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Diálogos com os autores que estudaram história e emergência étnica no Nordeste

1. INTRODUÇÃO

1.7 Diálogos com os autores que estudaram história e emergência étnica no Nordeste

Autores como Dantas, Sampaio & Carvalho (1992), Sampaio (2011), (1997), Melatti (2015) Oliveira Filho, (1999a, 1999b), Grünewald, (1999b, 2001a, 2001b), Barbosa, (2003), Arruti, (1999), Brasileiro, (1996), Barreto Filho, (1999), Souza Lima & Barroso-Hoffmann, (2002) analisaram e descreveram esse contexto de emergência étnica no Nordeste brasileiro.

Importante estudo foi desenvolvido por Dantas, Sampaio & Carvalho (1992), que fizeram uma inflexão na abordagem dos estudos sobre povos indígenas, buscando identificar o caráter específico e peculiar da força dos movimentos indígenas no Nordeste, tendo relação direta com a própria história e com as características culturais atuais destes povos, essas sim, sem dúvida, peculiares.

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As metáforas da “viagem” e “volta” que estão contidas no livro “Viagem da volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no Nordeste indígena”, que foi organizado pelo prof. João Pacheco de Oliveira (UFRJ/Museu Nacional) e publicado em 1999, que apresentou as mudanças na maneira de estudar os povos indígenas no Nordeste. Seu texto introduz o livro os conceitos de “situação colonial”, “territorialização” e “fluxos culturais” e “emergência étnica”, com o aparecimento ou “ressurgência” de etnias indígenas, além de propor o que chamou de uma etnologia sobre os “índios misturados” no Nordeste, tambem discutida nos artigos que compõem a obra.

Nesses termos, o Nordeste passou a ser estudado como um conjunto étnico−histórico integrado pelos diversos povos que se adaptaram às relações adversas com os biomas Caatinga e Mata Atlântica, assim como foram historicamente associados às frentes pastoris e ao padrão missionário ocorridos nos séculos XVII e XVIII.

Por sua vez, Sampaio (2011) faz uma opção por um tipo de investigação mais sistemática da produção e reprodução de uma “[...] consciência étnica social e politicamente orientada” (Pp. 12-13), ou seja, uma etnicidade, nos moldes do que foi analisado por autores como Barth, 1969; Cohen, 1969 e Carneiro da Cunha, 1979. Ele fez um recorte territorial para delimitar a ocorrência de tal processo e identificou os povos indígenas que habitam atualmente a faixa de sertão do Nordeste brasileiro.

Em estudo recente, Melatti (2015, pp. 5-6) identifica as modificações na região Nordeste, assim como a presença de agências indigenistas ou missionárias que apoiam as demandas das populações indígenas, assim como a reivindicação da garantia das poucas terras de que ainda dispõem ou da recuperação das terras perdidas. Isso fez com que os grupos que se escondiam, por causa das violências e das perseguições do passado, de sua identidade indígena, voltassem a assumi-la, pois essas identidades étnicas se desdobram, se fundem, ressurgem.

Em consonância com os outros pesquisadores sobre o processo de mobilização política e de emergência étnicas surgem os estudos de Oliveira Filho (1999a e 1999b). O trabalho “Ensaios em Antropologia histórica” (OLIVEIRA FILHO, 1999a) buscou mostrar que uma compreensão das sociedades e culturas indígenas não pode passar sem uma reflexão e recuperação críticas de sua dimensão histórica. Caminhando contra o senso comum, que sempre focaliza os indígenas como relíquias vivas de formas passadas de humanidade, a proposta do livro é considerá-los como “[...] sujeitos históricos plenos”. (OLIVEIRA FILHO, 1999a, p. 8). Isto significa inseri-los em eixos espaço-temporais e relacionados a conjuntos específicos de agentes, com valores e estratégias sociais bem determinados.

A dimensão histórica do estudo foi escolhida pelo autor como opção “estratégica” para que fosse feita uma reflexão sobre as “[...] sociedades e culturas indígenas do Brasil”, pois, segundo ele, uma compreensão dessas sociedades e culturas “[...] não pode passar sem uma reflexão e uma recuperação críticas de sua dimensão histórica”. (IBIDEM).

Por “dimensão histórica” ele entende os “eixos espaço-temporais” (sic) nos quais os indígenas atuam como “sujeitos históricos plenos” de direitos e atores sociais

fundamentais na elaboração da cidadania plena para todas as etnias do Brasil, pois retira os indígenas de amplo esquema dos estádios evolutivos e inseri-las e situá-las na contemporaneidade e em um “[...] tempo histórico múltiplo e diferenciado”. (OLIVEIRA FILHO, 1999a, p. 9).

Já nos estudos que compõem a obra organizada por Oliveira Filho (1999b), intitulada “A viagem da volta: etnicidade, política e reelaboração cultural no Nordeste indígena”, onde ele escreve um capítulo que denominou “Uma etnologia dos “índios misturados”? Situação colonial, territorialização e fluxos culturais”, analisa que os povos indígenas do Nordeste brasileiro não foram sido estudados pelos antropólogos americanistas (culturalismo), em virtude de não se enquadrarem nos interesses desses pesquisadores, vindo a constituir uma espécie de “etnologia menor”; os povos indígenas do Nordeste denotam uma característica aparentemente contraditória, à medida que, nas últimas décadas, o número de populações aumentou consideravelmente, passaram de dez etnias, nos anos de 1950, para 23 em 1994.

Oliveira Filho (1992b, p. 19) situa e identifica a existência de uma unidade analítica dos chamados “índios do Nordeste”, como povos integrados ao projeto nacional, desenvolvendo estratégias individuais ou coletivas de manutenção da identidade étnica que não foi dada por suas instituições, nem por sua história em si, ou ainda por sua conexão com o meio ambiente natural, mas por pertencerem ao Nordeste, como um “conglomerado histórico e geográfico”.

Com efeito, a elaboração dos “novos estudos”, surgidos no início dos anos 1990, sobre as populações indígenas do Nordeste (no que refere às grupos cearenses, destacam- se, dessa época, os estudos de Valle (1992, 1993) e Barretto Filho - 1993a, 1999. Os autores estudam os processos de reelaboração cultural, de conquista da etnicidade e luta política no Ceará), estariam centrados em questões que dizem respeito tanto à problemática das emergências étnicas, quanto à da reconstituição cultural das etnias nordestinas, que serão exploradas mais adiante. Na perspectiva de João Pacheco de Oliveira Filho (1992b), eles representam um avanço significativo em relação às demais perspectivas de análise que, até então, somente lograram vislumbrar tais populações em termos de “perdas”.

Nessas condições, “[...] tais culturas ficariam expostas em demasia ao campo magnético do Ocidente verificando-se uma interferência cada vez mais forte deste nos registros e, por consequência, nas hipóteses avançadas”. (OLIVEIRA FILHO, 1992b, p. 49).

Grünewald (2004 e 2008) identificou rituais do Toré e da Jurema como os elementos unificadores da mobilização étnica dos índios do Nordeste brasileiro, nos quais se estabelece um regime em que se vinculam as relações com os seres míticos ligados e esse povo (os encantados).

Também examino a emergência étnica e a invenção de tradições que emergiram ou se renovam com os conflitos pela disputa das terras indígenas, com aqueles que se consideravam donos das terras, ou com os posseiros e até mesmo com membros da etnia. Essas lutas étnicas autoafirmativas se articulam também com o conceito de “Regime de Índio”, entendido como a capacidade de atualizar práticas tradicionais na interação em distintas arenas culturais, o que possibilitou certa legitimidade étnica (GRÜNEWALD, 2001a), ou seja, o domínio de uma tradição cultural específica da etnia que é reconhecida como tal pelo Estado, sendo também percebido como sinais diacríticos da indianidade Jenipapo-Kanindé.

No seu estudo, Grünewald (2001a) analisou a criação de arenas turísticas relacionadas à “invenção das tradições” (HOBSBAWM & RANGER, 1997) Pataxó, no contexto das “comemorações” dos 500 anos do “Descobrimento do Brasil”. Acerca das referidas tradições, explica que a criação de uma substância histórica ou cultural que ele entendeu ser ou a ser operada pelo grupo criador, isto é, aquele grupo gerador da tradição da sua etnicidade, por meio da reelaboração dos símbolos próprios em áreas como artesanato, História, Linguística, ritualística ou Cosmologia.

Nos estudos de Arruti (1999 e 2004), percebe-se a busca pela sociogênese do grupo de “remanescentes indígenas” da etnia Pankararu, cuja aldeia fica localizada entre os atuais municípios de Petrolândia, Itaparica e Tacaratu, no sertão pernambucano, próximo ao rio São Francisco. Seus estudos, assim como os outros de autores aqui mencionados, enfatizam a dimensão política das dinâmicas de levantamento das “barreiras étnicas”, afastando-se dos paradigmas teóricos que reiteravam a ideia da existência da “autenticidade cultural” e trabalharam, principalmente, com a ideia de “sinais diacríticos” dentro de um paradigma teórico que privilegiava uma abordagem processualista e interacionista.

Resta clara a grande importância que representam estes trabalhos e as linhas de pesquisa por eles representadas, uma vez que permitem se focalizar processos identitários no Nordeste, os quais, como observa justamente Oliveira (2004), há não muito tempo despertaram pouco interesse de pesquisa nos antropólogos.

O antropólogo Arruti (1999) configura seu objeto de análise nos chamados povos “remanescentes emergentes” de designação difícil na condição de índios, pois eram “caboclos” supostamente descendentes de “indígenas aldeados”, mas que "não possuíam mais" os "sinais externos", que seriam facilmente reconhecidos pela assim denominada "Ciência Etnológica". Outro aspecto da emergência étnica foi a apresentação de “novas identidades indígenas”, apesar de assumirem o vínculo com uma “ancestralidade autóctone que não é manifesta”, mas resultante de processos de recuperações e recriações étnicas que lhes permitem destaque – se na superfície da rica, mas indistinta cultura nordestina sertaneja.

O trabalho de Souza Lima & Barroso-Hoffmann (2002) faz uma análise e aponta que, em menos de uma geração, os povos indígenas do Brasil – em especial os da Amazônia brasileira - passaram da iminência de extinção, situação descrita no panorama desalentador que foi descrito por Darcy Ribeiro em 1957, à conquista e ampliação do reconhecimento de seus direitos revertendo-se o quadro nos anos de 1980.

1.8 Quadro atual da população indígena e a arena dos conflitos na TI Lagoa