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SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW E FUNÇÃO LEGISLATIVA: A cláusula do devido processo legal - objeto de expressa proclamação pelo art

4.3 Devido Processo Legal: regra ou princípio?

4.3.2 Devido processo como princípio

A exemplo do que fizemos no tópico anterior, vejamos a proposta conceitual de HUMBERTO ÁVILA quanto aos princípios:

Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação de correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária a sua promoção.223

O devido processo legal é uma norma imediatamente finalística, na medida em que estabelece um estado ideal de coisas para cuja realização são exigidos determinados comportamentos. Não há dúvidas, ademais, de que se trata de uma norma prospectiva, já que esse estado ideal de coisas é algo a ser construído.

A fim de que se possa antecipar, minimamente, que comportamentos devem ser exigidos como meios para alcançar esse estado ideal de coisas, é necessária a articulação do devido processo legal com outros princípios e regras estabelecidos tanto no texto constitucional como na legislação ordinária. Tem-se, portanto, como preenchido o caráter de complementa-riedade e de parcialidade do devido processo legal no processo de tomada da decisão, assim como a necessidade da avaliação entre o estado ideal de coisas e os efeitos da conduta havida como necessária à sua realização.

Assim, pode-se concluir que a expressão usada pelo legislador constituinte – “ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” – é efetivamente um princípio e não uma regra.

223 Ibidem, p. 78-79

Caracterizando-se, portanto, como princípio, cabem ainda alguns esclarecimentos que dizem respeito á eficácia dos princípios, com apoio também das idéias de HUMBERTO ÁVILA.

4.3.2.1 Eficácia interna dos princípios

Os princípios são normas preliminarmente finalísticas, que visam estabelecer um estado ideal de coisas a ser buscado, cuja definição depende de sua conexão com outras normas; ou seja, com outros princípios mas também e sobretudo com as regras. O cumprimento de sua finalidade normativa depende, portanto, da sua interferência com outras normas do ordenamento jurídico. Daí a necessidade de verificar-se de que forma os princípios podem se relacionar com essas normas. A eficácia interna dos princípios, portanto, diz respeito à sua relação com outras normas do sistema jurídico.

Os princípios possuem eficácia interna direta e indireta.

A eficácia interna direta diz respeito à “...atuação sem intermediação ou interposição de um outro (sub-)princípio ou regra”. Destaca-se, no que diz respeito á eficácia interna direta, a função integrativa dos princípios “...na medida em que justificam agregar elementos não previstos em subprincípios ou regras. Mesmo que um elemento inerente ao fim que deve ser buscado não esteja previsto, ainda assim o princípio irá garanti-lo”224. A eficácia integrativa permite a aplicação direta do princípio, no sentido de estabelecer no caso concreto um comportamento necessário à realização de um estado de coisas, mesmo diante da inexistência de uma previsão mais específica contida em subprincípio ou regra.

A eficácia interna indireta refere-se à “atuação com intermediação ou interposição de um outro (sub-)princípio ou regra”225.

Nesse contexto, os princípios podem apresentar, em primeiro lugar, uma função definitória, “...na medida em que delimitam, com maior

224 Ibidem, p. 97.

225 Ibidem, p. 98.

cação, o comando mais amplo estabelecido pelo sobreprincípio axiológica-mente superior”226.

Apresentam, também, uma função interpretativa, “...na medida em que servem para interpretar normas construídas a parir de textos normativos expressos, restringindo ou ampliando seus sentidos”227.

Por fim, verifica-se uma função bloqueadora, uma vez que “...afas-tam elementos expressamente previstos que sejam incompatíveis com o estado ideal de coisas a ser promovido”228.

4.3.2.2 Eficácia externa dos princípios

Os princípios, na qualidade de normas jurídicas, não se relacionam apenas com outras normas jurídicas. “Elas (as normas) atuam sobre a compreensão dos próprios fatos e provas. Com efeito, sempre que se aplica uma norma jurídica é preciso decidir, dentre todos os fatos ocorridos, quais deles são pertinentes (exame de pertinência) e, dentre todos os pontos de vista, quis deles são os adequados para interpretar os fatos (exame de valoração)”229.

A eficácia externa dos princípios, portanto, diz respeito à interpretação dos próprios fatos. “Não se interpreta a norma depois o fato, mas o fato de acordo com a norma e a norma de acordo com o fato, simultaneamente”230. Os princípios, manifesta HUMBERTO ÁVILA, “estabelecem indiretamente um valor pelo estabelecimento de um estado ideal de coisas a ser buscado, indiretamente eles fornecem um parâmetro para o exame de pertinência e da valoração”231.

A eficácia externa dos princípios manifesta-se de forma objetiva (seletiva e argumentativa) e subjetiva.

226 Idem.

227 Idem.

228 Idem.

229 Ibidem, p. 99.

230 Idem.

231 Idem.

A eficácia externa objetiva seletiva diz respeito à seleção dos fatos pertinentes como resultado do processo de interpretação. “Os fatos são construídos pela mediação do discurso do intérprete. A existência mesma do fato não depende da experiência, mas da argumentação”232. A eficácia externa objetiva argumentativa, por sua vez, diz respeito à valoração dos fatos selecionados “...de modo a privilegiar os pontos de vista que conduzam à valorização dos aspectos desses mesmos fatos, que terminem por proteger aqueles bens jurídicos”233.

A eficácia externa subjetiva dos princípios refere-se à função de defesa ou de resistência, uma vez que “...os princípios jurídicos funcionam como direitos subjetivos quanto proíbem as intervenções do Estado em direitos de liberdade...”, exercendo, também, em relação a esses direitos, uma função protetora. “Ao Estado não cabe apenas respeitar os direitos fundamentais, senão também o dever de promovê-los por meio da adoção de medidas que os realizem da melhor forma possível”234.

232 Ibidem, p. 100.

233 ibidem, p. 101.

234 Ibidem, p. 102.

Capítulo 5

O Devido Processo Legal no Estado Democrático de Direito

5.1 Introdução

Uma vez fixada a idéia do devido processo legal como princípio, cabe agora estabelecer a sua articulação com outras normas do ordenamento constitucional, princípios e regras, a fim de que possamos visualizar, minimamente, o estado ideal de coisas pretendido pelo legislador consti-tuinte quando incorporou o “due process of law” ao texto da Constituição Federal.

Em primeiro lugar, cumpre dizer que não se trata de “qualquer“

princípio. Verificou-se que o devido processo percorreu longo caminho histórico. Encontra-se na mesma categoria de outros princípios que foram

“...historicamente objetivados e progressivamente introduzidos na consciên-cia jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional”, como esclarece CANOTILHO, o que lhe permite gozar do status de princípio jurídico fundamental, constituindo importante funda-mento para a interpretação, a integração, o conhecifunda-mento e a aplicação do direito positivo235.

Dadas essas características, é possível dizer que o Princípio do Devido Processo Legal se enquadra perfeitamente na célebre definição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, que considera princípio “...man-damento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição

235 J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional... op. cit., p. 1151.

mental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exata-mente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico” (destaques nossos)236.

Trata-se, portanto, de um sobreprincípio, pois, a exemplo de outros sobreprincípios, como o Estado Democrático de Direito, a Dignidade da pessoa Humana e a Igualdade, atua “...‘sobre outros princípios”, observa HUMBERTO ÁVILA, sendo que a nota que permite distingui-los dos demais princípios é o desempenho da “...função rearticuladora...” que permite “...a interação entre os vários elementos que compõem o estado ideal de coisas a ser buscado. Por exemplo, o sobreprincípio do devido processo legal permite o relacionamento entre os subprincípios da ampla defesa e do contraditório com as regras da citação, de intimação, do juiz natural e da apresentação de provas, de tal sorte que cada elemento, pela relação que passa a ter com os demais em razão do sobreprincípio, recebe um significa-do novo, diverso daquele que teria caso fosse interpretasignifica-do isoladamente”

(destaques nossos) 237.

É possível dizer, diante dessas considerações iniciais, que estamos diante de uma das disposições mais importantes do texto constitucional brasileiro, irradiando-se sobre todas as demais normas do ordenamento jurídico, especialmente aquelas que se relacionam direta ou indiretamente com os direitos fundamentais.