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4.3 Dados obtidos com o Método de Rorschach

4.3.3 Análise dos determinantes

4.3.3.6 Determinantes de tonalidade

Houve uma freqüência significativa de determinantes de tonalidade, particularmente nos grupos com assiduidade regular e sem assiduidade, onde sete sujeitos apresentam percepções de tonalidade. No grupo com assiduidade irregular, apenas três sujeitos forneceram este tipo de resposta. Predominaram as respostas com forma prioritária (FE) em todos os grupos, associadas em sua maioria a conteúdos animais (tabela 36).

Tabela 36 – Respostas associadas ao determinante de tonalidade

Grupo com assiduidade regular Grupo com assiduidade irregular Grupo sem assiduidade

Forma-Esfumado Forma-Esfumado Forma-Esfumado

Textura Difusão Textura Difusão Textura Difusão

A- (gato esmagado, pêlos) A- (cachorro, bigodinho) A + (peixe-raia, com barbatana) Pl (±planta, terra) Obj- (reflexo de embalagem raspada) A ± (sombra de animal) Hd+ (pessoa borrada de choro de sangue) Frgm ± (nuvem) Obj + (lamparina) Anat- (raio X, esqueleto) Anat - (raio X, “risquinho” da costela ) A + (dois cupins na madeira) (A) + (Sombra de lagarto) Ad - (lobo meio sombreado) A- (leão-marinho, “barbinha” ) A- (dragão) A - (gato, pouquinho de cabelo) A + (pássaro, penas) A - (abelha, pelinho) Ad - (tigre, pêlos) (H) + (personagem de jogo, cabelinho) (H) - (gigante, cabelo) Hd + (rosto, barba) Masc- (máscara, barbicha) Anat- (raio X)

No grupo com assiduidade regular, destacou-se a ausência de respostas EF, sendo evidente o esforço de controle intelectual sobre o estímulo (respostas FE), assim como sua ineficácia (∑=11; 3+, 3±, 5-). As respostas encontraram-se bem distribuídas entre representações de textura e de difusão, sendo a maior parte delas associada a conteúdos animais. Apareceram predominantemente nas pranchas VI (∑=5; 1+, 1±, 3-) e III (∑=3; 1±, 2-), que juntas concentraram praticamente todas as respostas imprecisas e formalmente inadequadas deste grupo. Cabe lembrar, com Chabert (2004), que a pregnância perceptiva da prancha III é propícia à evocação de representações relacionais, enquanto a prancha VI favorece a projeção de imagens sexuais masculinas e/ou femininas.

O esclarecimento de Rausch de Traubenberg (1970/1998) a respeito dos determinantes de tonalidade revela a dimensão afetiva destas percepções descobertas por Rorschach. Elas evidenciam um esforço de controle na presença do outro, imbuído de uma tendência a sentimentos de insuficiência que podem alcançar a sensação de estar deslocado, desarticulado, impotente e até mesmo desarmônico. Conforme complementa Chabert (2004), estas respostas deixam transparecer uma busca ansiosa de adaptação, muito mais do que uma adaptação bem sucedida.

A partir desta compreensão, ganha sentido a emergência de respostas FE- e FE± nas pranchas III e VI dos sujeitos do grupo com assiduidade regular. Elas pareceram expressar os sentimentos de impotência/inadequação frente a estímulos que evocam associações ligadas à vivacidade dos contatos humanos (pr. III) e à riqueza das referências identitárias (pr. VI), com todas as implicações daí decorrentes, tais como o reconhecimento do outro, os aspectos relacionais, a gestão da agressividade, a identificação sexual:

S8, pr. VI: “Reflexo de alguma coisa. Reflexo de uma imagem”. Inquérito: “Como se aqui fosse a imagem, isso aqui o reflexo dela na água. (imagem de que?) Uma embalagem raspada.” (note-se o fenômeno especial de resposta de reflexo, o qual alude ao narcisismo, conforme Passalacqua e Gravenhorst, 2005. A busca ansiosa de adaptação aparece neste retraimento narcísico, que resulta na projeção de uma imagem feminina danificada, desvelando o sentimento de insuficiência).

S24, pr. III: “Parece um....como é que fala? Quando tira um raio x. Um corpo assim, um raio-x assim.” Inquérito: “Tem a mão aqui. Aqui parece os dois peito, a barriga. Porque eu vi assim, esses negócio assim, parece esqueleto, uns osso (aponta o sombreado de D5).” (aqui, o temor da projeção leva a uma articulação cautelosa do estímulo – “parece um...como é que fala?” – que passa por várias partes do corpo até chegar aos ossos, sem conexão com a realidade objetiva da prancha)

S30, pr. VI: “Vou falar um gato esmagado. O negócio dele aqui assim. Ah, sei lá, coloca isso mesmo.” Inquérito: “Tá esmagado ele. Tá parecendo aqui pra cima. (porque acha que lembrou?) Os bigodinho, os pelos.” (perceba-se que o sujeito denota certa consciência da precipitação na articulação do estímulo - “ah, sei lá”, mas é subjugado pela ansiedade – “coloca isso mesmo” . Tem-se novamente a projeção de uma imagem danificada, onde o sentimento de impotência adquire conotação mórbida).

Quanto ao grupo com assiduidade irregular, saliente-se que foi o único a apresentar uma resposta E pura, tamanha a evanescência do conteúdo:

S21, pr. VII: “(V) Fumaça, parece fumaça.” Inquérito: “Viajei! Vi na parte clara. Sei lá! Não sei da onde eu tirei também”

As respostas FE deste grupo apareceram em dois outros protocolos (∑=3; 2FE+, 1FE-), sempre em pranchas cromáticas (III, VIII, X). Em duas destas respostas, observou-se um movimento de articulação cautelosa do estímulo a partir da evitação inicial da cor:

S5 pr. VIII: “Parece também um lagarto”. Inquérito: “E assim, um lagarto, dois lagarto. (por que?) Porque é igual? Parece uma sombra de lagarto colorida.”

S18, pr. III: “Não sei não. Um lobo? Acho que é. (se afasta da prancha). Só o formato dele.” Inquérito: “As orelhas, focinho, aqui é meio sombreado, dá pra ver a boca. Só que não dá pra ver muito por causa dos brancos. Só que tá sem o olho esse. Tá, nada, o vermelho dá pra ser o olho. Achei o olho já!”

Como já apontado, as respostas FE foram menos comuns neste grupo. Todavia, seu aparecimento em pranchas cromáticas chamou a atenção, sugerindo um valor defensivo contra a excitação pulsante da cor, de efeito invasivo para estes sujeitos (conforme análise das respostas CF e FC).

Já no grupo sem assiduidade, houve somente uma resposta EF, fornecida na pr. VII, de qualidade formal imprecisa (“nuvem”). As respostas FE, além de predominantes (∑=11; 4+, 7-), destacaram-se pelas representações de textura. Estas foram visivelmente mais frequentes (10 respostas), relacionadas a conteúdos que enfatizaram a presença de pêlos. Apareceram em pranchas diversas (uma vez nas pranchas I, II, V, VII, IX, X e duas vezes nas pranchas IV e VI), não parecendo haver uma especificidade nos estímulos aos quais estão associadas.

Rausch de Traubenberg (1970/1998) lembra que as representações de textura podem ser interpretadas como busca de contato físico, assim como uma avidez afetiva expressa de forma imatura, em que a sensualidade se faz notar:

S7, pr. X: “Parece aquela foca lá, leão-marinho.” Inquérito: “Essa barbinha aqui. E aqui, tipo aquelas nadadeira”

S16, pr. IX: “Parece com um gato.” Inquérito: “Duas orelhas assim (laranja), pouquinho de cabelo aqui em cima, as bochechas aqui e essa parte aqui do gato, o corpo do gato.” S28, pr. I: “Nossa,parece um maluquinho do jogo que eu tinha jogado. Igualzinho!” Inquérito: “Depois pensei melhor e parece o maluco do jogo. Dave Mcoy. É tudo (global). Tem a mãozinha, o cabelinho, tipo voando”

S31, pr. I: “Parece duas abelha.” Inquérito: “As asinhas, sem essa parte cortada, que ela é meio gordinha, peitinho, parece os pelinho ainda.”

Como bem afirma Rausch de Traubenberg (1970/1998), a influência da tonalidade é mais sutil do que a cromática, pois os indivíduos estão menos cônscios dela. De fato, o efeito da tonalidade neste grupo tornou-se mais evidente na fase de inquérito, quando apareceram efetivamente as representações de textura. O uso do diminutivo saltou aos olhos, oferecendo às imagens projetadas um tratamento reservado ao infantil. A sensualidade ligada a uma avidez afetiva própria da criança foi observada particularmente na resposta de S31 (“abelha gordinha, peitinho”).