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Digressão histórica do conceito de turismo para contextualizar o surgimento do

2. O TURISMO ÉTNICO NO CEARÁ

2.3 Digressão histórica do conceito de turismo para contextualizar o surgimento do

Da segunda metade do século XX em diante, ocorreu vertiginoso aumento dos fluxos turísticos, pois, segundo a Organização Mundial do Turismo - OMT (2015), em 1950, cerca de 25 milhões de pessoas praticaram turismo internacional. De acordo com – o secretário-geral da Organização Mundial de Turismo (OMT), Zurab Pololikashvili 2017 – (EBC, 2018), esse número alcançou a impressionante marca de um bilhão e 322 milhões, o que representa um crescimento anual de 98,11% e aumento de 5.188% no período assinalado, ou seja, praticamente o fluxo dobrou ano após ano nesse período.

Esse impressionante crescimento do setor turístico coincidiu com o desenvolvimento, em escala mundial, da sociedade industrial, associada ao surgimento de uma sociedade de consumo de massa e, com ela, um “turismo de massas” ou um “turismo moderno” (ALMEIDA (1997; 1999; 2000; 2003a; 2006a; 2006a; 2011); RODRIGUES (1996; 1999; 2006); CRUZ (2002; 2003; 2007); BARRETTO (2003) E CORIOLANO (2006a; 2009)).

Depois do austríaco Schattenhofen, que cunhou o primeiro conceito de turismo, no ano 1911, surgiu 18 anos depois o entendimento de Schwink (1929), depois os de Glucksmann, Bormann, Stradner e Morgenroth (1930), todos eles vinculados à Escola de Economia de Berlim (FUSTER, 1974, p. 28). Em 1935, Glucksmann elaborou o conceito de turismo. Nos anos de 1940, afloram os conceitos de Michele Troisi (Itália), assim como os de Walter Hunziker e Kurt Krapf (Suíça) e Troisi (BARRETTO, 2003, pp. 10- 11). Em 1945, apareceu a conceituação de turismo da Organização das Nações Unidas – ONU, logo após a sua criação.

Em 1963, a ONU, por meio da União Internacional de Organizações Oficiais de Viagens – IUOTO, definiu turista como qualquer pessoa que visita um país que não o seu local normal de residência, por qualquer motivo, desde que não seja decorrente de uma ocupação remunerada dentro do país visitado.

Cuervo (1967) exprime no seu conceito que "[...] o turismo é um conjunto bem definido de relações, serviços e instalações que se geram em virtude de certos deslocamentos humanos" (P.29).

Em termos históricos, somente após os anos 1960, é que aparecem novas abordagens e métodos para se definir e estudar o turismo além das perspectivas econômicas, administrativas e geográficas. Com o advento das pesquisas voltadas à aplicação da Teoria dos Sistemas, o terreno de análise se ampliou para alcançar as questões de pesquisas vinculadas aos aspectos socioambientais e culturais do turismo. Com isso, foi possível estudar o turismo como um subsistema do sistema social.

Para Urry (1996), “[...] o processo de urbanização, a regularização do trabalho, com a conquista gradativa do tempo livre, a melhoria dos meios de transporte são alguns dos fatores básicos que contribuem para transformação do turismo em fenômeno de massa”.

Krippendorf (2003, p.47) identificou uma tendência geral das motivações das viagens, vinculada ao desejo “inevitável” de “fuga” das condições de vida, pois o “mundo do trabalho” industrial é um ambiente feio, desagradável, uniformizado e envenenado.

O turismo de massa passou a ser impulsionado pelo chamado Welfare State, nos países mais industrializados. Nesse período, houve uma expansão acelerada dos negócios turísticos, com o surgimento das grandes cadeias hoteleiras internacionais, os sistemas de reservas integrados, como o Galileo, que inicialmente foi propriedade da empresa Travelport e passou ser usado em 1971.

Dessa época em diante, multiplicaram-se as agências de viagem e as operadoras de turismo, que passaram a fazer uma segmentação dos serviços de acordo com os perfis dos grupos de turismo que iriam realizar a viagem. Grande parte do crescimento do turismo nesse período foi viabilizado pela criação de políticas de Estado, intervencionistas. As instituições públicas passaram a ter uma crescente participação na economia e desenvolver políticas sociais universalistas, arrimando-se nos princípios idealizados no ano de 1936 pelo economista inglês John M. Keynes.

Aparecem no período pós Segunda Guerra Mundial, um esforço de ampliação do processo de formação educacional em nível superior. Com a propaganda e o marketing que ressaltaram as belezas naturais, o patrimônio histórico e a diversidade cultural, aumentou na emergente classe média, com o interesse por viajar e conhecer outras culturas.

Por outra lado, surgiu das lutas dos trabalhadores organizados, assim como as novas legislações trabalhistas que a adotam, a semana, já em vigor na Inglaterra, de cinco dias de trabalho, com a redução da jornada para 40 horas semanais, a ampliação das coberturas sociais (aposentadoria, auxílio desemprego, invalidez etc.). Todas essas conquistas potencializam, em grande medida, maior tempo para momentos de ócio das classes laborais (porque esses estratos sempre tiveram muito tempo livre ao seu dispor) e o desenvolvimento em grande escala das cadeias de empreendimentos turísticos.

Com amparo nos estudos de Erik Cohen, vislumbram-se as diferenças entre os turistas e nativos e suas tipologias. Cohen (1974) descreveu o turista como “[...] a voluntary, temporary, traveller, travelling in the expectation of pleasure from the novelty and change experience on a relatively long and non-recurrent round trip” (1974, p. 533), introduzindo as noções de “expectativa”, “prazer”, “novidade” e “experiência”.

Em 1973, Fuster escreveu o artigo “El tiempo libre en las urbanizaciones turísticas”, onde aborda a formação das zonas urbanísticas de acordo com seu uso preponderante, como residenciais, hotéis, comerciais, esportivo-recreativas, serviços etc., “[...] rodeadas y penetradas por zonas verdes, viales, aparcamientos y espacios libres públicos y privados”. (P. 197).

A OMT assim definiu o turismo: “O turismo compreende as atividades realizadas pelas pessoas durante suas viagens e estadias em lugares diferentes de seu entorno habitual, por um período de tempo consecutivo inferior a um ano, tendo em vista lazer, negócios ou outros motivos”. (1995b, p. 1).

Acerenza (2002, p. 96) mostra o turismo como um fenômeno social que se desenvolveu com a humanidade. A “industrialização”, as “aglomerações humanas” e a “psicologia da vida quotidiana” originam o fenômeno, que se amplia pelo “[...] desenvolvimento das comunicações e do transporte, pelo aumento do nível de vida da sociedade, pela disponibilidade de tempo livre e pela conquista paulatina das férias pagas”.

Nas últimas três décadas, incorporou-se a dimensão ambiental em virtude da importância que a ecologia alcança na contemporaneidade, marcada por crescentes desastres ambientais que assolam grandes extensões e regiões do Planeta, além do que a sociedade civil planetária pressionou os governos e a ONU promoveu três conferências mundiais para discutir a questão ambiental e do desenvolvimento, em Estocolmo, no ano de 1972, e no Rio de Janeiro, em 1992 e 2012.

Desse modo, o turismo passou a adotar o tripé do desenvolvimento sustentável – justiça social, eficiência econômica e prudência ecológica – haja vista a existência dessa atividade em quase todos os países, por isso não poderia deixar de estar incluída nesse novo paradigma de desenvolvimento, que será explorado em outros capítulos deste estudo.

Em razão dessa exigência internacional pela adoção de práticas turísticas sustentáveis, a OMT (2003, p. 35), baseando-se no Relatório Brundtland de 1987, elaborou uma definição acerca da atividade turística sustentável como aquela que tem uma preocupação com o atendimento das necessidades econômicas, sociais e estéticas, atuais e futuras, dos turistas e das regiões receptoras, sem abandonar “[...] a manutenção da integridade cultural, dos processos ecológicos essenciais, da diversidade ecológica e dos sistemas que garantem a vida”.

Também, em alguns casos, enseja outros benefícios ligados à conservação natural (criação de parques e reservas), cultural (proteção de monumentos e sítios históricos) e à melhoria da qualidade ambiental com o estabelecimento de padrões adequados de planejamento. Nem sempre, entretanto, estes potenciais benefícios são observados nos destinos receptores, pois a lógica capitalista desconsidera importantes impactos em todos estes aspectos, como a modificação de usos e costumes locais; a estagnação ou a eliminação de atividades tradicionais (pesca, extração etc.); dependência econômica; degradação da natureza e desconsideração da cultura de comunidades receptoras (BOULLÓN, 1995).

Com efeito, o turismo sustentável conceitualmente é uma maneira de praticar o turismo que leva em conta as necessidades das localidades e dos turistas, de maneira que não comprometa a qualidade de vida da população, compreendendo os sistemas sociais, culturais e econômicos e protegendo o meio ambiente para as próximas gerações.

No final dos anos 1980, estudiosos do turismo elaboraram problematizações acerca dos efeitos negativos que as atividades turísticas causavam em diversos meandros das comunidades anfitriãs, alterando seu modo de vida, os comportamentos, as tradições e as estruturas sociais dos destinos turísticos dessas populações receptoras e dos turistas (SILVEIRA, 2005). Tais efeitos foram gerados “[...] pela exploração com pouco controle, que revelou a falta de cuidados, de práticas adequadas, assim como de planejamento quanto às consequências futuras de um turismo insustentável” BENI (2006, p. 62).

Para a ONG WWF, maior preocupação socioambiental, associada ao crescimento acelerado do turismo, se tornou importante e fundamental em função dos riscos inerentes à atividade, pois

O desenvolvimento desse mercado, inserido principalmente em locais de interesse cênico e tendo como base recursos naturais de alta biodiversidade, tais como a Amazônia, o Pantanal, o Cerrado, a Mata Atlântica e a costa litorânea, tem trazido preocupações aos governos locais, às comunidades anfitriãs e às organizações conservacionistas por colocar em risco áreas naturais, protegidas ou não, de riquezas imensuráveis, assim como importantes patrimônios histórico-culturais. (2003, p.9).

Os condicionantes socioambientais de determinados processos de “turistificação” em regiões de “alta biodiversidade”, incluindo-se a costa litorânea brasileira (e, nesse caso, se colocaram o Ceará e o Município de Aquiraz) são muito importantes de serem observados, sob pena de se inviabilizarem essas iniciativas no futuro, por comprometerem essas riquezas naturais e histórico-culturais.

Em meio ao crescimento e hegemonização econômica e política do turismo massivo, outras modalidades começaram a surgir como opções que fortalecem novas modalidades de se planejar e gestar o desenvolvimento socioeconômico, todavia, sendo expressas no mais estrito respeito aos conteúdos e singularidades culturais, voltadas para o empoderamento das comunidades possuidoras de singularidades, com potencial para receber visitantes, e organizações interessadas em fortalecer as lutas de resistências e defesa dos seus territórios e que queiram vivenciar momentos de contato direto com a comunidade.

Na contramão da “turistificação” massiva, assentada, prioritariamente na atração de turistas estrangeiros, sem regras e nem controle da população local, outras

comunidades compreenderam que o turismo poderia ser uma atividade importante, porém sem promover a substituição ou desvalorização das atividades econômicas em curso nessas localidades.

Essa nova modalidade turística está focada no desenvolvimento endógeno (CORIOLANO, 2009, MALDONADO, 2009) com a ampla participação comunitária. O Turismo de Base Comunitária (TBC) surgiu de um processo de resistências às violações dos direitos dos povos esquecidos e isolados das relações com ao grau de investimentos e políticas voltadas às áreas urbanas, para alcançarem melhorias nas condições de vida dos moradores do lugar. O elemento principal da atividade turística é a sua integração às vivências rotineiras às atividades cotidianas da comunidade.

Esse eixo de turismo, que é aquele não oligopolizado (ou seja, dominado por poucas e grandes empresas), não colonizado (ou seja, a concepção, planejamento e direção dos processos não vêm de “fora” das comunidades), de base local, pois se articula aos arranjos produtivos de base comunitária em cada localidade. (Essa discussão sobre o TBC será retomada no capítulo 3).

Algumas dessas áreas têm atraído turistas e visitantes não indígenas interessados em conhecer seus hábitos, costumes e tradições, e interagir com os moradores dessas TIs. Com isso, há uma premente necessidade de se “[...] resgatar a plena historicidade dos sujeitos históricos” concretos em cada contexto e situação política (OLIVEIRA FILHO, 1999a, pp.105-106).