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Determinações fenomenológicas da situação histórico-factual e a estrutura da interpretação fenomenológica de Tessalonicenses

INTERPRETAÇÃO FENOMENOLÓGICA DE TESSALONICENSSES E A ECLOSÃO DA TEMPORALIDADE

3. Determinações fenomenológicas da situação histórico-factual e a estrutura da interpretação fenomenológica de Tessalonicenses

A pre-conceptualidade da situação histórico-factual aberta pela proclamação apostólica opera como o Vorgriff que guia o desenvolvimento progressivo da interpretação fenomenológica da vida cristã. Heidegger destaca a estrutura desta situação pre-conceptiva em duas determinações fundamentais da religiosidade cristã, duas “teses” hipotéticas, responsáveis por guiar a analise fenomenológica da vida cristã primitiva. Se a situação histórico-factual em sua realização deve guiar a interpretação do fenômeno da vida religiosa, para Heidegger, isto será feito pela adoção prévia destas determinações pre-conceptivas. Tais determinações propiciam uma visualização prévia do fenômeno da vida cristã, bem como seu sentido originário. Heidegger apresenta estas determinações do seguinte modo: (1) “A religiosidade cristã originária consiste na experiência cristã originária da vida e ela mesma é uma tal” (HEIDEGGER, 2010, p. 72). Apresentada de outro modo, esta determinação também é dita da seguinte maneira: “A religiosidade cristã consiste na experiência fática da vida” (HEIDEGGER, 2010, p. 74). A segunda determinação diz: “A experiência fática da vida é

65 Tal como afirma Heidegger ao expor o modo de explicação originária da vida cristã em um de seus

apontamentos: “construir retrocedendo ao fundamento, não construir sobrepondo ou construir ampliando em queda” (HEIDEGGER, 2010, p. 123).

histórica. A religiosidade cristã vive a temporalidade como tal” (HEIDEGGER, 2010, p. 72). Para esta segunda, encontramos um adendo que diz: “a experiência cristã vive o tempo mesmo” (HEIDEGGER, 2010, p. 74).

Antes de explicitarmos de que modo estas determinações fundamentais orientam a analise de Tessalonicenses, precisamos entender que a estrutura pre-conceptual da situação histórico-factual não deve ser compreendida como a soma de proposições definitórias. Para Heidegger, as “teses” que configuram a pre-conceptualidade situativa, são explicações fenomenológicas, não podem se enquadrar na forma de conceitos determinados segundo a sua ordenação num contexto objetivo. Como ponto de partida, a consideração prévia fornecida por estas determinações fundamentais da vida cristã, é apenas indicada formalmente. Ou seja, não se assegura uma definição exata e supratemporal – e, portanto, des-historicizada. Antes, afirma Heidegger: “Deixa-se os conceitos intencionalmente numa certa instabilidade, para então assegurar sua definição no curso da consideração fenomenológica mesma” (HEIDEGGER, 2010, p. 74). Essa “instabilidade” é típica dos conceitos autenticamente filosóficos, devido a sua conexão essencial com a situação histórico-factual. A concretude destas determinações fundamentais é conquistada processualmente mediante a autocompreensão da vida cristã por ela mesma. Isto é, “na realização e por meio da realização” do fenômeno da vida cristã, se conquista a concretude destas “teses”. Segundo Heidegger:

Essas “teses” não podem ser demonstradas [demonstração científica], mas devem ser verificadas na experiência fenomenológica, que é algo distinto da experiência empírica. As determinações fundamentais são então hipotéticas: “caso sejam válidas, então o fenômeno apresenta-se como tal e tal. (HEIDEGGER, 2010, p. 74)

A primeira determinação fenomenológica propõe que o fenômeno da religiosidade cristã primitiva seja apreendido em termos de experiência fática da vida. Heidegger chega mesmo a dizer que a religiosidade cristã é tal experiência. Com isso, temos diante de nós um exemplar ôntico que realiza existencialmente uma estrutura ontológica. Isto também se faz valer na segunda tese que diz, “a experiência fática da vida é histórica”, sendo assim, “a religiosidade cristã primitiva vive a temporalidade”. Disto resulta: o tempo originário é realizado existencialmente a partir da facticidade da vida cristã primitiva.

Com essas duas determinações fenomenológicas se obtém, a partir da pre- conceptualidade da situação histórico-factual, no como da proclamação apostólica, uma visualização do sentido originário da vida cristã primitiva. Esta visualização pre-conceptiva

que se dispõe na situação paulina nos revela a vida cristã primitiva como realização vital da facticidade e temporalidade. Aqui se evidencia claramente a pretensão fundamental da fenomenologia da religião, a qual, de modo algum, visa meramente a aplicação de conceitos filosóficos no campo temático da teologia (tal como pode ser constatado na convencional filosofia da religião). Antes, o que está em jogo é, de fato, a questão ontológica, e, portanto, a mesma problemática que impulsionara a filosofia kantiana. Deste modo, a questão que move a fenomenologia da religião está muito aquém do que Heidegger denomina de “jogo estético”, exercitado pela moderna filosofia da religião, e que diz respeito ao tratamento da religiosidade sob a operação de conceitos filosóficos fundamentalmente incompreendidos. Na fenomenologia da religião, a vida cristã primitiva não está sendo focalizada como um conceito ordenado dentro do contexto temático da filosofia da religião. Ao invés disto, é encarada como fonte originariamente ontológica. As determinações fenomenológicas apresentadas por Heidegger eliminam a possibilidade de qualquer dúvida quanto à potencialidade ontológica da vida cristã primitiva, bem como quanto à finalidade da fenomenologia da religião. O professor Lars Bruun comenta sobre o caráter ontológico da vida cristã primitiva, tal como fora apresentado nas determinações fenomenológicas, nos seguintes termos:

Estas formulações, não pouco obscuras [as duas teses indicadas mais acima], buscam apresentar que o entendimento da religiosidade cristã primitiva não pode ser encontrado no estudo histórico particular de períodos ou através da elaboração de conceitos dentro de uma filosofia da consciência, antes deve ser buscado na facticidade e historicidade da experiência fática da vida. Em termos mais claros, a religiosidade de Paulo e do cristianismo primitivo está embebida na seguinte questão: O que significa existir? Ou seja, a religiosidade cristã encontra-se embebida na questão ontológica. E na mesma medida em que a filosofia é concebida fenomenologicamente, assim também a vida cristã primitiva deve ser concebida em seu caráter ontológico. (BRUUN, 2009, p. 02.6).

Seguindo o modo como Heidegger apresenta as determinações fenomenológicas, é possível delinearmos o esquema através do qual Heidegger estrutura os momentos da analise fenomenológica que revelará o sentido originário da vida cristã primitiva a partir das epístolas aos Tessalonicenses. A primeira determinação delimita o momento em que a analise procura apreender o sentido de realização factual da vida cristã. Este primeiro momento da analise está centrado na primeira epístola aos Tessalonicenses e busca ressaltar a facticidade que emerge da dinâmica existencial da religiosidade cristã originária. Esta dinâmica se configura na estrutura fenomenal do ter-se-tornado-cristão que, instituindo uma autocompreensão fática, encontra-se aberta para si mesma como inquietude escatológica. Nesta experiência

escatológica a facticidade da vida cristã realiza a vivência do tempo originário – ῶ α ῶ . Aqui encontramos a segunda determinação fundamental que delimita o segundo momento da analise de Tessalonicenses, o qual se configura na explicitação da temporalidade que decorre da dinâmica factual da religiosidade cristã originaria. Estando centrada na escatologia de Tessalonicenses, a análise efetuada por Heidegger dará ênfase à experiência religiosa da πα α, pois através dela eclode a temporalidade.

Em nossa analise de Tessalonicenses também seguiremos o mesmo esquema, dando ênfase a estes momentos. Primeiro, procuraremos demonstrar a mobilidade fática da vida cristã primitiva, concentrada no ter-se-tornado-cristão. Os termos α (ter-se-tornado) e ἰ α (traduzido como saber, sendo que, no tempo perfeito usado como presente é: ἴ α – sabeis)฀ abrem a estrutura fenomenológica da mobilidade fática do ter-se-tornado-cristão. Analisando essa estrutura veremos como ela estabelece uma extensão imediata com a problemática da temporalidade da vida cristã. Partiremos, então, para o segundo momento, no qual nos concentraremos na noção escatológica da πα α, a qual unifica em si a mobilidade fática da vida cristã primitiva. Sob a luz desta noção escatológica, tendo em conta também a relação que o cristão tem com ela na espera, é que buscaremos evidenciar o modo como a religiosidade cristã originária trás à tona a experiência da temporalidade. Depois veremos como a temporalidade cristã antecipa a experiência do tempo ekstático unitário de “Ser e Tempo”, a fim de corroborarmos o peso ontológico deste tempo originário da vida cristã.

Tendo em conta o modo como se estrutura a interpretação fenomenológica de Tessalonicenses, de modo algum podemos deixar de levar em consideração a facticidade da vida cristã primitiva, pois é a partir dela que emerge o tempo originário. Na verdade, não podemos compreender um sem o outro – na consideração de um o outro já se faz presente. Se pretendemos, portanto, demonstrar a temporalidade que eclode da interpretação fenomenológica de Tessalonicenses, isto deverá ser realizado por meio de uma compreensão que se desenvolve no sentido da realização da vida fática, a qual tornará explicito o caráter fundamentalmente temporal da vida cristã. Na autocompreensão fática, a vida cristã primitiva se revela excessivamente temporal.

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