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03 Seleção e construção dos corpora e metodologia de análise

3.3. Metodologia para a seleção e análise dos dados

3.3.1 Os contextos de análise e as buscas realizadas

3.3.1.2 Os pronomes possessivos

Além do contexto de uso de artigo diante de nomes próprios, investigou-se o percurso dos artigos definidos diante de pronomes possessivos na história do português, de modo a ampliar o recorte temporal da pesquisa realizada por Floripi (2008) que se baseou em 10 textos anotados pertencentes ao Corpus Tycho Brahe. Dessa maneira, além da ampliação do número de textos anotados que hoje estão disponíveis no referido corpus, esta pesquisa contou

com a vantagem de poder avaliar esse contexto em textos que sejam representativos do português brasileiro.

Diante disso, tal como para os nomes próprios, realizou-se o levantamento das ocorrências de artigos definidos diante de pronomes possessivos nos mesmos textos descritos acima, em ambos os corpora. A busca62 foi construída da maneira mais específica possível, visando recuperar os possessivos que ocorrem em NPs sujeito, acusativo, adverbiais ou deslocados à esquerda (cf. ((65a) e (65b)), ((66a) e (66b)), ((67a) e (67b)) e ((68a) e (68b)), respectivamente), precedidos ou não por artigos definidos. Além disso, foram realizadas buscas em sintagmas preposicionais (cf. ((69a) e (69b)) para verificar se há, de fato, influência quanto ao uso da preposição.

(65) a. A nossa cavalaria de Alentejo, com o novo comissário, que sucedeu ao que mataram em Valverde, se reformou (70 ID G_001,39.560)) – século XVII.

b. Em várias partes das fronteiras fizeram os castelhanos fumo a fim de que o vento o deitasse para a banda de Portugal, e fizesse fugir nosso gado para as suas defesas (96 ID G_001,38.542)) – século XVII.

(66) a. meu pae jurou que desfazia o nosso casamento se daqui até a a noite o apanhasse numa mentira (61 ID G-004,0.367)) – século XIX.

b. lá está o ministro que vem prender nosso patife ...(31 ID G-004,0.2863)) – século XIX.

(67) a. Minha Avó odiou toda a sua vida as sociedades maçônicas (25 ID A_003_PSD,15.164)) – século XIX.

62 Todas as buscas realizadas, referentes aos nomes próprios e aos pronomes possessivos, foram aplicadas ao nó

IP na árvore sintática. Desse modo, realizamos uma segunda busca aplicada ao nó NP, no intuito de verificar se haveria distinção nos resultados das buscas, ou seja, se o modo diferente de construir a busca resultaria em um maior número de dados encontrados. Através da segunda busca, especificada no nó NP, os resultados obtidos foram distintos daquela realizada no nó IP, visto que resultou em um número muito inferior de ocorrências. Essa distinção baseia-se no fato de que, ao restringir a busca ao nó NP, há redução do nível de encaixamento, o que significa em menos dados obtidos. Diante disso, para que pudéssemos abarcar o maior número de dados possível, optamos por manter a realização das buscas aplicadas ao nó IP.

b. Datam de este tempo as estreitas relações de amizade que eu e meu irmão tivemos com Dom Filippe de Sousa, irmão de a Condessa, que faleceu nosso colega em a Câmara de os Pares, e com seu primo e pupilo Dom Antonio de Mello, hoje Inspetor Geral de a Cavalaria, que, apesar de as nossas divergências em política, foi sempre considerado por nós como um de os nossos primeiros amigos (221 ID A_003_PSD,69.1046)) – século XIX.

(68) a. e a sua náo Sant-Iago fez dela Capitão Dom Francisco de Noronha, filho de um irmão do Marquez de Vila-Real, Clérigo, pera a levar comsigo, deitando as outras náos pera se irem na monção de Agosto (127 ID C_007,02.11)) – século XVI.

b. e sua instrução perante as grandes necessidades do espírito moderno pode--se dizer que é nula. (O_001,149.1729) – século XIX.

(69) a. Há ocasiões, em que contraímos a obrigação com nos, de não admitirmos alívio em as nossas mágoas, e nos armamos de rigor, e de aspereza contra tudo o que pode consolar-nos, como querendo, que a constância em a pena nos justifique, e sirva de mostrar a injustiça de a fortuna (186 ID A_001_PSD,19.268)) – século XVIII.

b. a vaidade de os primeiros Mestres, continuada em seus sucessores como herança, foi a fonte, em que nasceram as ciências (66 ID A_001_PSD,121.2833)) – século XVIII.

Das buscas automáticas, foram encontrados no Corpus Tycho Brahe 4.251 pronomes possessivos precedidos por um artigo e 2.769 pronomes possessivos sem artigos, o que revela uma maior frequência de casos em que há simultaneidade de uso desses itens na história do português. No Corpus de artigos jornalísticos, foram recuperadas 1.275 ocorrências de pronomes possessivos junto ao artigo definido e 1.147 casos em que o possessivo não é precedido pelo artigo.

Nesses números, estão inclusos tanto os casos em que os núcleos nominais que acompanham o possessivo são nomes comuns como aqueles em que estes núcleos

correspondem a nomes inalienáveis (nomes de partes do corpo, de parentesco e relacionais). Em virtude disso, foi realizada uma filtragem para que se pudesse identificar os casos em que esse pronome possessivo acompanha um núcleo nominal correspondente a um nome inalienável (nomes de partes do corpo, de parentesco e relacionais), precedido ou não de um artigo definido – (cf. exemplos (70) - (75)).

(70) Chorando como uma criança, em gritos e soluços, dizia: "É impossível que Deus Nosso Senhor, que é tão bom, a quem eu não faço mais do que rezar desde que o meu filho adoeceu, me queira fulminar com a desgraça de o perder, a mim que em toda a minha vida não tenho feito senão bem a toda a gente a quem o tenho podido fazer" (236 ID O_001,154.1814)) – século XIX.

(71) Quando meu Pai faleceu, existia em Inglaterra, degradada por motivos políticos, minha Avó materna, a Condessa d'Oyenhausen, depois Marquesa d'Alorna (67 ID A_003_PSD,06.42)) – século XIX.

(72) e resoluto o entregou a um Principal, dizendo, que ali lhe entregava aquele Sagrado penhor, imagem de um Homem Deus, que por eles morrera numa Cruz; que apesar da sua presente dureza tomava desde aquele ponto o mesmo Senhor posse daquela terra, e Nações; que ele os amansaria a todos, como firmemente esperava; e que se então não era chegada a hora da sua fortuna, aquele Deus, que em suas terras ficava, lhes conquistaria os corações, e em mais oportuno tempo os traria ao número dos seus filhos (B_001_PSD,200.1582) – século XVII.

(73) e meu Pai entregou a tutela de seus filhos a seu tio, o Marquês de Bellas, Dom José de Castello Branco, Regedor de as Justiças, e, em o seu impedimento, a o tio de sua mulher, o Marquês d'Alorna, Dom Pedro de Almeida Portugal (137 ID A_003_PSD,06.43)) – século XVIII.

(74) Devemos esta notícia ao Conde, que quis com o muito, que tinha visto, elevar os nossos olhos, aonde não podiam chegar (89 ID B_001_PSD,96.769)) – século XVII.

(75) Domingo, o primeiro dia do aventuroso mês, em que Deus Nosso Senhor pôs seus olhos de misericórdia no miserável estado de Portugal, e foi servido de o restituir a seu legítimo successor, o Sereníssimo rei Dom João o IV <paren> depois de uma agradável pompa de luminárias, com que esta muito nobre, e sempre leal cidade de Lisboa celebrou ao sábado a a noite, a véspera da feliz restauração deste reino saiu da igreja da Sé, a as três horas da tarde, uma procissão de graças (283 ID G_001,11.131)) – século XVIII.

Somado a isso, foi realizada ainda uma busca que visava recuperar os casos em que o pronome possessivo acompanha um nome próprio, precedido ou não de artigo definido (cf. exemplos em (76) e (77)). Como resultado, foram obtidas no Corpus Tycho Brahe 306 ocorrências de pronomes possessivos junto a nomes próprios e precedidos de artigo definido, e 458 casos de pronomes possessivos junto a nomes próprios não precedidos de artigos definidos. No corpus de artigos jornalísticos, foram encontrados 35 casos de pronomes possessivos junto a nomes próprios e precedidos de artigo e 104 de pronomes possessivos junto a nomes próprios não precedidos de artigos definidos.

Cumpre ressaltar que essa busca precisou ser distinta da busca geral por nomes próprios para que, naquela, fosse possível recuperar todos os nomes próprios nos sintagmas nominais e preposicionais, e não somente aqueles que estivessem contidos em sintagmas possessivos.

(76) Diz o nosso Haller que a mínima sensibilidade é a as vezes espírito profético (39 ID A_004,17.200)) – século XVIII.

(77) O nosso Pantaleão parece- -me que desta vez que sincou (38 ID G- 004,0.1056)) – século XIX.

Além disso, através dessa busca específica, constatou-se que muitos nomes relacionais e de parentesco eram classificados com a sigla designada para os nomes próprios (NPR), o que nos permitiu recuperar mais dados de pronomes possessivos antecedendo nomes inalienáveis. Desse modo, para compreendermos melhor a distribuição dos pronomes possessivos, apresentamos no quinto capítulo uma classificação pormenorizada dos resultados,

levando-se em consideração informações como o tipo de sintagma, a presença do núcleo nominal e o seu tipo (comum, próprio ou inalienável), a função sintática, o tipo de expressão (se é cristalizada ou não) e o século em que a ocorrência é registrada.

Nesta análise – aplicada a ambos os corpora – foram descartados, através de filtragem nas buscas, sentenças com o verbo ser em sintagmas nominais não preposicionados e casos em que o possessivo aparecia isolado, pois este é um contexto categórico para a presença de um artigo (cf. exemplo (78)). Além disso, foram excluídos os casos em que o possessivo ocorria numa expressão cristalizada, em vocativos e em apostos (cf. exemplos (79), (80) e (81), respectivamente):

(78) Conta pois ella um anno de existencia, que, se não tem sido vigorosa e robusta, como se devera esperar do concurso de tantos engenhos illustrados, ao menos naõ tem sido tão debil e amesquinhada que naõ tenha podido manter-se pelo esforço de bem poucos dos seus (cf. O Ateneu – 1° período).

(79) Gaza conseguiu sair em companhia de um polonês, mas este gemia com graves queimaduras e seus gemidos atrairam um cão policial e este, por sua vez, atraiu outro cão - um jovem SS que fuzilou o polonês (cf. Diário de Notícias – 3° período).

(80) Oh! monstruosidade inclassificavel!... E como o homem é incomprehensivel, meu Deus! Como é possivel que em seo coração caba tanta maldade! (cf. O Ateneu – 1° período).

(81) Não quero descrever outras bibliothecas de Pariz, alias famosas, como a do Archivo, fundada em 17 de outubro de 1808, por Daunou, com 20.000 volumes sobre jurisprudencia e paleographia; (...) a do Collegio da França com o retrato do duque de Vrilliere, o seu creador, e que, iniciada modestamente em 1774, possue hoje 500 000 volumes. (cf. Correio de Notícias – 2° período).

Os casos em que o possessivo aparece junto ao quantificador todo(s) foram contabilizados separadamente, pois esse se mostrou um contexto de pouca variação com tendência forte à presença do artigo definido.

(82) A força moral he o primeiro conservador de todas as Sociedades, ella governa e domina todos os seos movimentos, he o principio da actividade social, e a unica capaz de communicar: une certo caracter de perpetuidade ao Systema Politico, e de tornar solidos e seguros os elementos, de que pendem os destinos dos povos do Universo (cf. Novo Diário da Bahia – 1° período).

Posteriormente, todos os dados relativos aos pronomes possessivos foram subdivididos levando-se em conta as seguintes variáveis: (i) presença ou ausência do artigo em sintagmas nominais sem preposição, (ii) presença ou ausência do artigo em sintagmas nominais com preposição, (iii) realização ou não da contração da preposição com o artigo e, por fim, (iv) uso de acento indicador de crase em contextos em que não fica evidente a fusão da preposição e do artigo, por o substantivo subsequente ser masculino. Os resultados dessa classificação são apresentados no quinto capítulo dessa tese.