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CAPÍTULO II O tráfico de drogas pela lente da produção jornalística 2.1 Moralidade no discurso

A GUERRA NA ROCINHA

3.2 Jornais estudados

3.3.4 Diário de Notícias

O primeiro número do Diário de Notícias foi publicado em 29 de dezembro de 1864. As atividades do Diário de Notícia se iniciam em um momento de transição da imprensa portuguesa, quando o movimento jornalístico se intensifica, com o nascimento de meia centena de periódicos e há a diversificação de gêneros (Sousa, 2002; Tengarrinha, 2013, p.848 – 849). Marcou e consolidou o modelo industrial de imprensa que vigorou até o Século XX e contribuiu para a profissionalização do jornalismo. O primeiro número do Diário de Notícias - também chamado número-programa - foi publicado em 29 de de- zembro de 1864, sob a orientação de Eduardo Coelho (Sousa, 2008). É um jornal que nasce sob a égide da Regeneração, essencialmente noticioso e que colhe o abrandamento da tensão das lutas de facções, tendo, assim, a possibilidade de manter-se distante das parcialidades, elementos necessários para o embasamento do periódico como um negócio abrangido pelas leis do capitalismo: impressão em larga escala, preço baixo e subsídios advindos de anunciantes (Tengarrinha, 2013, pp. 849-850). É o que Garcia (2010, p.34) classifica como avanço para o capitalismo informativo, fruto da teoria liberal em que a informação e atualidade assumem o terreno da comunicação.

A apresentação do Diário de Notícias já começava destacada em relação aos demais pe- riódicos da época na oferta de conteúdos e na diagramação (Sousa, 2008, p.17). Até o início das atividades do jornal, a imprensa portuguesa já havia conseguido sanar os pro- blemas em acompanhar a evolução tipográfica dos Estados Unidos e demais países euro- peus. Começava, também, a agregar a gravura, a fotografia e apresentar soluções para o porte (Tengarrinha, 2013, pp.851-866). E Garcia (2010) destaca outro importante contri- buto, o telégrafo, que representou um salto para o negócio informativo. Traquina (2002, p.38) lembra que o telégrafo acelerou a ligação do jornalismo à atualidade, permitiu que os jornais funcionassem em tempo real, ajudou na formação de uma rede de produção de informações e introduziu alterações na escrita da notícia. Assim, chegava ao público o que Sousa (2008) classificou como um jornal diferenciado, com estilo claro, conciso e simples; paginado em quatro colunas, recheado de conteúdos noticiosos e interclassista – assinado pela Família Real e o povo comum. O autor também aponta que havia clara estratégia comercial, com a venda de assinaturas e anúncios. Esse ponto e a oferta para o

público de conteúdo eminentemente informativo influenciou diretamente a imprensa na época.

Esta renovada e contemporânea perspectiva do jornalismo noticioso, generalista, que se propunha ser neutro, ético (separando o público do privado), independente e o mais verdadeiro possível (consciência dos limites) dirigido a toda a população, encarado essencialmente como negócio, de resto, claras aos olhos dos investidores no projeto (...) Após a aparição do Diário de Notícias, a in- tenção comercial do jornalismo voltado para o negócio e não para a política, a ambição informati- va da imprensa alastraram-se (...). Revela-se a intenção da factualidade e objetividade. Consoli- dou-se um fluxo internacional de informações espalhadas em todos os pontos do território (Sou- sa, 2008, pp. 17-21).

E não foi coincidência o Diário de Notícias ser divisor de águas na imprensa portuguesa, que passava à era industrial do jornalismo. O periódico teve como fundador Eduardo Coelho (1835 - 1889), tipógrafo, mas já familiarizado com os trabalhos jornalísticos, ab- sorveu o momento de busca da imprensa e da sociedade portuguesa pela imparcialidade, independência e acessibilidade que o periódico viria a oferecer (Tengarrinha, 2013, p.874). Conforme Sousa (2008; 2011), a tipografia permitiu a Eduardo Coelho conviver com jornalistas, escritores e políticos, situação típica e que, no caso dele, ocorreu por conta da decisão do pai, João Gaspar Coelho, fundar em 1844 uma tipografia em Coim- bra. As muitas experiências que viria a ter a partir da tipografia ajudaram a moldar o que viria a ser o Diário de Notícias, do qual foi diretor até a morte, em 14 de maio de 1889.

Por meio do Diário de Notícias, o público começou a conhecer um novo modelo de jor- nalismo, com informação precisa e fornecida em pontos distribuídos pelo país. Também chegavam os folhetins – sendo o primeiro de Eça de Queiróz - e anúncios a preços popu- lares e que contribuíram para o sucesso da publicação. A popularização dos anúncios foi fundamental para o surgimento das empresas especializadas em publicidade. Figurou, ainda, como alternativa a rapazes pobres que passaram a vender jornais e, assim, conse- guiam fugir da miséria (Sousa, 2011). Desde o início das atividades, o periódico separara os setores administrativo e da redação, ficando o primeiro sob a responsabilidade de Thomaz Quirino Antunes e o segundo a cargo de Eduardo Coelho. Também já apareciam divididos no primeiro ano de funcionamento, os responsáveis pelas sessões (Miranda, 2007, p.1517).

Após ser vendido para um consórcio financeiro, o periódico sofreria mudanças na estru- tura administrativa a partir de 1919. Novos cargos foram criados, os serviços foram des-

centralizados e a hierarquia passava a priorizar de maneira diferenciada a redação e, por consequência, a informação, ganhando destaque também a figura do redator (Miranda, 2007; p.1521). Embora tenha ocorrido a venda, o Diário de Notícias consegue manter a essência dos fundadores e mantém a independência política. O cenário muda no período do Estado Novo (1926 - 1974), quando António Ferro publica uma série de entrevistas com Oliveira Salazar (1889 - 1970), Benito Mussolini (1883 - 1945) e Adolf Hitler (1889 - 1945). No período imediatamente subsequente à Revolução de Abril, houve intenso movimento interno para afastar diretores que colaboraram com o regime salazarista. O diário ainda não consegue ficar ausente das disputas políticas, com jornalistas e equipe de apoio em tensões marcadas pelo debate partidário e panfletário. Para inverter a situação, parte da redação foi demitida e a busca pelas raízes do jornal isento permaneceu (Gomes, 2012, p.380).

No atual estatuto editorial, o Diário de Notícias pouco louva o fato de ser centenário. Pertence ao conglomerado Global Media Group, em conjunto com outras 18 publicações, de jornais a revistas. As normas estão na manutenção do jornalismo como bem público, na observação à Constituição da República Portuguesa, ao Código Deontológico e no respeito ao cidadão. Refuta a censura e enfatiza dar destaque à diferença entre fatos e opiniões, sendo os primeiros “sagrados” e as segundas livres. Também deixa claro ser um periódico de opinião própria, destinando para tal o espaço editorial. Como forma de não apagar, mas tentar deixar de repetir as páginas do passado, o jornal estabelece as frontei- ras ao que classifica como apriorismos ideológicos147.

Se de um lado o Diário de Notícias investia na manutenção da visão autossuficiente, de outro precisava sobreviver como periódico. Para isso, implantou em 2018 a mais drástica mudança editorial desde a fundação, migrando para o formato digital e mantendo apenas a edição de domingo impressa. Da exclusividade do papel à tela do computador e ao aplicativo para telemóveis, o periódico, antes diário, passou a ser denominado semanal. Quatro revistas também foram incluídas: Ócio - revista lifestyle, luxo e coisas boas da vida, publicada na primeira semana de cada mês; Evasões 360º - com viagens, os percur- sos e o melhor de Portugal; Life - Uma revista dedicada ao lado mais íntimo da vida. Família, saúde, educação, psicologia, sexo, relações e a Insider - tecnologia e digital,

novidades e internet off numa revista coordenada pelo Dinheiro Vivo. Sobre a nova con- figuração, o chairman do Global Media Group, Daniel Proença de Carvalho, apontou ser esta uma forma de “se adaptar à evolução da sociedade que a tecnologia digital proporci- onou”.

Mais ainda, foi uma forma de evitar ter igual destino de outros periódicos, que aos pou- cos deixaram de existir diante das mudanças da perspectiva na comunicação, traduzidas tão somente pela baixa tiragem. No caso particular do Diário de Notícias, dados da As- sociação Portuguesa para o Controlo da Tiragem apontam queda de 24,47% na tiragem e 18,57% na circulação no comparativo entre o primeiro bimestre de 2015 e o primeiro bimestre de 2018. No primeiro período aqui identificado, a tiragem verificada foi de 28.600 exemplares e a circulação chegou a 16.023. Já no segundo período descrito, a entidade verificou no Diário de Notícias tiragem de 21.602 e circulação de 13.348148. Nas palavras de Ferreira Fernandes, que abriu o editorial do dia 1 de julho de 2018 para explicitar os porquês das mudanças no periódico, o foco e o desafio continuavam a ser chegar ao leitor, desta vez em um momento de nova invertida na forma de receber a in- formação.

Hoje começa uma mudança no Diário de Notícias. O seu jornal centenário tem agora nova vida digital e em papel. Continua o Diário de Notícias, como desde o primeiro número a 153 anos, a ser acessível a todas as bolsas e inteligências, como escreveu Eduardo Coelho, o nosso fundador? Talvez nenhum jornal consiga sê-lo hoje em dia. Há tantas fontes de informação, tanta cacofonia de textos, sons e imagens. É também por isso que o jornal que tem na mão existe. Porque tendo o DN passado a sua edição diária exclusivamente para o digital, mantém-na ao domingo, em papel. Domingo é dia de leitura mais prolongada, de encontrar uma boa história, de tempo para ser curio- so e perguntar: sabia que? E também dia de olhar para a atualidade com reco e análise. E é assim este jornal hoje. O novo DN, com grafismo renovado e novas secções. Para o dia-a-dia das notí- cias, para o corrupio de informação, para as notícias, as investigações, as novidades, para tudo isso já se sabe que conta com o nosso site em dn.pt. E com a edição diária, no mesmo local, ou subs- crevendo a nossa newsletter que sai às sete da manha todos os dias. Em 1864, quando o DN foi lançado, custava dez réis e assim foi nos anos seguintes. Hoje passara a custar 3 euros. E alarga a sua oferta. Entre as reportagens e as notícias, em novas secções e nova opinião (Diário de Notí- cias, 2018).

Textos publicados em dois dos três anos que antecederam estas mudança foram incluídos nesta análise. Havia já a premissa de menor número de textos relativos ao assunto tráfico de drogas ou MIT nas páginas do português Diário de Notícias. As expectativas forma- das antes da composição da amostra estavam cercadas em três pressupostos sobre Portu- gal: os indicadores econômicos e sociais, maiores e melhores na comparação aos demais

países componentes do estudo a posição geográfica, é rota de passagem, mas está situado longe dos pontos de produção e distribuição de estupefacientes em larga escala e, por fim e, talvez determinante, a já citada Estratégia Nacional contra a droga. Entre os objetivos deste estudo esteve o de buscar os efeitos no relato jornalístico da política portuguesa de descriminalização da posse de estupefacientes e que foi, inicialmente criticada, mas que hoje é colocada como modelo para reduzir os índices de violência ligados ao tráfico de drogas.

3.3. Resultados