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Quadro geral dos estudos sobre etnoturismo e turismo comunitário

3. ETNOTURISMO E ETNICIDADE: DOIS CAMPOS DE ESTUDOS

3.1 Quadro geral dos estudos sobre etnoturismo e turismo comunitário

Os índios Jenipapo-Kanindé não vivem à parte da sociedade nacional, sobretudo porque residem em um município inserido em uma RMF, que já abriga mais de quatro milhões de habitantes (segundo estimativa do IBGE, de agosto de 2017) e se localiza a 50 km da Capital do Ceará. O turismo não poderia ficar de fora dessa conurbação, em que há o conflito permanente de interesses mediante surgimento de grandes projetos institucionalizados, ou com procedência nos interesses de outros agentes que tentam impor o turismo nas terras indígenas por meio dos projetos globalizantes.

Levantarei um estado da arte a respeito dos estudos na configuração de teses, dissertações e pesquisas acadêmicas sobre turismo, realizadas em aldeias indígenas nos últimos anos e os quais serão decisivos para a melhor condução da pesquisa em curso.

Em termos de revisão da literatura mais recente sobre o tema etnoturismo, o primeiro estudo foi realizado em 1990, por parte de Rodrigo Azevedo Grünewald, sobre a Mata da Junqueira, no extremo sul da Bahia, região onde ele continua a realizar mais estudos. Em termos de análise mais detalhada, no entanto – e para mim será o principal estudo que referencio – está o texto “Os ‘Índios do Descobrimento’: tradição e turismo”, tese de doutorado de Rodrigo de Azeredo Grünewald, no Programa de Pós-graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no ano de 1999. O foco da pesquisa de Grünewald recaiu sobre o que ele chamou de

[...] “situação histórica” de uma unidade social composta de índios e brancos no litoral do Extremo Sul Baiano, situação esta que se caracterizaria por uma experiência indígena face ao intenso turismo na região Por experiência indígena, não me referia exclusivamente à venda do artesanato, e a outras “tradições inventadas”, mas a toda uma conjuntura política, econômica e de idéias presente na interação em destaque. A idéia básica era a de fornecer uma interpretação do quadro das relações interétnicas no Extremo Sul Baiano a partir de uma práxis Pataxó. (P. 11).

E complementou, nos seguintes termos:

Afora o processo de constituição do grupo — e uma percepção histórica também da sociedade envolvente no litoral do Extremo Sul Baiano —, lidar com sua etnicidade apenas como uma classificação nós/eles montada com a finalidade mesmo de identificação, não me parecia suficiente para dar conta do objeto que estabelecia em toda sua abrangência. Ao salientar a necessidade de se repensar conceitos para lidar com uma conjuntura onde a interação social extrapola em muito qualquer situação de simples dicotomia étnica, ressaltava, além disso, a escassez de trabalhos acadêmicos destacando o impacto do turismo sobre populações indígenas no Brasil, em especial numa arena turística onde também se pretende comemorar os 500 anos de Brasil. A realização deste

projeto pretendia assim preencher uma lacuna que os antropólogos que trabalham com povos indígenas sob o prisma das relações interétnicas estavam deixando em aberto. (Pp. 11-12)

Em outro trabalho escrito por Grünewald (2003ª), o autor apontou aspectos relacionados à abordagem do turismo étnico, quando se baseou em Dean MacCannell (1992d) para refletir sobre algumas dificuldades encontradas na práticaetnoturística:

turismo étnico é especialmente vulnerável a uma forma de desordem social. Grupos étnicos turistificados são freqüentemente enfraquecidos por uma história de exploração […], limitados em recursos e poder, e eles não têm grandes prédios, máquinas, monumentos ou maravilhas naturais para desviar a atenção dos turistas para longe dos detalhes íntimos de suas vidas diárias (MACCANNELL, 1992d, p.175-176, apud GRÜNEWALD, 2003a, p. 50).

Por outro lado Grünewald (2003a) mostra a possibilidade de autoafirmação de grupo étnico por meio do etnoturismo, quando faz a seguinte afirmação:

as arenas turísticas podem ser muito bem aproveitadas para o posicionamento (discursivo) das comunidades étnicas no mundo globalizado. Essas comunidades acabam muitas vezes por fazer dessas arenas os pontos de onde conseguem falar de si ao mundo, um mundo pós-moderno que necessita cada vez mais do primitivo como contraponto estratégico. (P. 155).

Neste caso, vale ressaltar que, quando o autor se reporta a “arenas turísticas”, ele se refere à comunidade tradicional em um contexto onde há toda uma criação, uma reinvenção e, de certo modo, uma valorização da cultura local para ser mostrada ao turista, mas não somente para ele, pois ela serve para fortalecer a identidade coletiva. O autor cita que o fato de a cultura local ser trabalhada como um produto pode ser um aspecto relevante para o resgate dessa cultura.

A construção, promoção ou fortalecimento de sinais diacríticos que caracterizam (que definem culturalmente) um povo é o próprio âmbito da etnicidade. Mas note-se que essa etnicidade não se refere estritamente à etnicidade clássica colonial, ou seja, não estou aqui me referindo só a grupos de nativos, mas a diversas formas de construção de fronteiras de grupos sociais que se fixam em linhas étnicas. Trata-se, conforme perspectiva de Hall (1991a, 1991b), não mais de etnicidades acionadas contra o imperialismo colonial, mas de “nova etnicidades” que, sem negar essa primeira forma de alinhamento, emergem de forma fragmentária, com segmentações internas e, em muitos casos, não conseguindo operar como totalidades. São movimentos localizados de emergência de novos sujeitos sociais, novas etnicidades, novas comunidades em posições subalternas que tentam falar de si mesmos contra o mundo anônimo e impessoal das forças globalizadas presentes na diversidade do mundo pós-moderno. (P. 157)

Complementando essa análise, Grünewald (2001a, p. 133) ressalta em sua pesquisa de doutorado, realizada especificamente com os Pataxó de Coroa Vermelha, que o turismo tem um forte potencial para preservar e valorizar o patrimônio cultural indígena, pois,

Em vez de o turismo agir de modo degradante sobre a cultura indígena, age de modo contrário, fazendo os pataxós emergir de forma diferenciada na região, e proporcionando, mesmo que indiretamente, uma produção cultural indígena recente e instrumental, que visa à construção de traços culturais constituinte da identidade étnica e que os mostra não como índios aculturados, mas como sujeitos criativos e inventivos que geram sua própria cultura com base em elementos seletivamente acionados e articulados a partir de origens diversas. Diante do exposto, abre-se um campo de possibilidades para pensar que nos olhares de alguns turistas está o padrão do “índio ideal”, que são reconhecidos como sujeitos importantes por alguns turistas que visitam a localidade. Têm-se, portanto, uma oportunidade para a identidade ancestral indígena tornar-se resignificada, apresentando-se como um produto turístico. (2001a, p. 133). As identidades se constituem, ainda, como resultado de uma relação de força entre as representações impostas pelos que têm o poder de classificar e de nomear e a definição, de aceitação ou de resistência, que cada comunidade produz de si mesma. Os Estudos Culturais, assim como a Análise do Discurso, encaram o sujeito numa mesma perspectiva, tratando-o não na esfera do individual, como um ser empírico, mas como um ser social, um “ser do discurso”, constitutivamente disperso, fragmentado, múltiplo, assim como suas identidades. Não há identidade sem sujeito e também não existe sujeito sem discurso (HALL, 2005).

Inicia sinalizando as concepções de identidade que permeiam o sujeito desde o Iluminismo. Em seus estudos, Stuart Hall, na obra Identidade Cultural na Pós- Modernidade (2005), distingue três concepções de identidade do ser humano: o “[...] sujeito do Iluminismo”, que é o indivíduo centrado e dotado de capacidades de razão; o “[...] sujeito sociológico”, presente no mundo moderno e que não é independente, uma vez que se forma pela relação que estabelece com os outros; e o “[...] sujeito pós- moderno”. Já Zigmunt Bauman (1998) opta pelo conceito de sociedade “pós-moderna”, o qual não possui uma identidade fixa, promovendo assim esse debate em torno da crise de identidade.

Tendo em vista a distinção expressas nessas concepções de identidade, o autor aponta a mudança ocorrida, intrinsecamente vinculada à questão da identidade do sujeito. Baseado na compreensão de muitos autores, Stuart Hall (2005) contextualiza seu entendimento de sociedade moderna e das sociedades da chamada “Modernidade tardia”,

ou seja, aquelas sociedades que seguiram o caminho da sociedade moderna ocidental constituída na Europa, difundida mundialmente pelo colonialismo, o imperialismo e o capitalismo.

Propus-me pensar as culturas dos povos e as identidades étnicas por outra perspectiva. Da mesma maneira como Canclini (1998), ao se reportar ao hibridismo e ao dinamismo cultural, Hall também não acredita em identidades fixas, pois, na sociedade pós-moderna, a pessoa já se mostra descentrada, o que resultou na superposição de várias identidades possíveis (sejam elas abertas, contraditórias, inacabadas ou fragmentadas). O autor acentua que a identidade é mais um conceito estratégico, um posicionamento, não se constituindo, portanto, como um conceito de natureza essencialista, pois

Essa concepção aceita que as identidades não são nunca unificadas; que elas são, na modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas; que elas não são, nunca, singulares, mas multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou ser antagônicos. As identidades estão sujeitas a uma historicização radical, estando constantemente em processo de mudança e transformação. (HALL, 2009, p. 108).

Na contemporaneidade, Hall e Bauman asseveram que não existe uma identidade fixa, essencial ou permanente, mas sim identidade reformada e transformada de modo contínuo, que recebe a influência dos formatos como é representada ou interpretada nos e pelos distintos sistemas culturais de que toma parte. A visão de sujeito assume contornos históricos e não biológicos, e o sujeito adere a identidades diversas em variados contextos, que são, via de regra, contraditórias, impulsionando suas ações em inúmeras direções, de modo que suas identificações são continuamente deslocadas.

[...] a ‘identidade’ só nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto; como alvo de um esforço, ‘um objetivo’; como uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais — mesmo que, para que essa luta seja vitoriosa, a verdade sobre a condição precária e eternamente inconclusa da identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida e laboriosamente oculta. (BAUMAN, 2005, p. 22).

Ante a multiplicidade de significações e representações sobre o que os sujeitos contemporâneos, como os índios, se confrontam com inúmeras e cambiantes identidades que com eles interagem e são possíveis de se identificar nas aldeias, algumas identidades cambiantes até surgem, ficam por um tempo e desaparecem, ou se ressignificam, como é o caso de alguns jovens indígenas que se identificaram com jogadores de futebol,

“fanqueiros” e artistas de novelas. Logo, o sujeito “pós-moderno” se caracteriza pela mudança, a diferença, a inconstância, ao passo que as identidades permanecem abertas.

Essa visão de sujeito cheia de incerteza de imprevisibilidade resulta do deslocamento constante. Como ensina Hall (2003), ela tem características positivas, pois se, de um lado, desestabiliza identidades estáveis do passado, de outro, abre-se a possibilidade de desenvolvimento de outros sujeitos. Em outra obra, quando rediscute o conceito de identidade na contemporaneidade, Hall (2009), assim o reelaborou:

O conceito de identidade aqui desenvolvido não é, portanto, um conceito essencialista, mas um conceito estratégico e posicional. [...] Essa concepção aceita que as identidades não são nunca unificadas; que elas são, na modernidade tardia, cada vez mais fragmentadas e fraturadas; que elas não são, nunca, singulares, mas multiplamente construídas ao longo de discursos, práticas e posições que podem se cruzar ou ser antagônicos. As identidades estão sujeitas a uma historicização radical, estando constantemente em processo de mudança e transformação. (P. 108).

A relação entre essas sociedades e a questão da identidade constiuída pelo autor torna-se interessante e provocativa, uma vez que exprime as descontinuidades da sociedade moderna e as distintas posições de sujeito que a pessoa transporta consigo na Modernidade tardia, ocasionando essa crise de identidade com as múltiplas identidades da pós-modernidade.

O que se verifica é que a identidade só pode ser evocada no plano do discurso e surge como recurso para criação de um nós coletivo (nós índio, nós mulheres, nós negros, nós homossexuais). Este nós se refere a uma identidade (igualdade) que, efetivamente, nunca se verifica, mas que é um recurso indispensável do nosso sistema de representações.

Indispensável porque é a partir da descoberta e reafirmação – ou mesmo criação cultural – de suas semelhanças que um grupo qualquer, numa situação de confronto e de minoria, terá condições de reivindicar para si um espaço social e político de atuação. (NOVAES, 1993, p. 24).

Nos últimos 30 anos, aconteceu no Ceará uma negação desse processo de perda da identidade indígena e a situação virou o oposto disso. Segundo Oliveira Filho (1999a) a emergência histórica de um povo autodefinido em relação a uma herança sociocultural, com suporte na reelaboração de símbolos e reinvenção de tradições culturais, muitas das quais foram apropriadas da colonização e relidas pelos novos horizontes indígenas em lutas autoafirmativas. O Ceará já totalizou a existência de 14 etnias indígenas reconhecidas pela FUNAI, mas para o movimento indígena são 18 e com possiblidade de aumentar.

Sendo assim, cabe aqui fazer uma observação: existem comunidades tradicionais que vivem fortemente influenciadas pelos fluxos de ideias translocais, que, mesmo

resguardando alguns aspectos da cultura tradicional, ainda assim, essas comunidades tendem a viver menos as suas experiências tradicionais ou “autênticas” – tema também abordado por Grünewald (2001a) – quando ele defende a autenticidadecomo sendo, ao mesmo tempo, subjetiva e generalizada pelos turistas em qualquer lugar e tipo de contato que tenham (ou não tenham diretamente) ou visitem, pois, desde que se saia do seu cotidiano de vida, tudo é experimentado autenticamente, mesmo que essa visita implique impactos sociais, culturais e econômicos adversos (questões essas que não foram exploradas pelo autor). Para ele,

[...] a questão da autenticidade não merece atenção se, em seu desenvolvimento, qualifica as contradições culturais modernas em autênticas ou falsas. A questão, no entanto, existe na percepção antropológica, inclusive por se fazer presente entre os atores sociais. Se sou favorável à perspectiva de que toda experiência cultural é autêntica, isso deve ser examinado através do discurso dos atores sociais concretos, ou seja, pela forma como é percebida por eles...[com relação aos turistas]...isso não significa necessariamente que os turistas estão se perguntando sobre a autenticidade de suas experiências, as quais ao meu ver são sempre autênticas, pois são experiências turísticas, não importando se um elemento cultural foi construído exclusivamente para a encenação em uma arena turística ou se é imemorialmente tradicional e incorporado ao mercado turístico como mais uma atração: importante é que faz parte da experiência. (GRÜNEWALD, 2001a, pp. 33-34).

Este é o caso da Aldeia Potiguara de Tramatáia. De tal modo, acredita-se que o etnoturismo seja a alternativa, não só econômica, mas também de valorização da própria cultura, na medida em que a comunidade local tenderá e se preocupar com os acontecimentos, fatos históricos, culinária, artesanato, e seus mais antigos costumes.

Outra tese importante e recente que discute o tema e lança outras perspectivas é intitulada de A (re)tradicionalização dos territórios indígenas pelo turismo: um estudo comparativo entre os Kadiwéu (Mato Grosso do Sul – Brasil) e Māori (Ilha Norte – Nova Zelândia), (JESUS, 2012), de autoria de Djanires Lageano de Jesus, que utilizou como campo de análise a realidade observável da comunidade indígena Kadiwéu, em Mato Grosso do Sul, e do povo Māori, da Ilha Norte da Nova Zelândia, Esse ensaio vai em outra direção do que enfocou Rodrigo Grünewald. Ela constatou que, na área indígena localizada no Mato Grosso do Sul, as interferências não se esgotavam apenas no viés ambiental e cultural, mas também pelo próprio processo de exclusão socioespacial.

No foco principal surge a emergência de outros sujeitos, novas etnicidades e comunidades que, assim como os Kadiwéu e os Māori (assim como os Jenipapo- Kanindé), frequentemente por via de meios marginalizados e invisibilizados pelos grandes veículos de comunicação, tentam falar de si mesmos contra o mundo anônimo da

dominação sem sujeito do capital e da impessoalidade das forças hegemônicas da mundialização do capital, que se apresentam na diversidade do mundo dito “pós- moderno”. A etnicidade aí é o lugar ou o espaço necessário com origem no qual as pessoas falam de si para as outras e estas as reconhecem, apesar da mistura com outros povos, como aconteceu ao longo do cinco séculos de contato com culturas diferentes.

Jesus (2012) formulou uma conceituação bem ampla sobre turismo indígena: O turismo indígena pode ser compreendido como um segmento da atividade turística que é desenvolvido dentro ou fora dos territórios tradicionais, segmento este que fomenta ações de base comunitária abarcando em sua essência a conservação e sustentabilidade sociocultural e ambiental, bem como a revitalização de modos de vida tradicional coesos com a realidade de vida atual, além da geração de renda para a própria comunidade envolvida. Para sua composição a comunidade indígena decidirá as ações a serem desenvolvidas e posteriormente articuladas com os agentes de fomento do turismo (P.78). Essa definição de Jesus (2012) tem pontos que convergem para o que estou identificando na aldeia Lagoa Encantada como o fomento de ações de base comunitária, conservação e sustentabilidade sociocultural, articulação com agente de fomento, decisão feita pela comunidade, e divergente é a realização do turismo indígena fora dos territórios dos índios, e também o feito de se referir à condição de segmento próprio ou vinculado a outros segmentos parecidos.

Os elementos de análise do estudo de Jesus (2012), guardadas as devidas especificidades, são os mesmos do etnoturismo desenvolvido pelos Jenipapo-Kanindé, que são: a experiência turística evidencia processos de (re)tradicionalização; as interferências não se esgotavam apenas no viés ambiental e cultural, mas também pelo próprio processo de exclusão socioespacial; o processo de constituição do turismo indígena produz uma relação dialética no campo cultural (intensificação na degradação, massificação e homogeneização cultural, com promoção da manutenção e a revitalização da cultura indígena?); os fatores internos e externos influenciam na transformação, dando novo impulso à tradição e ao seu poder simbólico, ou seja, compreender as dinâmicas internas e externas do processo de “turistificação”. Algumas questões Lageano de Jesus (2012) considerou como “suleadoras” (FREIRE, 2005c) para a pesquisa, entre elas, analisar em que medida as culturas indígenas Kadiwéu e Māori “perdem” “autenticidade” e “tradicionalidade” (segundo a autora que buscou sustentar seus argumentos na suposição que existem hierarquização e subsunção estática à lógica dos fluxos transculturais hegemonistas do capital comandado pelos vetores do Norte mundial em relação ao Sul mundial), A autora entendeu que as transformações recebidas pelas duas culturas indígenas foram provocadas pela atividade turística, e, de outro modo, o turismo

também favorece as práticas culturais familiares e sociais da comunidade indígena na produção e transformação do espaço.

Com esteio nesses pressupostos, a pesquisa de Lageano de Jesus identificando como as mudanças desencadeadas pela atividade turística podem manter e/ou modificar as relações socioespaciais erigidas historicamente pelas comunidades indígenas, localizadas em distintas unidades espaciais.

Dimensionar e avaliar as interferências diretas que o turismo indígena pode provocar nos núcleos tradicionais é uma questão basilar para a constituição de uma atividade que valorize o espaço utilizado como reprodução cultural. A atividade turística possibilita ações de planejamento em longo prazo, com propostas de capacidade de suporte, conservação e revitalização da cultura. Por outro lado, também potencializa o turismo de massa, com forte apelo para o lucro fácil, que visa a resultados imediatistas, principalmente quando o fenômeno do turismo é tratado como slogan e apresenta-se como “solução” para a geração de empregos, ignorando-se, todavia os investimentos necessários para sua sobrevivência e manutenção. (2012, p. 2).

Referência teórica indispensável em quaisquer análises sobre natureza e cultura e seus processos históricos específicos de apropriação nas diferentes sociedades e culturas a elas vinculadas é a obra As Estruturas Elementares do Parentesco, de Lévi-Strauss (1982), em especial o capítulo 1 – Natureza e Cultura. Uma abordagem significante de sua análise se encontra nessa passagem:

Freqüentemente o estímulo físico-biológico e o estímulo psicossocial despertam reações do mesmo tipo, sendo possível perguntar, como já fazia Locke, se o medo da criança na escuridão explica-se como manifestação de sua natureza animal ou como resultado das histórias contada pela ama[2]. Mais ainda, na maioria dos casos, as causas não são realmente distintas e a resposta do sujeito constitui verdadeira integração das fontes biológicas e das fontes de seu comportamento. Assim, é o que se verifica na atitude da mãe com relação ao filho ou nas emoções complexas do espectador de uma parada militar. É que a cultura não pode ser considerada nem simplesmente justaposta nem simplesmente superposta à vida. Em certo sentido substitui-se à vida, e em