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A distinção proposta por HUMBERTO ÀVILA

SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW E FUNÇÃO LEGISLATIVA: A cláusula do devido processo legal - objeto de expressa proclamação pelo art

4.2 As distinções entre princípios e regras propostas por CANOTILHO, DWORKIN, ALEXY e HUMBERTO ÁVILA

4.2.4 A distinção proposta por HUMBERTO ÀVILA

No direito brasileiro, HUMBERTO ÁVILA deu tratamento original à distinção entre princípios e regras. Não apenas pelos traços de originalidade, mas especialmente pela qualidade e clareza de suas ponderações, sua classificação merece ser destacada.

A proposta de distinção entre princípios e regras é denominada pelo autor como sendo uma dissociação heurística, na medida em que reco-nhece e privilegia o papel constitutivo do intérprete na edificação das normas jurídicas, funcionando como “...modelo ou hipótese provisória de trabalho para uma posterior reconstrução de conteúdos normativos, sem, no entanto,

207 Idem, p. 100-101. No original espanhol: “El carácter prima facie de los principios puede reforzarse introduciendo una carga de argumentación en favor de determinados principios o determinados tipos de principios. Nesse ponto, veja-se o importante papel desempenhado pelos direitos fundamentais, no sentido de oferecer argumentos de reforço do caráter prima facie dos princípios. “A decisão de incapacidade processual mos -trou que tanto as normas que concedem direitos fundamentais ao indivíduo como as que ordenam a persecução de interesses da comunidade, podem ser concebidas como princípios. É possível introduzir uma carga de argumentação em benefício dos princípios do primeiro tipo e contra os do segundo, é dizer, uma carga de argumentação em benefício dos bens individuais e contra os bens coletivos. Algo parecido tem em mira Schlink quando diz que os ‘direitos fundamentais são regras da carga de argumentação’” – destaques nossos. No original espanhol; “La decisión de incapacidad procesal ha mostrado que tanto las normas que conceden derechos fundamentales al individuo como las que ordenan la persecución de intereses de la comunidad, pueden ser concebidas como principios. Es posible introducir una carga de argumentación en beneficio de los principios del primeir tipo y en contra de los del segundo, es decir, una carga de argumentación en beneficio de los bienes individuales y en contra de los bienes colectivos. Algo parecido tiene en mira Schilink cuando dive que los ‘derechos fundamentales son reglas de la carga de la argumentación’”.

208 Idem. No original espanhol: “...reglas y principios son claramente distintos a la luz de las diferenciaciones necesarias”.

assegurar qualquer procedimento dedutivo de fundamentação ou de decisão a respeito desses conteúdos”209.

Trata-se, também, de uma dissociação em alternativas inclusivas.

O autor entende que um dispositivo pode albergar mais de uma espécie normativa. “Um ou vários dispositivos, ou mesmo a implicação lógica deles decorrente, pode experimentar uma dimensão imediatamente comporta-mental (regra), finalística (princípio) e/ou metódica (postulado)”210.

Nesses termos, por exemplo, de acordo com HUMBERTO ÁVILA, o dispositivo constitucional que prescreve a igualdade de tratamento para a instituição de tributos – artigo 150, II, da Constituição Federal, poderia ser analisado como regra, como princípio ou como postulado.

Como regra, proíbe a criação ou o aumento de tributos que não sejam iguais para todos os contribuintes. Como princípio, porque estabelece como devida a realização do valor da igualdade. Como postulado, porque estabelece um dever jurídico de comparação (Gebot der Vergleichung) a ser seguido na interpretação e aplicação, preexcluindo critérios de diferenciação que não sejam aqueles previstos no próprio ordenamento jurídico211.

Quanto à proposta de distinção entre princípios e regras, HUMBERTO ÁVILA indica os seguintes critérios: i) natureza do comportamento previsto; ii) natureza da justificação exigida; iii) medida de contribuição para a decisão.

Levando em consideração a natureza do comportamento exigido,

“...os princípios são normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas para cuja realização é necessária a adoção de determinados comportamentos”. As regras, por sua vez, podem ser consideradas como normas “...mediatamente finalísticas, ou seja, normas que estabelecem indiretamente fins, para cuja concretização estabelecem com maior exatidão qual o comportamento devido” 212.

209 Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos, 6.ed. p. 68.

210 Ibidem, p. 69.

211 Idem.

212 Ibidem, p. 71-72.

O autor adverte, contudo, que ambas as normas podem ser exami-nadas tanto sob o ponto de vista comportamental como sob o ponto de vista finalístico, já que as regras prescrevem um comportamento para atingir determinado fim e os princípios estabelecem o dever de preservar um estado ideal de coisas através da adoção de certos comportamentos. Nesse sentido, a distinção estaria “...centrada na proximidade de sua relação, imediata ou mediata, com fins que devem ser atingidos e com condutas que devem ser adotadas”213.

No que diz respeito à natureza da justificação exigida, as regras exigem uma correspondência entre a construção conceitual dos fatos e a construção conceitual da norma e da finalidade que lhe dá suporte. Os princípios exigem uma correlação entre o estado de coisas posto como fim e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária. Segundo HUMBERTO ÁVILA, esse critério possibilita verificar que “...a diferença entre as categorias normativas não é centrada no modo de aplicação, tudo ou nada ou mais ou menos, mas no modo de justificação necessário a sua aplicação”214. As regras possuem, também, um caráter retrospectivo, “...na medida em que descrevem uma situação de fato conhecida pelo legislador”, sendo que os princípios possuem um caráter prospectivo, “...já que determinam um estado de coisas a ser construído”215.

No que tange à medida de contribuição para a decisão, os princípios não têm pretensão de gerar uma solução específica, mas sim de contribuir, ao lado de outras razões, para a tomada de decisão. Desse modo, os princípios são primariamente complementares e preliminarmente parciais216. Esse critério tem a capacidade de realçar a maior interdependên-cia dos princípios, onde se destaca a “...relação de imbricamento ou entre-laçamento entre eles”217, explica o autor. “Isso se dá...” – prossegue HUMBERTO ÁVILA – “...justamente porque os princípios estabelecem diretri-zes valorativas a serem atingidas, sem descrever, de antemão, qual o comportamento adequado a essa realização. Essas diretrizes valorativas

213 Ibidem, p. 73.

214 Idem.

215 Ibidem, p.76

216 Idem.

217 Ibidem, p.77.

cruzam-se recíprocamente, em várias direções, não necessariamente conflitantes”218.

Por outro lado, as regras são preliminarmente decisivas e abarcan-tes, uma vez que, “...a despeito da pretensão de abranger todos os aspectos relevantes para a tomada de decisão, têm aspiração de gerar uma solução específica para o conflito entre razões”219.

Em outras palavras, se os princípios têm uma pretensão de complementariedade e parcialidade, visando contribuir, ao lado de outras razões, para a decisão, as regras têm uma pretensão terminativa, uma vez que buscam gerar uma solução específica para a questão. “O preenchimento das condições de aplicabilidade é a própria razão de aplicação das regras”220. Examinadas algumas distinções entre princípios e regras, passaremos à análise do devido processo legal, buscando caracterizá-lo como princípio ou como regra. Para tanto, utilizaremos os critérios fornecidos por HUMBERTO ÁVILA que parecem propiciar os melhores argumentos para que se possa responder satisfatoriamente à seguinte questão221: o devido processo legal é um princípio ou é uma regra?