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SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW E FUNÇÃO LEGISLATIVA: A cláusula do devido processo legal - objeto de expressa proclamação pelo art

5.3 Que liberdades e bens são protegidos pelo due process of law?

5.3.4 Das relações do devido processo com outros princípios constitucionais

5.3.4.3 Imparcialidade do Juiz

situação equivalente.

Por outro lado, no que diz respeito aos processos judiciais, requerente e requerido devem ser tratados de forma igual261, facultando-lhes as mesmas oportunidades de se manifestar no processo e de produzir provas. “O princípio da igualdade – observa ANTONIO SCARANCE FERNANDES – coloca as duas partes em posição de similitude perante o Estado e, no processo, perante o juiz. Não se confunde com o contraditório, nem o abrange. Apenas se relacionam, pois ao se garantir a ambos os contentores o contraditório também se assegura tratamento igualitário”262.

O tratamento igualitário no processo depende, necessariamente, da paridade de armas entre o autor e o réu. Trata-se de princípio que possui

“...potencialidades diversas no processo civil e no processo penal”, adverte TONINI263. No processo civil, prossegue o autor, a paridade de armas tem condições de atuar de maneira plena entre o autor e o réu. Já no processo penal, devem ser levadas em consideração as diferenças institucionais e substanciais entre o Ministério Público e os acusados, o que, entretanto, não permite o entendimento de que o princípio não tem incidência no âmbito do processo penal264.

5.3.4.3 Imparcialidade do Juiz

A efetividade do contraditório, da ampla defesa e da igualdade entre as partes, necessária à realização do devido processo, depende de garantias que assegurem aos cidadãos a imparcialidade do juiz.

Muito embora a Constituição de 1988 não faça qualquer manifestação expressa quanto à imparcialidade, é possível dizer que se trata de verdadeiro princípio constitucional implícito, a estabelecer uma garantia fundamental que se relaciona diretamente com o devido processo legal.

261 NELSON NERY JUNIOR, Princípios..., op. cit., p. 72.

262 Processo Penal Constitucional, p. 58.

263 A Prova..., op. cit., p. 22-23.

264 ANTONIO SCARANCE FERNANDES, Processo..., op. cit., p. 22-23.

Em primeiro lugar, a imparcialidade é uma nota característica da própria função jurisdicional, uma vez que “...o adjetivo ‘imparcial’...” – anota JULIO MAIER – “...integra hoje, desde um ponto de vista material, o conceito de ‘juiz’, quando se refere à descrição da atividade concreta que é encomendada a quem julga (...) ...refere, diretamente, por sua origem etimológica (in-partial), àquele que não é parte em um assunto que deve decidir” 265. Assim, portanto, a idéia de imparcialidade é inerente ao próprio exercício da jurisdição.

Por outro lado, o art. 8º, 1, da Convenção Americana de Direitos Humanos, o célebre Pacto de San José da Costa Rica, enuncia que toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza. Trata-se de documento ratificado pela República Federativa do Brasil em 25 de setembro de 1992. Assim, consoante dispõe o artigo 5º, §2º, da Constituição Federal, os direitos e garantias expressos nesse documento constituem direi-tos e garantias fundamentais.

A imparcialidade pressupõe a independência do juiz para com outros órgãos estatais266. Daí a outorga de garantias e o estabelecimento de veda-ções constitucionais inerentes à função, a exemplo daquelas que se encon-tram enumeradas no artigo 95 do texto fundamental. Essas disposições diri-gem-se apenas mediatamente à pessoa do juiz, portanto. Elas estão relacio-nadas diretamente com o exercício da jurisdição e têm por finalidade a garan-tia da independência do juiz.

No âmbito do processo administrativo, entendemos que a imparci-alidade, propriamente dita, é praticamente impossível, já que compete à

265 Derecho Procesal Penal, t. 1, p. 739. No original espanhol: “...el adjetivo ‘imparcial’

integra hoy, desde un punto de vista material, el concepto de ‘juez’, cuando se lo refiere a la descripción de la actividad que le es encomendada a quien juzga (...) ...refiere, directamente, por su origen etimológico (in-partial), a aquel que no es parte en un asunto que debe decidir”.

266 ALFREDO BARGI, Procedimeto Probatorio..., op. cit, p. 37.

própria Administração conduzir os procedimentos e proferir as decisões que, de modo geral, afetarão seus próprios interesses.

No entanto, o Princípio Constitucional da Impessoalidade, artigo 37 caput, que nada mais é do que um desdobramento do Princípio Isonômico, impõe que os particulares sejam tratados “...sem discriminações, benéficas ou detrimentosas...” – ensina CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO –

“Nem favoritismos nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animo-sidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie”. E nesses termos, a impessoalidade “...implica, para a Administração Pública, o dever de agir segundo regras objetivas e controla-veis racionalmente”, completa ROMEU FELIPE BACELAR FILHO267.

Sob outro ângulo, o Princípio do Juiz Natural desempenha um impor-tante papel no sentido de assegurar a imparcialidade do juiz. As disposições constantes do artigo 5º, XXXVII e LIII estabelecem garantias contra a existên-cia de tribunais ou juízos de exceção bem como de que os indivíduos deverão ser processados e sentenciados pela autoridade cuja competência tenha sido fixada, por lei, antes da ocorrência do fato268.

Considerando a vasta projeção do Princípio do Juiz Natural, FIGUEIREDO DIAS desdobra-o em três planos fundamentais:

a) Ele põe em evidência, em primeiro lugar, o plano da fonte: só a lei pode instituir o juiz e fixar-lhe a competência.

b) Em segundo lugar, procura ele explicitar um ponto de referência temporal, através deste afirmando um princípio de irretroactividade: a fixação do juiz e da sua competência tem de ser feita por uma lei vigente já ao tempo em que foi praticado o facto criminoso que será objecto do processo.

c) Em terceiro lugar, pretende o princípio vincular a uma ordem taxativa de competência, que exclua qualquer alternativa a decidir arbitrária ou mesmo discricionariamente. Daqui a proibição de jurisdições de excepção, i. é, jurisdições ad hoc criadas para decidir um caso concreto ou um determinado grupo de casos, com quebra das regras gerais de competên-cia; o que não obstará à válida existência de tribunais especiais que a Cons-tituição e as leis prevejam, mas proibirá terminantemente o desaforamento

267 Curso..., op. cit., p. 102; Processo..., op. cit., p. 189. Sobre o significado do Princípio do Juiz Natural no âmbito do processo administrativo, e mais precisamente no processo administrativo disciplinar, vejam-se as considerações inovadoras de ROMEU FELIPE BACELAR FILHO – Processo..., op. cit., p. 323-378.

268 NELSON NERY JUNIOR, Princípios..., op. cit., p. 97-98.

de qualquer causa criminal, bem como a suspensão discricionária por qual-quer autoridade (sic.); (destaques nossos)269.

O Princípio do Juiz Natural tem por objetivo assegurar a indepen-dência e a imparcialidade do juiz, bem como afirmar aos jurisdicionados a confiança na Justiça, ensina BARBOSA MOREIRA, que relaciona essa garantia, ainda, ao Princípio da Igualdade perante à lei, “...do qual resulta que as situações juridicamente iguais devem merecer um tratamento jurídico homogêneo”270.

Essas garantias, no entanto, dizem respeito ao aspecto formal da imparcialidade, o que já não é pouca coisa. Não se pode esquecer que o juiz é um ser humano e como tal possui a sua particular visão de mundo e das coisas. Ele está condicionado por seus valores políticos, jurídicos, religiosos e morais. Está sujeito a toda sorte de manifestações inerentes ao ser humano, justamente por não ser o Juiz Hércules, imaginado por DWORKIN.

Assim, já não mais se pode falar de uma neutralidade do juiz. Mas é possível buscar o estado ideal de coisas que se pretende através do relacionamento entre o Princípio do Devido Processo e o Princípio da Imparcialidade. Ou seja, de que o juiz seja efetivamente um terceiro e que se mantenha eqüidistante das partes, como propugna BARGI271.

Especialmente no que diz respeito ao processo penal, a questão relativa à imparcialidade passa pela definição do papel reservado ao juiz na gestão da prova, pela garantia de que a sua produção deve estar assinalada primordialmente às partes, acusação e defesa, sob o crivo do contraditório e da paridade de armas272.

Essa questão possui, nos dias de hoje, destacada importância no direito brasileiro, uma vez que se observa o incremento da utilização de provas produzidas de forma sigilosa, fora do contexto do contraditório – interceptações telefônicas, escutas ambientais, procedimentos de

269 Direito Processual Penal, p. 322-323

270 Temas..., op. cit., p. 42.

271 Procedimento Probatorio..., op. cit., p. 39.

272 Ampliar em BARGI – Idem.

ção premiada – onde o juiz tem participação ativa na colheita dos fatos que podem redundar no desencadeamento de um processo penal.

Veja-se, por exemplo, que no direito norte-americano é vedado ao juiz participar dos procedimentos relativos ao “plea bargaining”, ou seja, nos procedimentos relativos à fixação de disposições favoráveis à acusação e ao acusado, como a fixação de uma sentença em mais leve em troca da assunção total ou parcial da culpa ou, ainda, da colaboração do réu para o esclarecimento dos fatos.

Com efeito, há uma proibição expressa contida na Regra Federal (Federal Rule) 11 (e), sendo que um dos motivos dessa vedação, tal como assentado no caso “United States v. Barret”, é justamente o “...perigo real de que a neutralidade de um juiz possa ser comprometida” (destaque nosso)273.

As discussões sobre esse tema ainda não se encontram amadure-cidas em sede jurisprudencial. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal teve oportunidade de analisar pelo menos um caso onde foram firmadas pautas importantes para as deliberações futuras.

No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1570, que teve como relator o Ministro MAURÍCIO CORREA, discutiu-se a possibili-dade do juiz efetuar pessoalmente busca e apreensão de documentos relaci-onados a pedido de quebra de sigilo, disciplinada no artigo 3º, da Lei nº 9034, de 3 de maio de 1995, que trata da regulamentação dos procedimentos investigatórios relativos aos fatos praticados por organizações crimino-sas.

A Corte, por maioria, vencido o Ministro CARLOS VELLOSO, declarou a inconstitucionalidade do dispositivo legal questionado, tendo em vista a ofensa aos princípio da imparcialidade do juiz e do devido processo legal. Durante a discussão, assentou-se, nos votos do Ministro MAURÍCIO CORREA e SEPÚLVEDA PERTENCE, que, a partir da vigência da Constitui-ção de 1988, o processo penal no direito brasileiro é de índole

273 STEPHEN A. SALTZBURG e DANIEL J. CAPRA – American Criminal Procedure:

cases and comentary, p. 841-842. No original inglês: “...real danger that a judge’s neutrality can be compromissed”.

tória, sendo vedado ao juiz, portanto, exercer funções de caráter investiga-tivo. O acórdão tem a seguinte ementa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 9034/95. LEI COMPLEMENTAR 105/01. SUPERVENIENTE. HIERARQUIA SUPERIOR.

REVOGAÇÃO IMPLÍCITA. AÇÃO PREJUDICADA, EM PARTE. "JUIZ DE INSTRUÇÃO". REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PESSOALMENTE.

COMPETÊNCIA PARA INVESTIGAR. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. IMPARCIALIDADE DO MAGISTRADO. OFENSA.

FUNÇÕES DE INVESTIGAR E INQUIRIR. MITIGAÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DAS POLÍCIAS FEDERAL E CIVIL. 1. Lei 9034/95. Superveniência da Lei Complementar 105/01. Revogação da disciplina contida na legislação antecedente em relação aos sigilos bancário e financeiro na apuração das ações praticadas por organizações criminosas.

Ação prejudicada, quanto aos procedimentos que incidem sobre o acesso a dados, documentos e informações bancárias e financeiras. 2. Busca e apreensão de documentos relacionados ao pedido de quebra de sigilo realizadas pessoalmente pelo magistrado. Comprometimento do princípio da imparcialidade e conseqüente violação ao devido processo legal. 3. Funções de investigador e inquisidor. Atribuições conferidas ao Ministério Público e às Polícias Federal e Civil (CF, artigo 129, I e VIII e § 2o; e 144, § 1o, I e IV, e § 4o). A realização de inquérito é função que a Constituição reserva à polícia. Precedentes. Ação julgada procedente, em parte (destaques nossos) 274.