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mas devem também preocupar-se em explicar ou talvez, mais acuradamente, em aduzir razões para aquela distribuição”.

2.3 Os artigos definidos e os nomes inalienáveis

Segundo Lyons (1999), quando uma língua possui a categoria de definitude, a estrutura utilizada para a possessão inalienável é interpretada como uma estrutura definida. Essa afirmação nos mostra que, assim como acontece com os nomes próprios e os pronomes possessivos, os sintagmas nominais formados por nomes inalienáveis (nomes de partes do corpo, de parentesco e relacionais) também são considerados definidos em sua natureza.

Apesar disso, Lyons (1999) salienta que o que é considerado inalienável para os propósitos linguísticos variam consideravelmente de uma língua para outra e que este termo pode cobrir um número distinto de categorias de relação. Como exemplo, o autor cita o caso do italiano, em que ‘my house’ é la mia casa, enquanto ‘my mother’ é mia madre. A diferença entre os dois casos reside no fato de que sintagmas nominais que envolvem possessão inalienável nessa língua permitem a omissão do artigo definido antes do possessivo, possibilidade que estaria restrita aos nomes de parentesco.

Assim, segundo o referido autor, várias distinções podem ser feitas entre tipos de possessão em termos da natureza da relação existente entre o possuidor e o possuído. As estruturas possessivas inalienáveis podem ser caracterizadas como construções possessivas em que há uma relação intrínseca de posse entre o possuidor e o possuído, ou seja, um caso em que a expressão da posse não pode transferida para outro possuidor. Esses são os casos, por exemplo, de NPs que denotam nomes de parentesco, partes do corpo (cf. exemplos em (53)). Nos casos de possessão alienável, a relação de posse não é tão intrínseca.

(53) a. Maria feriu os dedos. b. Luiza penteou os cabelos.

Alguns estudos apontam ainda para a existência de diferenças semânticas entre esses dois tipos de construção, como a possibilidade de dupla interpretação que o sintagma inalienável adquire ao ser utilizado junto ao artigo definido (cf. VERGNAUD & ZUBIZARRETA (1992)).

Mendes (2015) analisou a aquisição das estruturas inalienáveis e, por comparação, das alienáveis, co-ocorrendo com os artigos definidos e os pronomes possessivos em inglês e no português brasileiro. Como resultado, a autora afirma que - no início da aquisição - as crianças de ambas as línguas parecem aceitar a leitura inalienável sendo veiculada por pronomes possessivos e por artigos definidos. Assim, Mendes (2015) defende que as crianças falantes de inglês iniciariam com uma gramática semelhante àquela apresentada pelo português brasileiro e só posteriormente convergiriam para a gramática do tipo do inglês, restringindo o uso de artigos definidos. Nesse caso, a autora constatou a substituição deste elemento pelos pronomes possessivos.

Na gramática adulta, Mendes (2015) defende haver no português brasileiro uma preferência pela leitura inalienável, veiculada pelas estruturas que contêm artigos definidos ou

pronomes possessivos. No inglês adulto, as estruturas contendo pronomes possessivos favoreceriam a leitura inalienável. Quanto às estruturas contendo artigos definidos, elas veiculariam apenas a leitura alienável para núcleos designadores de nomes de partes do corpo e ambas as leituras para os núcleos designadores de nomes relacionais.

Para a referida autora, esse resultado mostra que, em inglês, o estatuto dos artigos definidos que formam as estruturas alienáveis e inalienáveis é diferente. Em sua visão, os artigos definidos são substantivos quando há um nome de parte do corpo, mas são expletivos quando há a ocorrência de um nome relacional. No que concerne ao português brasileiro, Mendes (2015) defende que o artigo definido é expletivo em ambos os casos.

Essas constatações de como as crianças adquirem as estruturas alienáveis e inalienáveis são interessantes por evidenciaram a natureza distinta do artigo definido nessas construções, resultado que deve ser comparado com dados de outras épocas com vistas a determinar se essa distinção se mantém.

Na literatura, não é possível encontrar em trabalhos diacrônicos sobre os sintagmas nominais um levantamento amplo sobre as construções de posse inalienável. Mendes (manuscrito), ao investigar as mudanças pelas quais essas construções passaram na história do português (séculos XVI-XIX), concentrou o seu estudo somente nos casos de nomes inalienáveis com possuidor externo, em que este possuidor aparece como clítico de posse (ou clítico dativo), comparando-os às construções inalienáveis com possuidor interno, em que o possuidor aparece como um possessivo. Assim, outros ambientes sintáticos não foram pesquisados.

Nessa investigação específica sobre as construções de clíticos de posse49, Mendes (manuscrito) observou que houve uma queda de uso do clítico a partir do século XVIII no português europeu, desencadeada por uma preferência de uso dos pronomes possessivos. Para a autora, comparando-se os usos do clítico de posse e os do possessivo, é possível notar que, nos séculos XVI e XVII, o uso do primeiro era preferencial. No entanto, nos séculos XVIII e XIX, a ocorrência de possessivos é maior em comparação a dos clíticos de posse.

49 Exemplos (cf. MENDES (manuscrito)):

(i) e sei que ele à conta da cabra, se tiver meio quartilho de aguardente no bucho, é capaz de te quebrar

os braços (PE XIX b_005)

(ii) Sem vos ter visto o rosto, o acho belo (PE XVIII c_001)

(iii) Chamo a tua atenção para o serviço dos correios do Rio Grande do Sul (PB XIX va_004)

No que concerne ao português brasileiro do século XIX, a autora afirma que há um uso ainda frequente de clíticos de posse nos contextos de posse inalienável, o que mostra que a queda no uso dos clíticos ocorreu mais tardiamente, a partir do século XX.

Os resultados apresentados pela autora são interessantes por evidenciarem mudanças quanto às construções inalienáveis em um período da história do português europeu em que outras mudanças foram constatadas. Por isso, é necessário que se investigue outros ambientes sintáticos, com vistas a obter uma descrição completa sobre a sintaxe de sintagmas nominais definidos quanto a esse aspecto.