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Embora a demanda pelo uso de drogas imponha ao narcotráfico caráter intercontinental (OEA, 2003, p. 17), Filho e Costa (1997), o cotidiano das populações depende de pré- disposições sociais, políticas e econômicas. Os níveis de desenvolvimento econômico e as estruturas institucionais, as prioridades políticas são diferentes entre os países, assim como os padrões de consumo de drogas, os aspectos de saúde e os efeitos da atividade da criminalidade organizada. Até mesmo em cada país, o problema apresenta-se de maneira diversa no âmbito rural e nas áreas urbanas (OEA, 2013, p. 17).

Para Filho e Costa (1997) e Fraga (2014), a dinâmica do narcotráfico molda-se às neces- sidades de mercado, à lei da oferta e demanda e à adaptação às transformações políticas e econômicas dos países.

O narcotráfico é um fenômeno essencialmente transnacional, sendo sua dinâmica ditada sobretudo pelas leis da oferta e demanda. Como tal, associa-se e nutre-se das transformações de ordem polí- tica e econômica que, sobretudo a partir dos anos setenta, levaram à intensificação do fluxo de

bens, capitais e de pessoas através das fronteiras nacionais. O fim da confrontação bipolar teve como uma de suas consequências a modificação das percepções de ameaças por parte das grandes potências, e em particular dos Estados Unidos, como também por parte de países em desenvolvi- mento. Em face do esvaziamento de ameaças tradicionais à segurança e do avanço do narcotráfico em praticamente todos os continentes, o mesmo passou a ser percebido como uma das mais impor- tantes ameaças à segurança dos Estados, tendo se inserido na agenda política do continente ameri- cano de forma intensa, em razão de nele se situarem os principais produtores do maior mercado de cocaína, além de outras drogas ilegais. (Filho e Costa, 1997, p.99).

A OEA aponta que o caráter transnacional do narcotráfico afeta os pilares do desenvol- vimento, a produção, a política, a sociedade, e o meio ambiente. O impacto ocorre em todos os elos, desde a produção, o tráfico, a venda e o consumo (OEA, 2013, p. 25). Na última década, o tema apareceu com maior frequência na pauta de discussões políti- cas por parte dos governos, conforme Filho e Costa (1997).

A maior atenção para com as dimensões dos problemas relacionados ao narcotráfico associa-se a três fatores básicos. Primeiramente, a relevância política e econômica que o tema assumiu no ce- nário internacional e regional. As drogas, afetando todos os países e projetando-se no território brasileiro, levam importantes parceiros, particularmente os Estados Unidos e a União Europeia, a desenvolverem políticas em relação às quais tanto o governo como diferentes segmentos da socie- dade brasileira se viam instados a posicionar-se. Em segundo lugar, o narcotráfico associou-se e pôde nutrir-se das mudanças e dos problemas que acometem a sociedade brasileira, como por exemplo, o enfraquecimento do Estado, o aumento do desemprego, do subemprego com corres- pondente incremento e diversificação da economia informal em todo o País (...). A deterioração da condição econômica e social por parte da população, a marginalização crescente de segmentos so- ciais no processo de desenvolvimento, o intenso crescimento dos centros urbanos, tudo isso se atrela às drogas e aos elevados índices de criminalidade. Por último, a incorporação de camadas populares ao mundo do consumo de drogas anteriormente reservado principalmente a pessoas das classes média e alta. (Filho e Costa, 1997, p. 76).

Os fatores de globalização ou transacionalidade abordados deste estudo são indicados pela OEA e apontam os elos de produção, distribuição e consumo de estupefacientes ilí- citos. Os três países alvo da pesquisa representam posições diferentes no mercado de produção, distribuição e consumo de substâncias psicoativas ilícitas, principalmente ma- conha e cocaína (UNODOC, 2017; 2018). O Paraguai divide com México, Estados Uni- dos e Colômbia e Canada o posto de principal produtor de maconha do mundo. A maco- nha produzida no Paraguai abastece os países do Cone Sul e chega à Europa (OEA, 2003; pp. 32, 35, 50, 82). Embora esteja entre os primeiros países signatários das três conven- ções que norteiam as políticas relacionadas ao narcotráfico, o Paraguai iniciou em 22 de abril de 2015, o processo para a elaboração da Política Nacional de Drogas, sob a coor- denação do escritório local do Unodoc e representantes de embaixadas5.

O Brasil ocupa posição estratégica na produção, distribuição e trânsito de maconha e figura nas principais rotas de destino de cocaína à Europa, África e Oriente Médio (OEA,

2013; p. 48, 49, 50). As condições geográficas configuram importante fator para a atual situação do País em relação ao mercado internacional de narcóticos ilícitos. Onze dos 27 estados da federação e 570 de 5.570 municípios estão na região de fronteira seca com 13 países (IBGE, 2013). As condições geográficas e os fatores sociais incidem diretamente sobre a posição do País em relação ao narcotráfico.

O Brasil processa, importa e exporta vários tipos de drogas. Tornou-se importante centro de pro- dução e de consumo, além de fornecer novas drogas alternativas para os mercados interno e exter- no e de ter constituído em mais uma peça da engenharia do crime do narcotráfico internacional de drogas (Filho e Costa, 1997).

O país é marcado por um vasto território, 8.515.767,049 quilômetros quadrados, extensa costa marítima e, ainda, fronteira com os principais produtores de estupefacientes da América Latina, a Colômbia, Peru e Bolívia (UNODOC, 2018).

1.4.1 Portugal e a despenalização do consumo

Alternativas à ofensa criminal ou administrativa à posse de estupefacientes são registradas em diferentes níveis em diversas iniciativas. O mais sofisticado em termos de despenalização é o Uruguai87, que prevê a redução da influência de redes criminais na exploração do plantio de maconha. Também foram regulados legalmente os mercados recreativos dos estados norte-americanos de Washington e Colorado a partir de 2012. Iniciativas de regulação de mercado semelhantes ainda não são encontradas na Europa, onde a posse é crime na maioria dos países, mas há diretrizes para reduzir o impacto cri- minal contra usuários na Alemanha, na Espanha e na Holanda. Na República Checa, a posse não é considerada crime, mas o porte em elevadas quantidades resulta em proces- sos. Em nível europeu, a experiência de Portugal é considerada a mais pragmática e me- nos proibicionista para responder à procura pelo consumo porque prioriza a saúde por meio de políticas de redução de danos, reinserção social e tratamento de usuários (Bewley-Taylor et al., 2014; Blickman, 2014):

Portugal tem sido, nos últimos anos, o melhor exemplo de como se pode lidar com o con- sumo de drogas. O seu modelo preserva a dignidade das pessoas que consomem, o bem- estar e a segurança de todos os membros da sociedade. No entanto, a descriminalização

87 A Lei federal número 19.172 da República do Uruguai publicada em 20 de dezembro de 2013 tornou

legal o mercado de cannabis no elo de comercialização e consumo. O controle da importação, da exporta- ção e cultivo ficou sob responsabilidade do estado uruguaio. Essa foi a primeira experiência de legalização de um estupefaciente criminalizado após as convenções de ajustes negociadas na ONU.

do consumo [prevista no país desde novembro de 2001] deve agora evoluir”, ou seja, pensar na intervenção do Estado para a legalização das drogas (Branson, 2019).

Portugal ainda é considerado vanguarda no tratamento ao usuário e é apontado como o país europeu melhor posicionado em relação à política de drogas, mas está fican- do para trás porque mantém a imputação de sanções aos usuários, o que representa ape- nas mais uma face do proibicionismo por utilizar a descriminalização como instrumento de partida e continua a ocupar a polícia (Dreyfus, 2019).

CAPÍTULO II - O tráfico de drogas pela lente da produção jornalística