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mas devem também preocupar-se em explicar ou talvez, mais acuradamente, em aduzir razões para aquela distribuição”.

2.2 Os artigos definidos e os pronomes possessivos

2.2.2 O português brasileiro

Em sua pesquisa, além de analisar aspectos diacrônicos, Silva (1982) também investiga dados sincrônicos envolvendo a aplicação do artigo definido junto aos pronomes possessivos. De acordo com a autora, o uso de artigos diante de pronomes possessivos não ocorre livremente, mas é regulada prioritariamente por variáveis linguísticas. A autora sustenta que, diferentemente do que ocorre com outras línguas românicas, o português do Brasil apresenta características peculiares no que se refere ao uso do artigo, uma vez que a alternância quanto à realização ou não desse item diante do possessivo não implica necessariamente numa distinção semântica48 (cf. exemplo (52)).

(52) A especialização é o resultado da divisão do trabalho para melhorar o atendimento. SD – O seu departamento – é especializado porque não vende lançamentos e nem mesmo imóveis prontos da Sergio Dourado. (Isso é com outra equipe, em outros telefones). Seu

departamento é especializado porque tem assessores para atendê-lo pessoalmente,

avaliadores formados para calcularem o preço justo e técnicos selecionados e treinados que dedicam tempo integral a vender o seu imóvel – Jornal do Brasil – 03/09/1977 (cf. SILVA, 1982: 266).

Apesar de não haver leituras completamente distintas envolvendo a presença ou ausência do artigo diante do possessivo, a autora destaca que o fator semântico de especificidade exerce um papel nessa variação. Segundo Silva (1982), utiliza-se o artigo em menor quantidade quando o falante não destaca o possuído do conjunto ao qual pertence; contrariamente, o destaque ao possuído do conjunto mais específico favorece o uso do artigo.

Silva (1982) destaca ainda que o artigo também é menos utilizado quando o possuído em si já é suficientemente específico, o que torna o uso do artigo redundante em casos de nomes de parentesco, plural, vocativo e aposto. Quanto a outros fatores morfossintáticos, a

48 Quanto ao português brasileiro, Floripi (2008) declara que essa variante apresenta variação quanto ao uso do

artigo diante de pronome possessivo, sem apresentar prejuízo para a aceitabilidade das sentenças. No entanto, salienta que a ausência de trabalhos diacrônicos sobre o português brasileiro impossibilita a compreensão do porquê essa variante do português apresenta um quadro de variabilidade semelhante ao constatado no português clássico.

autora afirma que os sintagmas preposicionados, nos quais é possível que haja contração entre o artigo e a preposição, são favorecedores da presença do artigo, tal como ficou evidenciado principalmente nos corpora sincrônicos analisados em sua pesquisa. Como fator prosódico, a autora sugere que a pausa, tão frequente nos contextos sintáticos de apostos e vocativos (sintagmas explicativos), também desfavoreça a presença do artigo.

Nazário (2013), ao investigar o uso do artigo definido antes de possessivos na variedade linguística dos Almeidas-GO, uma comunidade quilombola, constata que o uso de artigo definido nesse contexto é extremamente baixo (35%) se comparado a outras regiões do Brasil. A autora encontrou um índice de 65% de apagamento do artigo. Diante desse resultado, a autora defende que o padrão de baixa frequência do artigo não deve ser considerado como um traço linguístico específico de uma comunidade quilombola, visto que há outros municípios rurais no Estado de Goiás que apresentam resultados semelhantes.

Como justificativa para os resultados encontrados, Nazário (2013) argumenta, então, que o baixo índice de ocorrência de artigo com possessivo se justifica pela situação de semi-isolamento da região, de baixa escolaridade dos moradores e do pouco contato com o português padrão em uso. Para a autora, esses fatores possibilitaram que houvesse um quadro de conservação de um padrão de uso antigo da língua portuguesa, nomeadamente, o índice de emprego do artigo encontrado no século XVI.

Ainda consoante a mudança nos sintagmas possessivos constatada nos estudos descritos, Schei (2009) investiga a variabilidade de ocorrência de artigo antes de possessivos em trechos narrativos de obras da literatura brasileira do século XIX, mais especificamente, em sete romances: A Moreninha (1844) – Joaquim Manuel de Macedo, Memórias de um sargento de milícias (1854-1855) – Manuel Antônio de Almeida, Lucíola (1862) – José de Alencar, O Garimpeiro (1872) – Bernardo Guimarães, Inocência (1872) – Visconde de Taunay, O cortiço (1890) – Aluísio Azevedo – e Dom Casmurro (1899) – Machado de Assis. Segundo a referida autora,

há diferenças consideráveis entre os escritores: enquanto Macedo e Bernardo só empregam o artigo em 34% e 21% dos casos, respectivamente, Aluísio e Machado o empregam em mais de 90% dos casos; em Machado o uso do artigo quase chega a ser categórico. Entre esses dois extremos encontram-se Almeida, Alencar e Taunay, com 62%, 68% e 74%, respectivamente (cf. SCHEI, 2009: 31).

Para Schei (2009), os fatores analisados em sua pesquisa corroboram os resultados de Silva (1982): os artigos são mais comuns no singular e com pronomes de primeira pessoa.

Quanto ao papel da preposição, a autora afirma que a possibilidade de contração favorece o uso do artigo pelos autores Machado de Assis e Manuel Antônio de Almeida. Contrariamente, José de Alencar e Bernardo Guimarães, diante de tal possibilidade, tendem a usar menos artigos. Além disso, “em comparação com os casos sem preposição, preposição que contrai não favorece o artigo em nenhum desses quatro escritores” (cf. SCHEI, 2009: 35).

Em virtude desses resultados, Schei (2009) argumenta que o uso de artigo antes de possessivos varia consideravelmente no português brasileiro e que, se comparados os seus resultados com os de Silva (1982), pode-se observar que nem todos os fatores atuam do mesmo modo em todos os corpora.

Diante disso, constata-se a importância de ampliar o estudo dos dados diacrônicos através de um corpora formado por textos que sejam organizados e cronologicamente bem distribuídos. Além disso, é preciso que se amplie o recorte temporal de textos do português brasileiro, uma vez que – conforme pôde-se notar através da discussão da seção anterior – alguns estudos mostram haver variação quanto ao uso do artigo diante de possessivos nessa variedade do português, aproximando-o do padrão encontrado no português clássico (cf. FLORIPI (2008), RINKE (2010), CALLOU & SILVA (1997), SILVA (1982)).

Dessa maneira, é preciso olhar mais atentamente os dados do português brasileiro no intuito de não somente confirmar a existência de variação dialetal diante de possessivos e nomes próprios, bem como aventar uma possível explicação para esse fenômeno. A necessidade de explicações teóricas que se baseiem em dados empíricos decorre da corrente discussão sobre a natureza dos artigos que co-ocorrem com nomes próprios e possessivos nas variedades do português em investigação (cf. CASTRO (2009)), problematização que visamos discutir nos próximos capítulos a partir dos resultados encontrados nessa pesquisa. Antes de fazê-lo, abordamos na próxima seção o último contexto de análise selecionado para esta investigação.