLE, 2016, p. 188).

O jornalismo diferencia-se de outros discursos comprometidos com os relatos sobre a realidade – como o político e o religioso – em função de alguns aspectos, como argumentam Charron e De Bonville (2016):

[a] pelo quadro institucional e midiático em que o jornalismo é produzido: o conjunto de circunstâncias organizacionais e institucionais que configuram a atividade;

[b] pela relação que instaura com as noções de tempo: a sua periodicidade, ou seja, a forma peculiar e concreta com que se relaciona e é condicionado pelos parâmetros temporais;

[c] pelo seu conteúdo (o senso comum, as situações concretas de interesse à vida coletiva): o relato sobre a vida cotidiana que organiza; e

[d] pela adesão, mais ou menos limitada, de acordo com o tipo ideal de jornalismo, às aparências de real: a forma particular e peculiar com que manobra os artifícios de captação e expressão de realidade.

O caráter discursivo da relação do jornalismo com a realidade – novamente, o

efeito de real – será, portanto, o ponto de partida para a identificação do que é

especificamente jornalístico na conceituação da leitura jornalística. A argumentação, até aqui, teve como objetivo sinalizar que essa era uma das possibilidades de demarcação, em face da multiplicidade de caminhos disponíveis nos estudos de Comunicação e Jornalismo. Márcia Benetti (2008), ao comentar o trabalho de Patrick

Charaudeau, afirma que o jornalismo é um discurso que só se manifesta enquanto tal se os interlocutores – no caso, os leitores – admitirem "as permissões e restrições dos sistemas de formação do jornalismo, sendo capazes de reconhecer os elementos que definem o gênero" (BENETTI, 2008, p. 19).

Esse contato direto regido por um acordo prévio, aceito pelas partes envolvidas, é o que Charaudeau (2013) chama de contrato de comunicação, sempre guiado por determinadas condições. É um quadro de referência no qual os participantes da troca depositam confiança para alcançar o resultado em situações específicas de comunicação. Trata-se do fenômeno da cointencionalidade, por meio do qual os dois polos reconhecem seus limites e colocam-se como capazes de cumprir uma dada função, no caso, as derivadas das circunstâncias jornalísticas. São essas condições que irão oferecer a caracterização do aspecto jornalístico do tipo de leitura observada. Elas emanam da situação específica da troca, os dados externos, e os propriamente discursivos, os dados internos. Conforme Charaudeau (2013), os dados externos

são aqueles que, no campo de uma prática social determinada, são constituídos pelas regularidades comportamentais dos indivíduos que aí efetuam trocas e pelas constantes que caracterizam essas trocas e que permaneceram estáveis por um determinado período; além disso, essas constantes e essas regularidades são confirmadas por discursos de representação que lhes atribuem valores e determinam assim o quadro convencional no qual os atos de linguagem fazem sentido (CHARAUDEAU, 2013, p. 68).

A própria história da leitura, detalhada no Capítulo 2, é uma evidência do papel dos dados externos na configuração das situações concretas que caracterizam os atos de leitura e incidem sobre a produção de sentido. Chareaudeau (2013) enumera quatro condições, consideradas categorias de composição dos dados externos do contrato de comunicação: [a] condições de identidade, [b] condições de propósito, [c] condições

de dispositivo e [d] condições de finalidade. De forma bastante resumida, as condições de identidade são os traços identitários, presentes no ato de troca, e que podem ser

resumidos pelas perguntas "quem troca com quem?" e "quem fala/escreve a quem?". Já as condições de propósito referem-se ao domínio de saber que envolve o ato de troca, o macrotema que ambienta a interlocução a ponto de, se for desconsiderado, esvaziar os efeitos do discurso. Pode ser revelado pela resposta à pergunta "do que se trata?".

Duas dessas condições externas do contrato de comunicação interessam de uma maneira mais próxima à caracterização da leitura jornalística, a condição de

dispositivo e a condição de finalidade. A condição de dispositivo remete à reflexão

sobre a transposição de suporte, do papel para a tela de um celular, por exemplo, pois se trata de condição que leva um ato de comunicação (aqui, um ato jornalístico) a ocorrer de uma maneira particular, por conta das "circunstâncias materiais em que se desenvolve" (CHARAUDEAU, 2013, p. 70). É o elemento que organiza o quadro topológico da troca enunciativa (jornalística). A condição de dispositivo evidencia-se a partir de respostas à pergunta "em que ambiente se inscreve o ato de comunicação, que lugares físicos são ocupados pelos parceiros, que canal de transmissão é utilizado?" (p. 70). Assim, trata-se de uma condição que oferece a possibilidade de pensar variações de acordo com o suporte em que o ato de jornalismo, de natureza enunciativa, transcorre.

Por fim, a condição de finalidade será utilizada para fixar as características particularmente jornalísticas do tipo de leitura sob investigação. Para Charaudeau (2013),

a finalidade173 é a condição que requer que todo o ato de linguagem seja

organizado em função de um objetivo. Ela se define através da expectativa de sentido em que se baseia a troca, expectativa de sentido que deve permitir responder à pergunta: "estamos aqui para dizer o que?" (p.69).

Visada é como o autor denomina a resposta à pergunta essencial a respeito da finalidade. O contrato de comunicação midiática, portanto, mobiliza duas visadas, em

permanente tensão: [a] a visada de fazer saber, própria do universo da informação, que expõe o cidadão a uma lógica cívica de manter-se informado e [b] a visada do fazer

sentir, ou de captação, para seduzir o interlocutor (leitor), tema crucial no contexto de

excesso informativo e de crise de atenção que marca a comunicação contemporânea. No contrato de informação, que norteia a atividade jornalística, a finalidade do fazer

saber é a que domina174, pois ela está ligada a um atributo de verdade, uma das

pretensões mais caras ao ideal do jornalismo, como se verá seguir. De acordo com Charaudeau (2013), ela "supõe que o mundo tenha uma existência em si e seja reportado com seriedade numa cena de significação credível" (p. 87).

O autor indica que dois tipos de atividades linguageiras, a descrição-narração e a explicação, buscam concretizar a visada do fazer saber, mostrando aos cidadãos o

173 Grifo do autor.

174 As mesmas visadas caracterizam o contrato publicitário de comunicação, porém, conforme Charaudeau

(2013), nele, as prioridades estão invertidas ou dosadas de maneira distinta: o fazer sentir prevalece sobre o

que aconteceu ou o que está acontecendo. As duas atividades se alinham aos tipos de

texto, a variável interveniente na leitura, mais adiante detalhada a partir das

concepções das sequências tipológicas de Jean-Michel Adam (2019). Nos dois tipos, a questão da verdade ganha uma centralidade, reproduzindo uma inquietação que é própria, a respeito do verdadeiro e do falso, em outras áreas de conhecimento, como a Filosofia. Do ponto de vista linguístico, o que está em jogo, de acordo com Charaudeau (2013), é como significar o verdadeiro e o falso, algo que pertence às concepções mais elementares sobre o jornalismo.

Os atos linguísticos encarregados de pavimentar o acesso ao que pode ser percebido como verdadeiro, uma das atribuições ideais do jornalismo, recorrem a procedimentos que operam por meio de oposições: dizer a verdade seria dizer o que é

exato; já o oposto seria dizer o erro. O verdadeiro seria dizer o que efetivamente aconteceu; o falso seria inventar o que teria acontecido. O verdadeiro prova e revela a intenção oculta; o falso fornece explicações sem provas e mascara intenções. Ou seja,

a partir deste ponto de vista, há procedimentos discursivos capazes de criar uma coincidência possível entre o que é dito (discurso) e os fatos da vida social (realidade), exteriores à linguagem. Como uma espécie de segunda camada de credibilidade, essa coincidência entre o dito e os fatos da vida social também precisa ser verificável pela percepção humana, um problema que está no centro do leque de atribuições do jornalismo, desafiando-o cotidianamente:

No discurso de informação, entretanto, não se trata da verdade em si, mas da