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01 Pressupostos teóricos

1.3 A gramática formal e os seus desdobramentos: um olhar para a sintaxe do sintagma nominal

1.3.1 O determinante e a hipótese de DP

Ao abordar a questão dos determinantes, é preciso reconhecer que esses itens podem e devem ser estudados levando-se em conta o seu papel categorial e também o semântico. Os determinantes, além de serem costumeiramente relacionados às noções de referencialidade e definitude, exercem uma função importante na transformação de um predicado em um argumento.

Anteriormente, na gramática gerativa formal, os determinantes, como the do inglês, eram analisados como elementos que ocupavam a posição de especificador do sintagma nominal (SN). Essa posição, no entanto, não era associada com o rótulo da categoria, mas sim com a função de determinação. Assim, determinantes, pronomes possessivos e até sintagmas possessivos eram passíveis de ocuparem a mesma posição (cf. GHOMESHI, et al (2009)).

Diante disso, a noção determinante tinha o status de uma relação gramatical e, por isso, o Spec de NP poderia ser ocupado por mais de uma categoria. Todavia, a partir dos desdobramentos da teoria X-barra (cf. CHOMSKY (1986)), pressupôs-se que as posições de

especificador fossem ocupadas por constituintes do mesmo status sintagmático, o que significa que uma posição como Spec NP não poderia ser preenchida por núcleos e sintagmas.

Nessa abordagem, devido ao princípio da Endocentricidade, os núcleos especificam o rótulo dos sintagmas. Assim, cada constituinte XP deverá possuir o núcleo X e não um núcleo Y ou Z. A partir dessa concepção, Abney (1987) defende que os determinantes que precedem os nomes seriam núcleos de suas próprias projeções. Por isso, propõe um sintagma determinante (DP – determiner phrase) no lugar do sintagma nominal (NP – nominal phrase), abrindo caminho para uma análise mais abrangente do sintagma nominal.

The DP-analysis permits us to preserve the same restrictive characterization of X-bar theory which motivates the IP-analysis of the sentence, and the Det-as-head analysis involves assigning determiners an analysis which parallels current analyses of other functional elements, such as complementizers and modals. Further, the Det-as-Head analysis provides ‘room’ for the full range of specifiers found in the noun phrase (cf. ABNEY, 1987: 351).

A análise, segundo a qual D encabeça o sintagma nominal, é chamada pelo autor de Análise de DP. A motivação empírica utilizada por Abney (1987) para postular que D seria, na verdade, uma categoria funcional foi o paralelismo encontrado entre os constituintes verbais e nominais. Segundo ele, considerações de línguas nas quais os nomes, inclusive os nomes mais concretos, mostram concordância (AGR) com os seus possuidores sugerem uma análise do sintagma nominal como nucleado por um elemento similar a Infl, que provê uma posição para AGR. Dessa maneira, tanto D como Infl pertenceriam, então, à classe de categorias não lexicais.

Uma dessas línguas é o húngaro, na qual – segundo o referido autor – o nome concorda com o possuidor, marcando a pessoa e o número17. Ademais, o possuidor carrega o caso nominativo, assim como o sujeito da sentença. Como na teoria da regência e ligação é comumente assumido que o caso nominativo é atribuído sob regência via AGR, então, Abney (1987) defende que há a coocorrência de concordância e de caso nominativo. Isso se deve ao fato de que, em húngaro, o possuidor nominativo e a concordância são mutuamente dependentes, ou seja, um só ocorre em função do outro.

17 Para Szabolcsi (1994), em Húngaro, os possessivos podem ocupar duas posições pré-nominais diferentes, o que

refletiria em duas posições distintas para a marcação de caso. Evidências desse tipo corroboram a ideia de que o NP possua outras projeções, desempenhando um papel semelhante àquele realizado pela projeção CP em nível sentencial.

Argumentos similares aos encontrados para o húngaro levam Abney (1987) a propor que, em turco18, o sintagma nominal seja nucleado por um elemento flexional que hospeda AGR. Essa conclusão deriva da sua análise sobre a construção de gerúndio no turco que, diferentemente do inglês, apresenta concordância visível no sintagma nominal. Sendo assim, se, na sentença, AGR ocupar uma posição flexional fora da projeção máxima sintática de V, no sintagma nominal, ele deve ocupar uma posição similar à posição de Flexão, revelando que há paralelos entre a estrutura do sintagma nominal e a do sintagma verbal19.

De acordo com Abney (1987), apesar de haver diversas distinções entre os sintagmas nominais e os verbais, a proposta de existência de paralelismo entre eles é atrativa por razões conceituais. Além disso, considerando que a oposição mais fundamental da gramática é a distinção entre verbos e nomes, essa proposta apresenta também vantagens empíricas.

A partir dessa análise, tornou-se possível, conforme pontuam Ghomeshi et al (2009), capturar alguns dos insights das análises que veem o determinante como uma relação gramatical e manter a distinção entre núcleos e especificadores. A proposta de que o DP é a projeção máxima dos constituintes nominais também é defendida por Longobardi (1994). Para ele, ainda que o determinante não ocorra, esta projeção funcional está presente na estrutura, pois – nesse caso – há uma formação de cadeia entre a posição do nome e a do determinante, produzindo um movimento de N para D. Essa posição teórica também é defendida por Vangsnes (2001). Segundo ele, sintagmas nominais semanticamente equivalentes possuem a mesma estrutura subjacente entre as línguas, independentemente de possuírem artigo ou não.

Entretanto, a existência de DP não é consensual na literatura. Bošković (2008), através de uma série de generalizações decorrentes da comparação entre línguas com artigos versus línguas sem artigos, propõe que algumas línguas, como o Servo-croata e o Russo, requerem somente uma estrutura de NP para as expressões nominais e não um DP. Entre as generalizações, que estão relacionadas a contextos em que o DP desempenharia um papel crucial, o referido autor propõe o seguinte quadro:

18 A única diferença entre o Turco e o Húngaro é que o AGR nominal na primeira língua atribui caso genitivo,

enquanto que, na segunda, o caso atribuído é o nominativo.

19 Chomsky em seu importante artigo Remarks on nominalization (1970) já havia chamado atenção para o fato de

que Sintagmas Nominais e Sentenças apresentavam várias propriedades em comum (cf. LONGOBARDI & GIORGI (1991)).

 Línguas que não possuem artigo permitem:

(i) a extração de sintagma do ramo à esquerda; (ii) a extração de adjunção de sintagmas nominais; (iii) scrambling;

(iv) sensibilidade a contextos de ilha envolvendo núcleos-internos de relativas.

 Línguas que não possuem artigo proíbem:

(i) alçamento da negação;

(ii) efeitos de superioridade em casos de múltiplos fronteamentos de wh; (iii) duplicação de clíticos;

(iv) nominais transitivos com dois genitivos; (v) leitura superlativa majoritária;

Baseado em Baker (1996), Bošković (2008)20 sugere ainda que línguas polissintéticas não possuem artigos. Diante disso, o autor acredita que há diferenças claras entre o sintagma nominal tradicional em inglês e em línguas sem artigo, como o Servo-croata, que não podem ser reduzidas à distinção entre artigo realizado ou não fonologicamente. Para ele, mais do que com questões fonológicas, as generalizações descritas acima relacionam-se com questões de natureza sintático-semântica, o que o leva a propor que há DP em sintagmas nominais tradicionais de línguas como o inglês, mas não em sintagmas nominais tradicionais de línguas sem artigo. Essa proposta corresponderia a um parâmetro DP/NP21, segundo o qual, as línguas do tipo NP seriam aquelas que não possuiriam a categoria determinante, realizada pelo artigo definido, enquanto as línguas DP a possuiriam.

20 A linha de argumentação adotada pelo autor representa uma mudança importante na maneira como se

compreende a semântica dos sintagmas nominais. Além disso, a sua proposta fundamenta-se contra aquela defendida por Longobardi (1994), segundo a qual, um DP é sempre requerido para satisfazer questões de argumentatividade.

21 Apesar de reconhecer algumas vantagens em propostas que defendem a análise de DP uniforme, Bošković

(2008) acredita que o maior problema delas reside no fato de ignorarem as generalizações descritas acima. Ademais, o autor reconhece que dificilmente uma análise de DP ofereceria uma explicação uniforme para as referidas generalizações.

Ainda segundo Bošković (2008), o Servo-croata, apesar de não possuir artigo, conta com demonstrativos e possessivos. No entanto, o autor acredita que há evidências em favor da hipótese de que esses itens sejam adjetivos nessa língua. Assim, em uma língua do tipo NP, esses elementos seriam gerados como adjuntos ou estariam na posição de especificador de NP.

Cyrino, Espinal & Borik (2012), todavia, acreditam que a proposta do referido autor em considerar os demonstrativos no Servo-croata (e também no Russo) como adjetivos é problemática por duas razões. A primeira delas relaciona-se ao fato de a ordem dos pronomes demonstrativos ser fixa em relação aos adjetivos: enquanto adjetivos - às vezes - permitem uma certa liberdade na ordem de palavras, os demonstrativos obrigatoriamente precedem os nomes e os adjetivos nessa língua. Em segundo lugar, as autoras acreditam que, se os demonstrativos forem adjetivos, a sua denotação também deveria ser como aquela atribuída aos adjetivos, ou seja, eles deveriam denotar propriedades e, em virtude disso, serem denotadores de tipo, o que não acontece. Por essas duas razões, as referidas autoras acreditam que os demonstrativos no Servo-croata e no Russo não podem ser analisados como adjetivos comuns e, consequentemente, o seu uso demanda a presença de uma projeção D, contrariamente ao que é proposto por Bošković (2008).

Embora a existência de DP seja um objeto de discussão nos estudos sintáticos que envolvem o sintagma nominal, vou assumir nesta tese a proposta de Abney (1987) e de Longobardi (1994) de que existe DP, mesmo nos casos em que o artigo não é fonologicamente realizado. A justificativa para esta escolha reside no fato de que a referencialidade, a unicidade e a definitude22 não são restritas à presença do artigo definido, tal como mostraram Krámský (1972) e Löbner (1985), já que línguas que não possuem artigo marcam essas propriedades de maneiras diversas.

Em Russo, por exemplo, Cyrino, Espinal & Borik (2012) mostram que a evidência para a existência de DP vem da distribuição dos demonstrativos. Segundo elas, esses itens veiculam uma interpretação individual ao NP com o qual combinam. Isso nos leva a crer que a existência de D se deva à necessidade de uma projeção que veicule as marcas de referencialidade ao NP, o que não implica necessariamente a presença do artigo definido.

Na seção 1.4, definimos de forma mais específica os conceitos semânticos que são essenciais para o estudo do sintagma nominal. Antes de fazê-lo, porém, apresentamos na

22 No espírito de Kayne (2005), a partir da proposta de que cada traço corresponde a uma projeção sintática, pode-

se argumentar que a referencialidade, a unicidade e a definitude projetariam categorias funcionais específicas. Apesar de essa proposta ser teoricamente interessante e viável, nessa tese, entendemos esses conceitos simplesmente como traços semânticos que se evidenciam em configurações sintáticas específicas (cf. capítulo 06).

próxima seção uma discussão sobre as projeções funcionais adicionais ao DP que também foram propostas como integrantes do sintagma nominal, com vistas a ampliar a nossa compreensão sobre a sintaxe desse sintagma.