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Surgimento do Movimento dos Povos do Mar cearense

2. O TURISMO ÉTNICO NO CEARÁ

2.4 Surgimento do Movimento dos Povos do Mar cearense

Atualmente os espaços litorâneos são disputados por variados sujeitos e agentes (mochileiros, veranistas, turistas, comunidades e empreendedores grandes, médios e pequenos) e uma das tendências que tem se mostrado com maior força no litoral cearense é o turismo convencional (além da implantação de dezenas de usinas de energia eólicas e indústrias vinculadas ao CIPP com empresas de transformação de grande porte e alto risco ambiental, a carcinicultura em todos os grandes estuários da costa cearense), que se caracteriza por ser gerador de impactos socioambientais negativos como a especulação imobiliária, a degradação dos recursos naturais, a descaracterização de culturas tradicionais, processos de fragmentação, diferenciação e segregação socioespacial, dentre outros. Ao produzir imagens estereotipadas no processo de globalização, fomenta a destruição das singularidades paisagísticas e culturais, estabelecendo uma integração

seletiva e hierarquizada dos lugares, além de ampliar as condições de marginalidade econômica de muitas comunidades.

Nesse âmbito de hibridação, multiculturalidade e de emergência da cidadania planetária (BOFF, 2009; GADOTTI, 2010; KUNSCH, 2004; 2007; MORIGI & ROSA, 2004; MORIGI, VANZ & GALDINO, 2003), acompanho (nos últimos 24 anos) o surgimento e a atuação do maior movimento social situado na zona costeira cearense, autodenominado de “Povos do Mar”. Ele se configura como o maior, não pelo grande número de integrantes envolvidos, mas pela quantidade de categorias de sujeitos sociais que o movimento abarca, congregando organizações de pescadores, catadores de caranguejo, marisqueiras, produtores de algas, moradores das praias, indígenas e quilombolas.

A fim de retratar a amplitude desta rede tem-se que, na II Assembleia dos Movimentos Sociais da Zona Costeira do Ceará, realizada em Tatajuba (Camocim-CE), em 2006 (estive nessa assembleia na condição de integrante de ONG ambientalista que compõe o FDZCC), os organizadores mencionaram a participação de “29 comunidades e cerca de 50 entidades” (CARTA DE TATAJUBA, 2006). Com essa unidade de mobilização complexa, a rede de movimentos sociais do litoral cearense possui inúmeros fóruns de debate que representam as organizações locais e, por conseguinte, rompem com a fragmentação da mobilização, como: o Fórum em Defesa da Zona Costeira do Ceará (FDZCC9); o Fórum de Pescadores e Pescadoras do Litoral do Ceará (FPPLC); a Rede de Educação Ambiental do Litoral Cearense (REALCE); a Articulação de Mulheres Pescadoras do Ceará; e a Federação das Colônias de Pescadores do Ceará. Paralelamente, existe também ampla rede de apoio formada por inúmeras organizações, movimentos sociais e de pesquisadores de universidades públicas e privadas e institutos técnicos.

O FDZCC é uma articulação organizada da sociedade civil, de caráter político apartidário, que visa a agregar organizações não governamentais, universidades, OSCIP´s, associações comunitárias e movimentos sociais, na defesa de uma zona costeira com qualidade ambiental e qualidade de vida para seus habitantes, surgida em 2000. O

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Atualmente o FDZCC é composto pelas seguintes entidades: AGB – Associação dos Geógrafos Brasileiros/Seção Fortaleza; AQUASIS – Associação de Pesquisa e Preservação dos Ambientes Aquáticos; CEAT – Centro de Estudos e Apoio ao Trabalhador; CETRA – Centro de Assessoria e Estudos sobre o Trabalhador; CIPAT – Cooperativa Interdisciplinar de Pesquisa e Assessoria Técnica Ltda; IAV – Instituto Ambiental Viramundo; CPP-CE – Conselho Pastoral dos Pescadores; RENAP – Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares; FPPLC – Fórum dos Pescadores e Pescadoras do Litoral do Ceará; IMOPEC – Instituto da Memória do Povo Cearense; IA - Instituto Ambiental; Instituto Terramar; Instituto Terrazul; SPC- Sindicato dos Pescadores do Ceará.

Fórum em Defesa da Zona Costeira Cearense é uma rearticulação do Fórum do Litoral, Cidadania, Desenvolvimento e Meio-Ambiente que era ativo de 1994 a 1997.

O FDZCC inicia-se em 30 de janeiro de 2004, com a sua reestruturação, feita após o ingresso de novas entidades e da definição de sua sistemática de encontros e organização de seus grupos de trabalho, tendo começado o planejamento de suas ações para 2004. As discussões apontaram para o Fórum como uma articulação política de OSC, de que participam pessoas e entidades, mas o objetivo primeiro é o fortalecimento de grupos com atuação na zona costeira. As instituições compõem a Coordenação, os Grupos de Trabalho (GTs); e as pessoas o Conselho Consultivo, que é uma das instâncias do Fórum, com contribuições técnicas – discussões, elaboração de documentos, pareceres. Em 2004 foram formados três Grupos de Trabalho para planejar e orientar a ação do Fórum: GT Pesca e Aquicultura, GT Turismo e GT Gestão Costeira.

Desde o início dos anos de 1990, essas articulações sociais realizam monitoramentos das políticas públicas em curso na cidade de Fortaleza, nos biomas e nas diversas regiões do Estado e, sobretudo, na zona costeira cearense, como ocorreu com o PRODETUR, os projetos de infraestrutura portuária, de estradas, da Transnordestina, transposição do Rio São Francisco, as termelétricas, Refinaria e Siderúrgica do Pecém, de implantação de indústrias químicas e de energia eólica, de resorts e da Carcinicultura, com várias estratégias e ações públicas e judiciais, denúncias, seminários, debates e estudos, monografias, dissertações e teses que geraram publicações sobre as dimensões das desigualdades no desenvolvimento do turismo e o seu impacto na vida das mulheres e das populações tradicionais (CORIOLANO, 2006; BORGES, 2011). No último item, identifico um conjunto de mobilizações e ações que esses movimentos sociais têm realizado no campo da denúncia e do monitoramento do “turismo sexual” e da exploração sexual de mulheres e meninas no Estado do Ceará.

Em função desses e demais desafios diante de um projeto político modernizante ancorado no desenvolvimento do turismo sol e mar e de massas, o FDZCC elaborou uma avaliação do papel dos organismos de financiamentos públicos e privados ao desenvolvimento do turismo, com as suas consequências, muitas vezes, negativas sobre a distribuição de renda, exclusão de mulheres e minorias e situação ambiental.

O estudo foi elaborado por muitas mãos e, além dos temas, como livre comércio, turismo e desenvolvimento, analisaram tendências e impactos de acordos de livre comércio na área de turismo sobre a vida de comunidades locais e o próprio desenvolvimento, um marco de avaliação do impacto do turismo dentro da Organização

Mundial de Comércio e do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços para países em desenvolvimento, nos setores econômico, social, político, ambiental e cultural.

O estudo apontou para um diagnóstico preocupante, no que tange à liberalização de serviços turísticos, combinado à desregulamentação do setor, perda da soberania dos países em desenvolvimento e aumento da concentração de capital.

Alguns exemplos: a apropriação de áreas específicas para a atividade (segregação socioespacial), a invasão de áreas protegidas (uso perdulário dos recursos naturais), a violência, o comprometimento da identidade e cultura local, alterações no padrão de consumo e os frágeis vínculos orgânicos entre os novos investidores e a sociedade local. Tudo foi gerado com base no desenvolvimento do turismo, que se iniciou com a chegada de pequenos grupos de turistas, e depois se massificou. Exemplos emblemáticos desse fenômeno no Rio Grande do Norte e no Ceará são as vilas de pescadores de Pipa, no Município de Tibau do Sul, Jericoacoara, no Município de Jijoca de Jericoacoara, e Canoa Quebrada, no Município de Aracati, que se transformaram em points internacionais do turismo globalizado e massificado.

3. ETNOTURISMO E ETNICIDADE: DOIS CAMPOS DE ESTUDOS